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01

Nos confins do mundo o sol está prestes a nascer, como faz todos os dias, não há traços de magia ou da facilidade que ela pode trazer. Há só o trabalho braçal de quem acorda cedo. Os mineiros levantam antes que o galo cante, os cavaleiros já estão prontos e descansados pra mais uma ronda atrás de escravos fugitivos, e os que trabalham no campo ainda estão dormindo, recuperando energia pra mais um dia de trabalho. Exceto alguns que deviam mais não o fazem.

-Ava pare! – Grita ele o mais baixo que pode. – Eles vão nos pegar...

- E fazer o quê? – Indaga ela girando, e fazendo o vestido rodar, com um sorriso no rosto. Ela ama o perigo. – Nós fazer trabalhar mais?

Darwin para por um segundo sem saber o que dizer. Nada pode dar errado e nada vai dar certo. É uma coisa que pressente em cada um dos seus ossos e mesmo assim corre atrás dela.

O sol se ergue sem pressa atrás das grandes montanhas, a luz permeia a cordilheira deixando a aldeia no pé da montanha no escuro. Mas ainda há um reluzir verde sobre a copa das árvores mais altas. O céu contém um breu cheio de estrelas, parece que não teme o dia ou qualquer indício que está preste a vir.

O solo de chão batido esconde algumas pedras, a lama lisa se mantém perto das poças d'água, e ela continua avançando, o risco, a queda e a pressa, só a fazem aumentar o ritmo. Ava quer, chegar antes que o sol nasça sobre a densa floresta, ver mais uma vez a fusão de cores preenchendo o céu, uma confusão de tons, a mistura de uma aquarela que torna o verde mais abstrato e vivo junto ao amarelo da estrela da amanhã, do vermelho e dos diferentes azuis cobrindo as nuvens alvas, tudo isso se embrenhando nas árvores. Deseja ver tudo isso de cima do grande carvalho, como se fosse a primeira vez.

A trilha se estreita e por um momento Darwin a perde de vista em meio aos ramos e galhos que se embrenham sob suas vistas, só que ele sabe à onde Ava está indo, e tudo que teme é ser pego. O medo não o instiga. A duvida o faz perguntar não uma mais milhares de vezes por que vai atrás dela, por que não volta pra sua cama aconchegante e dorme mais algumas horas? Mas ele sabe a resposta, ele também quer ver, ver como se fosse a primeira vez. Só não tem coragem para ir sozinho por isso precisa dela, por isso segue Ava.

A trilha some no labirinto que é o campo de trigo que se abre a sua frente, ele não necessita mais dela. Não foi à toa que trabalhou naquele trigal por meses, que arou a terra, que puxou baldes e mais baldes d'água, pra saber aonde deveria ir e com tudo isso fresco na memória Darwin prossegue ao objetivo.

- EU VOU DEVORAR VOCÊ! – Grunhiu ao gritos pulando as costas dele.

Darwin não vê o vulto ou tão pouco percebe que está sendo seguido, como Ava só quer chegar antes do amanhecer, antes que o sol toque as primeiras árvores, mais baixas. Ouve o brado e se vira simplesmente pra ser jogado contra o chão, a cabeça lateja com o impacto e sente o peso de outro corpo sobre o seu. Então se dá conta, está preso.

- Seu pai não te ensinou a lutar? – Pergunta Ava segurado os braços dele contra o chão. – Eu duvido quando foi ele que me mostrou como me defender. – Continua sem deixar que ele responda.

- A minha cabeça... Dói. – Lamenta Darwin com legítima frustração e defesa. – Você é selvagem demais, Ava, e se eu usasse em você o que ele me ensinou você estaria machucada e eu...

- Você?... – Instiga ela se dando conta que está por cima, as suas pernas envolta na cintura do garoto, o rosto tão perto e o peito ofegante e não sabe porquê está ficando sem ar ou por que isso importa. É só o Darwin. Ela o solta e limpa a lama do vestido. – Você não me subestime, posso acabar com a sua raça e dos outros melequentos em pouco tempo.

O silêncio paira sobre eles, como o orvalho sobre a fina folhagem que cobre o chão da florestas que tornam a adentrar. Ele quer dizer só não sabe como e se deve. Ava é sua amiga, não é sua irmã, e em algum momento se tornou algo a mais. Alguém que valeria apenas proteger, ter ao seu lado.

- Você também acha que eu sou fraca? – A garota não para, não gira e tão pouco se ouve a ousadia ou seu sorriso na voz. Só há frustração que transcende os ossos e jorra pra fora. – Meu pai me disse que vale mais apena me vender por um dote do que estou ganhado nas colheitas. – Ela toma a dianteira e se embrenha na floresta. – Eu não quero me casar... na verdade eu quero, mas não como uma égua pra dar crias, eu quero fazer algo grande, aprender uma profissão e sustentar a minha família. Não quero ser a garota a ser protegida, quero salvar.

- Eu caso com você. - Disse ele agradecendo por não vê-la, mas sabendo aonde ela está. – Pago o seu dote e você será livre.

- Você é um camponês como eu, Darwin, e mesmo sendo homem não ganha muito mais que eu. – Desfere usando a pura lógica e não notando o que foi dito, o que está subentendido. "Case-se comigo"

- Eu sei que os mais ricos entre nós trabalham com gado e não com a terra. E... – Ele para por um milésimo de segundo e arisca de novo, afinal não tem nada a perder. – Meu pai é mineiro deve ter achado algo de valor nas minas.

- Assim como o meu, se achou deve ter bebido todo o ouro ou gastado com prostitutas, a minha mãe só serve pra parir filhos e fazer comida, e nada mais... – Há resignação na voz, que entorpece o corpo e a faz odiar ter nascido mulher. – E eu não quero isso pra mim...

Darwin permanece em silêncio até encontrá-la, haviam muita palavra presas, muitas coisas à serem ditas e começou a organizá-las.

"Se você fosse minha... minha esposa, se casasse comigo poderia fazer qualquer coisas... somo jovens demais pra ter filhos. Eu não me importaria de não ter se você não gosta de crianças, só me importo de ter você... podê-la chamá-la de minha."

As palavras vinham em ondas, como em um tsunami, uma maior que a outra, cada frases mais ousada, que deixava-o rubro, acanhado, e causavam ansiedade a ponto de fazer o coração parecer um pássaro selvagem engaiolado, apesar da marcha lenta, batia feito um garanhão livre correndo na campina. Só o que deixou-o sem ar, que pôs sua mente inundada de coisas a ficar vazia foi vê-la. Então, mais, se deu conta de que não vinha sozinho pelo medo e sim para vê-la.

O vento acariciava o rosto brincando com os cabelos sedosos, o sol refletia o brilho de um anjo, e o vestido verde era um tecido feito de folhas, galhos e vinhas, algo mágico e irreal. Darwin não estava preparado pra aquilo e nunca estaria não importasse quantas vezes a visse, no galho do grande carvalho ao primeiro raiar do amanhecer sobre a floresta. A vista mais bela era Ava o resto era um mero detalhe, pinceladas distraídas em volta da grande obra de arte.

Era uma fusão única de escuridão, luz e estelas e essas três coisas só realçavam o que havia em Ava. A força pra vencer o escuro, a luz para mostrar o caminho e a esperança para desbravar o desconhecido. Isso era ela a união dessas três coisas em só um lugar, o momento em que o tudo e o nada não eram ideias vagas e abstratas e sim reais e possíveis, isso de fato era Ava a força de simplesmente ser.

Mais como em todas as outras vezes ele não disse nada, ficou em silêncio e se pôs a subir a árvore. O tronco se desfazia em seixos, os galhos finos se curvavam derrubando folhas e não importava o quanto se arranhasse ele subia com os olhos fixos em seu objetivo. Presos a ela.