Partida

Faltava apenas um dia para a partida de Jon de Winterfell. O sol mal havia nascido quando ele já estava no campo de treinamento, o som dos golpes de sua espada ecoando no silêncio da manhã. A cada movimento, Jon sentia sua maestria com a espada crescer, a fluidez de seus golpes se tornando quase natural, enquanto o poder daquela estranha energia dentro dele pulsava em seus músculos, aprimorando cada movimento.

Enquanto praticava, Jon conseguiu ouvir passos rápidos se aproximando. Seu instinto o alertou antes mesmo de ver quem era, e ele se virou para encarar a direção de onde o som vinha. Arya apareceu, ofegante e ainda vestindo um vestido, o que sugeria que ela provavelmente tinha acabado de fugir das aulas com a Septã.

Jon sorriu ao ver a irmã. "Lady Stark não vai gostar de saber que você está fugindo de suas aulas," brincou ele, mantendo a espada em sua mão enquanto observava Arya tentar recuperar o fôlego.

Mas, ao invés de responder à provocação, Arya praticamente gritou, sua voz carregada de raiva: "É verdade que você vai embora?"

Jon a olhou por um momento, surpreso com a intensidade de sua explosão. Ele podia ver a raiva em seus olhos, mas também algo mais profundo—uma tristeza contida que Arya lutava para esconder. As lágrimas ameaçavam cair, mas ela se recusava a deixá-las escapar, tentando manter a postura forte pela qual era conhecida.

Jon soltou um suspiro, abaixando a espada e dando um passo em direção à irmã. Ele sabia que essa conversa era inevitável, mas não esperava que ela viesse de maneira tão abrupta. "Arya..." ele começou, mas as palavras pareciam difíceis de encontrar. Como ele poderia explicar que precisava ir embora, mesmo sabendo o quanto isso a machucaria?

Ela não esperou que ele continuasse. "Por que você vai nos deixar?" Arya perguntou, sua voz trêmula, mas ainda cheia de desafio. "Você faz parte dessa família, Jon. Não pode simplesmente ir embora!"

Jon encarou a irmã por mais um momento, percebendo que, apesar de toda a bravura de Arya, o pensamento de perdê-lo a estava destruindo por dentro.

Jon ficou em silêncio por um momento, observando a dor nos olhos de Arya. Finalmente, ele embainhou sua espada, o som metálico cortando o ar enquanto ele a colocava de lado. Em seguida, ele se ajoelhou, ficando na altura de Arya, e colocou uma mão suave em seu ombro.

"Arya, eu preciso ir," disse ele, sua voz calma, mas firme. "Eu amo você e nossos irmãos mais do que qualquer coisa neste mundo, mas... esta não é minha casa. Não do jeito que é para vocês."

Arya balançou a cabeça, tentando segurar as lágrimas que ainda ameaçavam cair. "Mas por quê? Você é parte da nossa família, Jon."

Jon deu um sorriso triste, sentindo o peso da verdade que precisava compartilhar. "Eu sou, mas também não sou," ele disse, com um toque de amargura em sua voz. "Eu sou Jon Snow, o bastardo de Ned Stark. Não importa o quanto eu os ame, eu preciso encontrar um lugar para mim no mundo, um lugar onde eu possa fazer meu próprio nome."

Arya olhou para ele, a raiva dando lugar à tristeza. "Mas por que tem que ser tão longe? Por que não pode ficar e encontrar seu lugar aqui, conosco?"

Jon respirou fundo, buscando as palavras certas. "Porque eu preciso de algo mais, Arya. Eu preciso descobrir quem eu sou, longe das sombras de Winterfell. Eu preciso fazer algo que seja meu. E, para isso, eu preciso partir."

Arya finalmente deixou uma lágrima escapar, mas rapidamente a enxugou, recusando-se a mostrar fraqueza. Ela olhou para Jon com uma determinação que ele conhecia bem. "Então faça um nome para si, Jon Snow. Mas não se esqueça de quem você é... e de onde você veio."

Jon sorriu, tocando gentilmente o rosto de Arya. "Eu nunca me esquecerei, Arya. Você sempre estará comigo, onde quer que eu vá."

Jon viu as lágrimas de Arya finalmente se soltarem, correndo silenciosamente por suas bochechas. Com cuidado, ele usou o polegar para enxugar as lágrimas, oferecendo um sorriso suave para confortá-la.

"Venha comigo," ele disse, levantando-se e estendendo a mão para ela.

Arya, ainda lutando contra a tristeza, segurou a mão de Jon, e juntos caminharam até o quarto dele. Aquele espaço que, em breve, estaria vazio de todas as coisas que ele havia acumulado ao longo dos anos.

Chegando ao quarto, Jon se ajoelhou ao lado da cama e puxou debaixo dela um objeto coberto por um pano. Com cuidado, ele colocou o objeto sobre a cama e desenrolou o pano, revelando o punho lindamente trabalhado de uma espada. Arya observou, fascinada, enquanto Jon puxava a espada da bainha, revelando uma lâmina brilhante cujo fio era tão afiado e polido que refletia o rosto de Arya como um espelho.

Ela olhou admirada para a espada, seus olhos arregalados enquanto absorvia cada detalhe da arma. Era uma obra de arte, algo muito além do que ela esperava.

Jon sorriu ao ver a reação da irmã. "Eu planejava te dar esta espada no dia em que fosse embora," ele disse suavemente. "Mas já que você descobriu antes... Acho que posso te dar agora."

Arya olhou para ele, surpresa. "Você fez isso para mim?"

Jon assentiu. "Sim. Eu queria que você tivesse algo para lembrar de mim... e para te ajudar a se proteger, caso precise. Sei que você não é como as outras meninas, Arya. Você precisa de algo mais do que bordados e vestidos."

Jon observou a expressão de Arya enquanto ela admirava a espada, um sorriso suave se formando em seu rosto. "Grandes espadas precisam de um nome que corresponda com sua grandeza," disse ele, seu tom cheio de significado. "E a grandeza do espadachim que as usa também."

Arya, segurando a espada com ambas as mãos, olhou para a lâmina novamente. A espada era mais fina e leve do que as outras espadas de treinamento que ela havia visto, e, em sua mente, uma comparação surgiu. Sorrindo de lado, ela brincou: "Sansa pode ficar com suas agulhas... porque agora eu tenho a minha."

Ela olhou para Jon com uma expressão travessa, mas também cheia de carinho. "E eu vou chamá-la de Agulha."

Jon riu com afeto, compreendendo imediatamente a referência. "Agulha... um nome perfeito para você, Arya," ele disse, sabendo que a escolha do nome refletia a natureza astuta e independente de sua irmã. Era um nome simples, mas poderoso, assim como ela.

...

Arya segurou a espada com firmeza e, após um momento de admiração, olhou para Jon com um sorriso cheio de gratidão. "Obrigada, Jon," disse ela, sinceramente.

Jon riu, bagunçando o cabelo dela como costumava fazer. Arya soltou algumas risadas, sentindo-se um pouco mais leve. Ele sempre soube como fazê-la sorrir, mesmo em momentos difíceis.

"Mas você deve esconder essa espada," Jon aconselhou, seu tom ficando um pouco mais sério. "Se sua mãe encontrar, vai tomá-la de você."

Arya assentiu, os olhos brilhando com uma mistura de determinação e entusiasmo. "Eu vou cuidar dela, prometo."

Foi então que algo pareceu voltar à mente de Arya. Seu semblante mudou, lembrando-se do motivo pelo qual havia corrido até o campo de treinamento. "Ah, Jon... foi assim que descobri que você iria embora," ela começou, seu tom ligeiramente mais sombrio. "Pai me disse que hoje à noite haverá um jantar de despedida para você... todos os Stark estarão presentes."

Jon ficou em silêncio por um momento, processando a informação. Ele sabia que a despedida seria difícil, mas havia algo de reconfortante em saber que teria um último momento com todos reunidos.

...

A noite finalmente chegou, e Jon, após se preparar, dirigiu-se ao grande salão de jantar de Winterfell. Quando ele entrou, a atmosfera do salão pareceu mudar ligeiramente. Seus passos ecoavam suavosamente pelas pedras enquanto ele caminhava em direção à mesa onde todos já estavam reunidos.

Bran, Rickon e Sansa pareciam confusos com o motivo para um jantar tão suntuoso, suas expressões revelando curiosidade e incerteza. Eles olhavam ao redor, talvez esperando por alguma explicação que ainda não haviam recebido. Robb, por outro lado, estava sentado ao lado de Bran, e apesar de manter um sorriso, havia uma tristeza nos seus olhos. Ele sabia muito bem o motivo do jantar e estava lutando para manter a compostura.

Mais adiante, Lady Catelyn estava sentada em seu lugar habitual, mas desta vez havia algo diferente em sua expressão. Ela parecia mais relaxada, quase satisfeita. Jon percebeu de imediato que ela já sabia o motivo do jantar. Não havia dúvida de que Eddard a havia informado, e o alívio em seu rosto apenas confirmava o que ele já sabia—ela estava feliz por saber que ele iria embora, removendo de sua vista a mancha que acreditava que ele representava.

Jon não se incomodou com isso. Ele sempre soube que Catelyn não gostava dele, e há muito tempo deixara de se sentir triste por isso. Para ele, isso era apenas mais um detalhe de uma vida que ele estava prestes a deixar para trás.

Sem hesitar, Jon avançou e tomou seu lugar à mesa. Ele sentia o peso do olhar de todos sobre ele, mas manteve-se firme. Esta era sua despedida, o momento final antes de deixar para trás o lar que nunca foi totalmente seu.

Com todos reunidos à mesa, um silêncio pesado pairou no ar enquanto Eddard Stark se levantava, chamando a atenção de todos. Ele olhou ao redor da mesa, seus olhos passando por cada um de seus filhos, antes de finalmente pousarem em Jon. Havia uma mistura de tristeza e resignação em seu olhar, como se o peso do que estava por vir fosse um fardo difícil de carregar.

"Este jantar," começou Eddard, sua voz grave e solene, "é para marcar a partida de Jon. Amanhã, ele deixará Winterfell para buscar seu próprio caminho no mundo."

A revelação caiu como uma pedra na tranquilidade da noite. Bran e Rickon, que até então estavam alheios ao verdadeiro motivo do jantar, ficaram surpresos, seus rostos expressando uma tristeza que não conseguiam esconder. Para eles, a ideia de Jon partir era algo que nunca haviam considerado. A expressão de Rickon, especialmente, era de confusão, enquanto Bran parecia estar lutando para entender o porquê de Jon estar indo embora.

Sansa, por outro lado, permaneceu quieta, suas feições serenas, sem mostrar muita emoção. Ela tinha ouvido falar sobre a possibilidade da partida de Jon, e embora respeitasse seu meio-irmão, não compartilhava o mesmo vínculo profundo que os outros irmãos tinham com ele.

Eddard continuou, explicando que Jon sentia a necessidade de buscar seu próprio lugar no mundo, algo que ele compreendia, apesar de sua relutância em deixá-lo partir. "Ele vai partir em busca de algo que todos nós devemos respeitar: um nome e um lugar que sejam verdadeiramente seus."

O salão de jantar ficou em silêncio enquanto as palavras de Eddard pairavam no ar. Rickon olhava fixamente para o prato à sua frente, ainda tentando processar a notícia. Bran, embora um pouco mais velho, não conseguia esconder a tristeza em seus olhos, enquanto absorvia o que significava perder Jon, alguém que ele sempre admirara.

"Mas por que Jon precisa ir embora?" perguntou Bran, a voz hesitante e cheia de emoção. "Ele não pode ficar aqui conosco?"

Eddard suspirou, ciente do impacto que a partida de Jon teria sobre seus filhos mais novos. "Bran, Jon precisa encontrar seu próprio caminho," explicou ele com paciência. "Ele é forte e corajoso, e acredito que ele fará grandes coisas. Mas para isso, ele precisa descobrir quem ele realmente é, além de Winterfell."

Rickon, ainda muito jovem para compreender completamente, olhou para Jon com uma expressão de desamparo. "Você vai voltar, Jon?"

Jon sentiu o peso da pergunta, sabendo que não podia prometer nada. Ele olhou para Rickon e sorriu, tentando oferecer algum conforto. "Eu não sei quando ou se voltarei, Rickon, mas sempre pensarei em vocês. Eu prometo."

Sansa, sentada elegantemente em seu lugar, mantinha uma expressão neutra. Ela não gostava de Jon, e essa antipatia, influenciada por sua mãe, Lady Catelyn, impedia que ela sentisse qualquer tristeza pela partida dele. Para Sansa, a saída de Jon era algo que não alteraria sua vida em Winterfell; na verdade, ela via isso quase como um alívio, embora não o expressasse abertamente.

O jantar continuou com uma atmosfera melancólica. Enquanto os pratos eram servidos e os copos enchidos, o sentimento de despedida se intensificava. Cada um dos presentes sabia que aquela era a última vez que estariam juntos assim, como uma família—mesmo que Jon nunca tivesse sido verdadeiramente aceito como tal por todos.

...

O sol acabava de despontar no horizonte, lançando seus primeiros raios sobre Winterfell, quando Jon terminou de preparar seu cavalo para a longa jornada à sua frente. Ghost, ainda pequeno demais para acompanhar Jon por conta própria, foi cuidadosamente acomodado em um compartimento na sela, protegido do frio que ainda pairava no ar da manhã.

Jon deu um último olhar para o castelo, respirando fundo antes de se virar. Ali, em frente à entrada principal, os Stark estavam reunidos, observando em silêncio enquanto ele se preparava para partir.

Bran, Rickon, e Arya estavam visivelmente tristes, incapazes de esconder o pesar em seus rostos. Sansa, por outro lado, mantinha-se impassível, sem mostrar qualquer emoção. Ela estava ali por dever, mas sua expressão era de indiferença.

Ned estava ao lado deles, tentando manter um rosto sério e firme, mas Jon podia ver a tristeza oculta em seus olhos. Saber que seu pai se importava com ele fez um calor reconfortante crescer no coração de Jon. Lady Stark, no entanto, estava visivelmente contente, como se mal pudesse esperar para que ele fosse embora de vez. Sua expressão deixava claro que, para ela, a partida de Jon era uma libertação.

Não muito longe, Theon observava a cena, ainda com uma mistura de cautela e temor em seu olhar, resquícios de sua última interação com Jon. Mesmo assim, havia uma satisfação visível em sua postura, quase como se estivesse aliviado com a partida do bastardo.

Jon caminhou em direção à sua família, ciente de que esse seria o último momento que teria com eles por um longo tempo. Ele começou a se despedir, dando um abraço firme em Robb, sentindo a tensão entre eles se dissipar em uma demonstração final de afeto. Ele bagunçou os cabelos de Arya, Bran e Rickon, como fazia desde que eram pequenos, arrancando sorrisos e risadas tristes.

Quando chegou a vez de Ned e Lady Stark, Jon manteve uma postura respeitosa, se despedindo solenemente. Ned colocou uma mão em seu ombro, o aperto firme, mas cheio de sentimento. "Tome cuidado, Jon," disse ele, a voz grave. "Winterfell sempre será sua casa."

Jon assentiu, sabendo que essas palavras significavam mais do que ele poderia expressar. Ele prendeu sua espada no cavalo e, com um último olhar para sua família, montou. Sem mais palavras, Jon fez seu cavalo trotar em direção ao portão de Winterfell, saindo para o mundo além das muralhas que o haviam abrigado, com o sol nascendo sobre suas costas, sem olhar para trás.