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Alexa já nos aguardava na varanda de sua casa com um sorriso de sincera satisfação ao vê-los. Gabriel deve ter avisado de sua visita.

_ Fico feliz em ver que recebeu alta.- Ela disse depois que entramos e nos acomodamos na espaçosa sala.

_ Obrigada! Também fico feliz em poder vê-los fora daquele ambiente... E papai e Geisa, onde estão?

_ Seu pai está se aprontando e já, já estará aqui. Geisa foi logo cedo visitar seus entes.

_ Há... – Fiquei ansiosa e ao mesmo tempo com inveja de Geisa por poder vê-los sempre que tivesse vontade. Não tinha mais esperanças de um dia poder voltar a vê-los no lar terreno, mas pensei que já havia me conformado.

Vendo que a menção aos entes queridos me deixou transtornada, Alexa logo mudou de assunto, começando a falar sobre seu trabalho ali. Ela gostava de arte e dava aulas de pintura. Sei que não era intenção dela me deixar constrangida, mas aquele assunto só serviu para me deixar mais deprimida, pois comecei a me sentir uma inútil. Olhei para Gabriel e soube que ele sabia das minhas aflições, quando um sorriso brotou de seus lábios. Cachorro! Ainda tinha a cara de pau de se divertir as minhas custas! Nesse momento, papai chegou e corri para abraçá-lo. Parecia tão mais moço... Entendi que a morte não apagou meus sentimentos por ele. Seria sempre meu pai!

_ Será que só tive você de pai?

_ Não. Já tivera outros...

_ Não vou conhecê-los? Não estão aqui?

_ Quando se nasce de novo, seu passado morre. Esquece-se, com o nascimento, apagam-se memórias passadas. Seus outros pais, reencarnaram ou passaram de plano.

_ Então nunca mais os verei de novo ou saberei quem foram.

_ Saberá e os verá, mas só em suas lembranças de vidas passadas. Se algum reencarnou, talvez possa reconhecê-lo em um irmão, um namorado, e até em uma pessoa que passou pela rua e jura que a conhece, sem jamais ter á visto.

_ É, pelo jeito não é a só a morte que nos tira quem amamos, mas também o nascimento...

_ Não seja rancorosa minha filha! Há pessoas que foram apenas usadas como elo de ligação de um espírito para o mundo carnal. Não que não sejam importantes, mas com tantas gerações acabam se perdendo os afetos, tanto fraternais, como filiais e até as grandes paixões. Então ficam apenas aqueles que chamamos de espíritos afins. Esses sim, resistem mesmo depois de muitas gerações e quando se encontram sentem o mesmo amor de outrora. Apesar do propósito de Deus de todos sermos almas afins, ainda existe um grande abismo entre essa realidade. Por isso, precisamos enfrentar muitas batalhas para que alcancemos a perfeição.

Ficamos ainda um longo tempo falando sobre esse assunto. Alexa serviu-nos de café e sentou-se ao lado de papai.

_ Diga Alexa, com quantos anos morreu?

Ela deu uma gargalhada alegre enquanto que Gabriel me fitava reprovador.

_ Quando desencarnei já tinha noventa e trez anos.

_ Desculpe a minha indiscrição.

_ Não há nada que se desculpar. Quando cheguei aqui, deixei meu médico louco com tantas perguntas que fazia.

_ Isso é algo que temos em comum... Vocês se amam muito não é mesmo?

_ Desde sempre.

_ Gostaria de lembrar do meu passado e saber como fui fisicamente em outras vidas.

_ Ainda não se lembrou?

_ Não. Ainda não tive permissão e nem sei se algum dia terei.

Vi que Alexa olhou surpresa para Gabriel, mas não fez nenhum comentário.

_ Será que quando encontrar minha metade, saberei de quem se trata? Ou reconhecerei?

_ Pode até não saber imediatamente, mas com certeza sentirá.- Papai esclareceu.

Gabriel me chamou para irmos embora e obedeci prontamente, pois sabia que Alexa e papai tinham seus afazeres. Enquanto caminhávamos a expressão de Gabriel estava tão diferente que deixou todos os meus sentidos em alerta. Era como se algo muito importante estivesse para acontecer. E mal sabia que aquele pressentimento tinha fundamento. E com poucas palavras disse que me faria uma surpresa.

_ Quando?

_ Agora.

_ Está me levando até ela?

_ É.

_ É uma surpresa boa ou má?

_ Isso, terá que decidir por si própria.

Calei. Com a convivência descobri que Gabriel não apreciava muitas perguntas. Depois de alguns minutos de caminhada, chegamos a uma cachoeira de águas cristalinas. Suas águas batiam em pedras azuis, fazendo a água espirrar por todo gramado, formando arco íris por todo lado, fazendo um cenário paradisíaco. Era lindo. Corri para tomar um pouco daquela água que era um convite a refrescancia e com as mãos em concha retirei um pouco e já ia beber quando um grito me deteve.

_ Não!!

O grito era de Gabriel. Assustada, larguei a água e me afastei imediatamente.

_ Não deve beber dessa água.

_ Porque?

_ Porque ainda não é hora.

_ Hora de que?

_ Será que não pode simplesmente aceitar sem fazer um interrogatório?

_ Não é isso! É que não entendo...

_ Depois lhe explico.

Aceitei resignada e fomos para perto de algumas pessoas que estavam ali. Gabriel logo iniciou uma conversa animada com uma mulher de corpo atlético. Não me aproximei o suficiente para ouvir do que falavam, pois me faltava interesse. Porém, Gabriel logo me chamou e me apresentou. Seu nome era Márcia, professora de uma escola especial. Pelo que entendi, Gabriel havia acabado de me matricular. Não fiquei muito entusiasmada até o momento que soube que aprenderia a levitar e atravessar paredes.Começamos imediatamente. Foi incrível! Aprendi rápido e me deliciava a cada parede que transpassava. Levitar então! Que sensação! É indescritível!

As aulas eram dadas ali mesmo na cachoeira. Havia alguns barrancos onde treinávamos a transpassagens e muita gente se divertia com os tombos que nós, iniciantes, tomávamos ao tentar flutuar. Na hora fiquei irritada com aquilo, mas depois relaxei, pois entendi que um dia, também estaria ali, quando já estivesse bem treinada. A aula durou cerca de uma hora, depois eu e Gabriel, sentamos em uma pedra, admirando a beleza daquele lugar como se fizéssemos parte da natureza. Gabriel estava pensativo e concentrado, olhando em um ponto qualquer, sem na verdade olhar para nada. Parecia tranqüilo, mas minha intuição me dizia que aquele silêncio escondia pensamentos confusos e conturbados.

_ Obrigada por me trazer aqui. É um lindo lugar... Até que não é tão mal assim... Gostei da surpresa.

Ele me fitou por alguns segundos e um sorriso brotou em seus lábios.

_ Que bom que gostou daqui. É um dos meus lugares favoritos. Mas essa não é a surpresa que tenho para ti.

_ Não?

_ Vou deixar que visite seus parentes.

Fiquei boquiaberta. Nem nos meus mais loucos devaneio, poderia imaginar que esse dia chegaria.

_ Repita isto, por favor. Não estou acreditando.

_ Pode acreditar em seus ouvidos. Vai rever seus entes.

Então era isso! Realmente reencontraria minha família.

_ Quando?- Perguntei ansiosa.

_ Agora.

Dei-lhe um forte abraço.

_ Muito obrigada Gabriel!

Ele me afastou, mas seus olhos me fitaram com ternura. Era como se meu gesto espontâneo o fizesse enternecer...

_ Não devia agradecer.

_ Como não? Tem idéia da alegria que está me proporcionando?

_ Posso estar assinando seu estado de morte permanente.

_ Isso quer dizer...

_ Se não suportar a dor que vai sentir em sua família pela sua perda, se por algum motivo desejar ficar lá, não poderei ajudá-la e será presa fácil para os inimigos das trevas.

_ Quem são esses inimigos?

_ São entidades que vagam livremente por lá, atormentando as pessoas e aproveitando de suas fraqueza, para fazer com que façam sua vontade. São seres perversos que amam as trevas e invejam os humanos... Eles escravizam espíritos angustiados, que vão visitar sua família...

_ Com certeza não serei mais uma na lista deles.

_ Assim espero... Para seu próprio bem. E antes de ir preciso lhe dar mais um aviso, não se deixe levar por ciúmes ou sentimentos negativos.

_ Já entendi, mas agora vamos que estou "morrendo" de saudades.

Ele me fitou e começamos a rir desse comentário. Atravessamos a Colônia de mãos dadas onde ele me ensinou a orar, e flutuando chegamos ao lar terreno, saindo no quintal de casa. Combinamos que Gabriel me esperaria do lado de fora.

Usando o que aprendi, transpus a parede e entrei na cozinha. Olhei em volta e senti uma pontada no peito. Estava tudo igual ao que me lembrava... A saudade e a vontade de estar ali em vida, me oprimia o peito. Passeei a mão pelos utensílios da cozinha, como se assim pudesse aplacar um pouco daquela saudade. Olhei para a mesa e as lembranças começaram a dançar em minha mente. Vi-me ali, sentada, comendo uma maça que tirei da fruteira, enquanto mamãe mexia nas panelas no fogão. Com toda a inexperiência de uma adolescente, pensava num meio de abordar um assunto, que era importante o seu consentimento.

_ Mãe...

_ Diga Lisa. O que a incomoda?

Lembrar como mamãe era sensível, me fez encher os olhos de lágrimas. Só ela para perceber quando estávamos com algum problema. Parece até que adivinhava.

_ Queria trazer uma pessoa aqui...

_ Quem é?

_ Bem, ele... é meu namorado. – Me ouvi dizendo com receio.

_ Lisa! Julio sempre foi bem vindo aqui! Fico feliz que tenham resolvido assumir esse relacionamento.

_ Mãe! Quer dizer que já sabia?

Ela apenas sorriu. Abaixei a cabeça. Aquelas lembranças não seria saudáveis para meu equilíbrio emocional. A saudade doía e me fazia lembrar de todos os sonhos que já não poderiam mais ser concretizado... Estive tão ansiosa para rever minha família, e agora estava ali. Com vontade de recuar. O receio interior a cada segundo que ficava ali, crescia em meu peito. Mas ergui a cabeça, respirei fundo. Estava ali para revê-los e é o que faria.

Segui determinada pelo corredor e cheguei à sala. Minha mãe dormia sentada no sofá e um livro descansava em suas mãos. Quando me aproximei, verifiquei que não se tratava de um livro, mas de um diário. O meu diário! Com lágrimas rolando, abaixei-me e dei um beijo em sua testa. _ Há, mãe! Para que se martirizar com lembranças tristes? Desejei ardentemente poder lhe falar... Poder lhe dizer que estive ali e que estava bem... Então a voz de Gabriel se fez ouvir em minha cabeça. Olhei em volta, mas não o vi, então entendi que se tratava de telepatia.

_ Liza. Penetre em seus sonhos e a tranqüilize. Diga que está feliz.

_ Como posso fazer isso?

_ Desejando. Concentre-se e feche os olhos...

Obedeci. Consegui viajar para sua mente e de alguma forma ela sentiu a minha presença. Ela estava na igreja, orando e quando cheguei à porta, ela se virou e correu a me abraçar.

_ Liza, minha menina...- Ela estava com a voz embargada pela emoção.

_ Mamãe, que saudades...

_ Como está querida? É feliz?

Então senti a dor e a agonia que vinha de dentro dela. Seus sentimentos eram mais que sonhos. Eram reais. Peguei-a pela mão e (até hoje não sei como fiz isso) levei-a a um lugar cheio de flores e com um mar que se estendia à frente.

_ Vê? O lugar onde vivo é assim.

_ Ela olhou em volta. Não estava totalmente satisfeita. Talvez desejasse saber noticias de papai e Geisa. E antes que perguntasse, lhe passei a informação, tomando o cuidado de não mencionar Alexa.

_ Mãe, Estamos bem e felizes. Por favor, seja feliz também. Preocupe apenas em ser feliz. Se cuide, mamãe... e adeus.

- Espere! – Ela chamou quando viu que me afastava.- Se está bem com então porque choras? Não minta para sua mãe!

_ Sou feliz sim. Choro pela emoção de poder revê-la após tanto tempo. Sofro por fazê-la sofrer com minha ausência, não há como negar que isso dói. Demorei a vir porque estava me recuperando, mas agora prometo que voltarei sempre que puder. Agora preciso ir. Visitarei meus irmãos. Por favor, diga a eles que os amo muito. E dizendo isso, pulei no mar e sai nadando. Abri os olhos e vi que mamãe se mexeu no sofá e acordou. Ficou um tempo olhando para o teto e depois abriu meu diário. Percebi que as lágrimas embaçavam sua visão e seu pranto veio acompanhado de profundos soluços. Virei-me para ir embora, quando percebi que não queria ver aquelas lágrimas que molhavam um rosto tão querido. Sentia-me inútil e culpada por aquela agonia. Ela não merecia sofrer tanto... Mas me detive quando ouvi sua voz.

_ Perdoe minhas lágrimas, Liza... Sei que esta aqui. Posso senti-la, assim como sinto Geisa, quando vem aqui... Há muito tempo, venho controlando esse pranto, mas acredite, foi apenas um desabafo. Quero que saiba que nunca morreram. Estão vivos aqui!- Ela disse batendo no peito, enquanto suas lágrimas molhavam meu diário. Olhando aquela cena, me permiti chorar também. Depois fui ao quarto de Emerson, que também dormia. Depositei-lhe um beijo na testa e depois sai. Não quis penetrar-lhe no sonho. Na verdade tive medo. Preferia nunca mais voltar ali. Era horrível assistir ao sofrimento de mamãe e angustiante, não poder fazer nada para aplacar aquela dor. Então, entendi que meu lugar, definitivamente, não era mais ali.

Gabriel esperava do lado de fora e pelo seu olhar sabia que não precisava dizer nada. Ele sabia.Vi refletido nele, como se fosse um espelho, meu sentimento. Ele me abraçou e naquele consolo encontrei coragem e força para prosseguir com minhas visitas.

A próxima parada, foi na casa de Cláudio, meu irmão mais velho. Nada em sua fisionomia demonstrava algum traço de tristeza. No fundo, achei melhor assim. Não queria ver mais ninguém sofrendo por minha causa. Porém, mal sabia que estava enganada.

Depois de dar um beijo em sua esposa que estava deitada no sofá, ele se retirou para o quarto e o acompanhei. Fiquei sem saber o que fazer, quando vi a presença de uma criança. Aquele bebe era meu sobrinho! Aproximei-me do berço e descobri que era uma menina. Em sua manta estava gravado o nome Elisabete. Senti-me honrada e emocionada com a homenagem e meu pranto rolou.

Meu irmão havia sentado na cama com suas mãos escondendo o rosto. Só quando se levantou, percebi que chorava.

Eu e Cláudio, sempre fomos mais que irmãos, éramos amigos. Dividíamos confidencias, segredos e sonhos que não revelávamos a outras pessoas. Ele se aproximou do berço e passou a mão no manto, onde havia o nome gravado e fechou os olhos como se sentisse muita dor. Então me dei conta que a dor por eu ter partido era-lhe maior que a felicidade de ter uma filha. Enganei-me mesmo ao pensar que ele havia me esquecido. Abracei-o, mesmo sabendo que ele não podia sentir. E voltando ao berço, beijei minha pequena sobrinha e essa, abrindo os olhinhos sorriu para mim. Ela podia me ver! Brinquei mais um pouco com ela e me virando, fui embora.

Segui para a próxima visita, ao lado de Gabriel, sem trocarmos uma palavra. A meu pedido, fomos visitar meu noivo. Arrependi. Ele já havia colocado outra em meu lugar e parecia muito feliz. Muito mais do que quando estava comigo. Não me lembrava dele ter me olhado com aquele brilho apaixonado no olhar... É. Realmente ele havia me esquecido.

E esqueceu rápido demais.

Fui embora, mas não me conformava. Revoltava lembrar de meu ex-noivo. Nada daquilo era justo! Afinal, para que nascer, se vamos morrer? Para que amarmos se seremos esquecidos? A verdade era dura e amarga. Tudo que considerava importante e construí com esforço, estava perdido para sempre! Acabou! Nada importava mais! Era mentira o que dizem das pessoas que amamos serem inesquecíveis e insubstituíveis! Ninguém é inesquecível e muito menos insubstituível! Logo, as pessoas se esquecem e o que houver de lembrança, é jogado no lixo e ateado fogo. Ou isso, ou as lembranças acabam num porão frio e sombrio... porque essas lembranças deixaram de ter valor. Mesmo que ali estejam vidas inteiras de sonhos, desejos, anseios, alegrias e conquistas de outra pessoa. A história acabou. E isso acontecerá com meus vinte e treis anos de lutas e conquistas que me pertenciam! Vão sobrar apenas cinzas! Como se não bastasse morrer, perder a vida, também perdi tudo que tinha; lar, família, amigos, namorado, passado, bens materiais e sentimentais... Vivi sem perceber que tudo que construía não tinha sentido algum. Tudo não passou de uma falsa felicidade, uma falsa perspesctiva de conquistar, tudo não passou de uma ilusão.

Gabriel tocou em meu ombro, me fazendo despertar de meus amargos pensamentos. Só então percebi que já estávamos em frente casa. Não tenho nem idéia de onde andei para chegar ali.

_ As coisas não são como pensa...

_ Há, não?

_ Está se deixando levar pela revolta de seus entes... Querem seu bem, mas não sabem que a tristeza e a revolta deles se refletem em ti, pois estão ligados pelo amor.

_ Que quer dizer com isso?

_ O sofrimento deles te atinge diretamente, lhe causando depressão.

_ Que bobagem! Estou morta! Não era para sofrer! Não era para sentir dor! Não mais!

_ Foi um erro levá-la lá. Não estava preparada para um reencontro...

_ Erro! Já percebeu que tudo que faz é errado? Porque não começa a consertar, me deixando em paz?

_ O que disse?

Vi que a ira brilhou nos olhos dele, mas não recuei.

_ É isso mesmo que ouviu! Já me cansei de você! Não preciso de uma babá nem de uma sombra a me seguir o dia todo, e decidindo que caminho devo seguir a todo instante. Estou cansada de você! Farta!

_ Gosto quando me lembra de quem realmente é. Não merece consideração e nem que perca meu tempo com palavras de consolo.- Ele disse com voz contida e se virando, entrou na casa.

A despeito do que eu disse, ele me deixou ali fora para decidir sozinha se ficava e vagava por ali, ou entrava e continuava dividindo minha permanência ali, com ele. Então senti frio. Um frio que só Gabriel poderia aquecer. Só o calor de seus braços poderia me trazer de volta o consolo para meu coração angustiado. Entrei a sua procura e o encontrei no banho. Mesmo depois de nosso desentendimento, fiquei a vontade para abrir a porta. Parei no batente e fiquei o observando nu, ensaboando-se de costas. Ao perceber minha presença, virou e me encarou. Despi-me sem pudor e me aproximei. Ele me olhou com desejo. Sabia que tentava a todo custo burlar seus sentimentos, mas era uma guerra perdida.

_ Venha cá.- Ele chamou com voz rouca.

Obedecendo ao teu chamado me acheguei a ele devagar. Começou a me ensaboar e em cada curva que suas mãos percorriam, deixava um rastro de fogo, me consumindo por inteiro. Em uma questão de segundos se apossou de minha boca, levando sua mão ao meu sexo, onde com os dedos fazia movimentos eróticos. Gritei. Precisava ser possuída com urgência. Encostou-me na parede e penetrou-me. Após o orgasmo, acabamos o banho e fomos direto para o quarto, onde retornamos aos jogos sensuais.

No dia seguinte, quando acordei, ele não estava mais lá. Uma dor que não sabia de onde provinha, latejava em meu peito. Lágrimas corriam pelo meu rosto. Não sabia o motivo da dor e do pranto até que Gabriel retornou e assim que percebeu minhas lágrimas, abriu um sorriso diabólico. Conseguiu o que queria. Meu corpo e minha alma lhe pertenciam, e juntos obedeciam ao seu comando como um cachorrinho adestrado. Tornei-me sua escrava, sem perceber troquei a necessidade de ar para viver, pela necessidade de estar com ele. E ele sabia. E se alegrava, como se tivesse alcançado seu objetivo. Nunca mais me libertaria da força que exercia sobre mim. E ele usaria isso contra mim. E mesmo sabendo que seria assim, não teria forças para me libertar... Não teria força para tanto... Não poderia...Porque o amava! A ele pertenciam meu corpo, meu coração e meus pensamentos. Todo meu eu lhe pertencia. E chorava porque sabia, pela intensidade do amor que crescia cada vez mais dentro de mim, que aceitaria qualquer migalha que ele me oferecesse. Essa é uma verdade que dói. Não poderia ser meu. Já tinha sua cara metade. Sabia que tinha que tirá-lo, arrancá-lo do peito, mas se fizesse isso, meu coração sairia junto... Talvez devesse lutar por ele... Talvez se ele não tivesse um outro alguém, com quem compartilhar a eternidade. A partir daquele dia, meu pranto jamais cessaria... Mesmo que não houver mais lágrimas em meus olhos, o pranto da minha alma, estaria alagando meu interior de amarguras. Não há calor que seque as lagrimas da alma, nem a dor de não poder nem ter esperanças de um dia ficar com aquele que amava. Só ele secaria esse pranto. Jurando-me que jamais me abandonaria. Que ficaríamos juntos, que abriria mão daquela que estava destinada a tomar meu lugar...

Voltei meu olhar para Gabriel e ergui a mão num mudo convite para compartilharmos mais uma vez o prazer insaciável que sentíamos quando estávamos nos braços um do outro. Porém, foi com decepção que o vi menear a cabeça numa negativa.

_ Porque?

_ Porque estou no comando, e assim, decido onde e quando.

Era verdade. E jamais teria força para recusá-lo.

_ Agora se levante e vá tomar café.

Levantei resignada e passando por ele sem dizer nada fui para o banho. A água morna, pareceu me dar novo ânimo. Depois que me troquei, fui para cozinha, mas Gabriel não estava lá, mas a mesa estava posta. Terminei o café e lavei a louça e fui para a varanda a fim de observar as pessoas.

Entre as pessoas, vi uma vasta cabeleira ruiva, que logo me chamou a atenção. Vasculhei na memória e consegui identificá-la. Era Giovana. A moça que sempre me ignorava e me olhava de forma hostil. Sem pensar, desci as escadas da varanda e corri para alcançá-la.

Mas, quando finalmente consegui alcançá-la, fui tentar segurar em seu braço e minha mão transpôs seu corpo, como se ela não passasse de uma miragem, um fantasma. Que estranho! Porque não consegui tocá-la? Ela continuou seu caminho, alheia ao que acabava de se passar. Gritei-a, tentando novamente tocá-la e então ela se virou. Vi surpresa em seus olhos, inicialmente, porém seus olhos passaram a transmitir vários sentimentos, como magoa, rancor... Foi nesse momento que me lembrei dela. Soube então porque não gostava de mim... Mas não fazia sentido! Algo não se encaixava. Alguma coisa estava errada.

Giovana era a garota que havia atropelado tempos atrás... Mas ela não morrera por ocasião do acidente! Lembro de ter lhe socorrido e a levado para um bom hospital e ainda pagar todas as despesas... Quando decidi visitá-la, mamãe me interceptou, dizendo que ela já estava bem e sua família não queria receber visitas de nossa família. Será que mamãe mentiu? Será que ela estava ali por causa do acidente?

_ Não pode me tocar, assassina!

A voz irada me tirou de minhas lembranças. Surpreendi-me ao fitá-la e perceber que seu olhar gelado me lembrava Gabriel. Ela, podia até entender, mas Gabriel? Não fiz nada a ele...

_ Você é...

_ Isso mesmo, covarde!

_ O que quer dizer com isso?

_ Não se faça de desentendida...

_ Não tive culpa...

_ Há não? Então de quem é a culpa?

_ Foi um acidente...

_ Sei. Acidentes acontecem... Ninguém tem culpa de nada...- Ela disse sarcástica.

_ Tem algo errado... Preciso conversar contigo...

_ Muito bem. O que tem a dizer?

_ Olha, te socorri, paguei a conta no hospital, eu...

_ E acredita que foi suficiente?Você roubou minha vida! Seu dinheiro não me devolveu isso!

Um nó se formou em minha garganta. Aquelas palavras me soavam tão cruéis...

_ Está dizendo que morreu, por causa do acidente?

_ Não sabia? Como é inocente! Talvez a maior vitima tenha sido você.

_ Mamãe me impediu de ir visitá-la... Disse que já tinha saído do hospital... Que estava bem e seus parentes não queriam me ver... Nunca pensei que podia ser tudo mentira. Na verdade, me esqueci desse acidente, nem pensei mais nisso...

_ E achou melhor acreditar como verdade absoluta. Claro. Assim é muito fácil. Para que se preocupar e se dar ao trabalho de ir verificar no que deu aquele "insignificante" acidente?

_ Acreditava em mamãe.

_ E também acredita que isso diminui sua culpa?

_ Não. Sei que falhei contigo. Sinto muito.

_ Não duvido disso.

_ É verdade. Quando a vi jogada no chão, já quase sem vida, com suas coisas espalhadas pelo chão... Se pudesse daria minha vida para mudar aquele momento e não te atingir... Quis trocar de lugar contigo...

_ Estou emocionada! É uma pena que já não tenha mais uma vida para ser trocada, pois poderia pensar no assunto...

_ Me odeia tanto a ponto de jamais me perdoar?

_ Olha, toda vez que te vejo, me lembro que é a responsável por estar aqui e no primeiro momento te odeio sim, afinal estava determinada a lhe odiar para sempre, mas do que ia me servir? Estamos em situações parecidas... E depois que a vi morrer, para salvar uma vida que me era muito importante...

_ De que vida está falando? Não estou aqui por ter salvado...

_ Foi em uma de suas vidas passadas. Não deve ter se lembrado ainda.

_ Teve autorização para conhecer meu passado?

_ Só à parte em que me dizia respeito. Já nos conhecíamos de outras vidas.

_ Mas porque tem permissão e eu não?

_ Só tive, porque eles queriam que a perdoasse...

_ Eles quem?

_ Os... Ainda irá conhecê-los.

_ Então estou perdoada.

_ Está sim.

_ Então me diga... Porque não posso tocá-la?

_ Ninguém pode. Estou presa ao lar terreno e respiro com ajuda de máquinas...

_ Em outras palavras, está em coma.

_ É.

_ Meu Deus!!! Que tipo de ser humano, eu sou? Interrompi a vida de uma pessoa e vivia como se nada estivesse acontecendo!

_ Também pensava assim, mas quer saber de uma coisa? Não adianta nada ficar se questionando. As coisas aconteceram de forma que não há nada há ser feito para ser mudado.

_ Agora entendo seu ódio...

_ Não a odeio, não mais.

_ Não entendo mamãe... Como pôde mentir? Deixar-me acreditar que estava tudo bem?

_ Ela fez o que achava que devia ser feito. Até hoje me visita. Fica lá chorando... Ela me contou que você morreu.

_ Mamãe é uma boa alma. Tomou para si a responsabilidade que me pertencia, para não me ver sofrer. Acho que não quero mais falar nesse assunto, porque posso sentir a dor de mamãe. Mas me diga, Vai ficar aqui? Não quer mais voltar para o lar terreno e retomar sua vida?

_ Tenho vontade de pertencer a um ou outro lugar... Desde que não fique presa aos dois. Assim, como estou, prefiro morrer de uma vez.

_ Não gosta daqui?

_ Gosto, mas há tantas coisas que gostaria de fazer ainda no lar terreno! Sabe, sempre fui muito reservada e não aproveitei as chances que tive... Queria ter curtido mais os amigos, ter arrumado namorado, ser feliz, dizer para as pessoas que me rodeiam o quanto às amo.

_ Então, se puder escolher, voltará?

_ Não sei... Prefiro que decidam isso por mim.

_ Não encontrou nada de bom aqui? Nada que á fizesse querer ficar aqui? A escola, por exemplo.

_ Claro! Dar aulas é o que faço de melhor. Antes do acidente, também dava aulas... Talvez possa retomar... E tem Antonio também, jamais conheci alguém como ele...

_ E o que ele diz disso? Ficará aqui até que seu corpo envelheça naquela cama de hospital?

_ Esse assunto me preocupa, mas ainda esta em processo de decisão. Nada foi decidido ainda.

_ E enquanto não resolvem, fica por ai, indo e vindo...

_ É. Não é uma situação agradável.

_ E se voltar, vai se lembrar de tudo que está vivendo aqui?

_ Infelizmente não. Antonio me disse que não lembrarei nem do meu nome. Isso tem que acontecer para que minha memória tenha tempo de apagar a vida que existe aqui.

_ Pensei que era interesse deles, provar que existe vida após a morte.

_ Não precisam provar nada. As pessoas têm que procurar as escrituras sagradas e encontrar apoio lá. Já pensou que bagunça ficaria o mundo, se todos pensassem que podiam fazer o que bem entendessem pois teriam outra chance?

_ Mas os espíritas...

_ São mentirosos. Querem iludir as pessoas, para que não leiam a Bíblia. E Deus é muito claro na sua desaprovação desses atos de espiritismo.

_ Olha a conversa está boa, mas tenho que ir. Gabriel pode estar preocupado.

_ Tudo bem. Adeus.

_ Se, voltar ao lar terreno, espero que não se esqueça de me perdoar.

Ela sorriu e as palavras foram desnecessárias. Não ia se esquecer, porque em seu coração, já havia me perdoado.

_ Sempre que puder vá lá onde moro. Será muito bem vinda.

_ Obrigada. – Ela disse e se afastou com um aceno.

Ali mesmo fiz uma oração para que seu sofrimento tivesse fim. Uma mão pousou em meu ombro e assustada, me virei rapidamente, para saber de quem se tratava. Fiquei muito feliz. Era Antonio! Senti até meu coração batendo mais rápido. Um sorriso sincero aflorou em meus lábios. Fiquei tão feliz em revê-lo que em um desses impulsos que não podemos explicar, abracei-o forte.

_ Antonio... Que bom vê-lo! Que bom mesmo!

_ Também estava com saudades.

Separei-me do abraço.

_ Então porque não foi me visitar?

_ Estava esperando passar o período de adaptação.

_ Antonio... Estive com ela...

_ Eu sei. Espero que tenham se entendido.

_ Sim, nos entendemos... Mas como sabe que estive com ela? Não o vi por aqui.

_ Estava as observando da sala de televisão.

_ Sala de televisão?

_ É. Quer conhecê-la?

_ Claro.

Seguimos por um lugar parecido com essas praças de bairro. Havia muitas delas e muitos casais namorando nos banquinhos. Gostaria de estar com Gabriel, namorando naqueles banquinhos... Meus pensamentos foram interrompidos pela surpresa de me deparar com um lindo casarão, no centro de uma das praças. Era toda coberta com um tipo de trepadeira com flores brancas, que jamais vi igual. Parecia uma obra prima muita bem detalhada. Nem um pintor conseguiria reproduzir com justiça a beleza daquele lugar.