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Demon Cafe

Demon Cafe conta a história de Lívia, uma jovem que decide abrir um café que só funciona das seis da tarde às seis da manhã. O problema começa quando ela descobre que os seus clientes não são exatamente o que ela esperava.

Raul_Dullius · Urban
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15 Chs

O Contrato

Se eu tivesse que fazer uma lista de coisas que me fazem odiar Galantyr, ser abandonada por ele na mansão de Elifas não estaria nem entre as primeiras. Ainda assim, não posso dizer que estava feliz enquanto tomava uma dúzia de pontos no pronto-socorro. Pelo menos a enfermeira fez a gentileza de me dar uma injeção mágica, e em questão de minutos eu já não sentia quase nada.

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Peguei um Uber pra casa e só tive forças para ligar pra Tati antes de cair no sono. Ela estava morrendo de preocupação, mas ficou feliz em saber que eu estava bem e me disse que chamaria alguém pra cuidar dos estragos no banheiro. Assim que desliguei o telefone, me estiquei na cama e meu corpo desligou também.

Acordei com o sol entrando pela janela. Peguei meu celular e descobri que havia dormido um dia inteiro. Minha perna doía enquanto eu tirava o curativo, me preparando para um banho. Não era um costume meu sair de casa antes do meio-dia, mas precisava dar uma olhada na situação do Café.

Os demônios se assustaram quando abri a porta. A maioria ficava por lá o tempo todo, embora alguns saíssem quando aparecia um "trabalho". Pólux se colocou entre mim e Galantyr, que estava parado em seu lugar de costume.

— O que você fez com ele, Lili? O vermelhão chegou furioso ontem!

Ele queria saber o que eu fiz! Até pensei em parar e explicar para ele tudo o que havia acontecido (e eu sabia que ele queria muito descobrir), mas lembrei que não devia satisfação nenhuma ao diabinho. E quem tinha dito que ele podia me chamar de Lili? Passei por ele e me coloquei na frente de Galantyr.

— Ok, como vamos nos preparar para a chegada de Davi?

Os olhos vermelhos de Galantyr se fixaram em mim, mas ele não disse nada.

— Você vai me ajudar ou não?

— NÃO.

Não consegui evitar de colocar as mãos sobre o rosto quando ele falou. A voz soava ainda mais alta do que de costume.

— Pode falar um pouco mais baixo?

— NÃO.

Lembrei da noite em que Davi esteve no Café, das palavras que usei para negociar com Galantyr.

— Eu quero que você me ajude!

A expectativa pairou no ar por alguns segundos, até que ele respondeu:

— NÃO.

Podia sentir meu rosto ficando vermelho, os punhos se fechando por instinto. Ele estava me dando nos nervos.

— Fala o que você quer duma vez, caralho!

Eu estava fervendo de raiva, mas pude sentir meu corpo todo ficando frio à medida em que os segundos se passavam em silêncio, e as enormes presas de Galantyr foram se abrindo em um sorriso. Em um sussurro, ele disse:

— Tem uma loja no centro da cidade chamada Asas de ísis. Lá você encontrará uma mulher chamada Lorena. Ela tem o meu contrato. Traga-o para mim, e eu irei te ajudar.

Me recompus rápido, pois não queria dar aquele gostinho para Galantyr. Respondi:

— E ela simplesmente vai me dar esse seu contrato, se eu pedir?

Ele não disse mais nada, mas aquele sorriso terrível permaneceu em seu rosto. Antes de sair, dei uma conferida no banheiro. A maior parte da bagunça havia sido varrida para fora, mas fitas interditavam a porta. Pensei em Tatiana, e em como aquilo tudo deveria estar sendo trabalhoso para ela. Não gostaria de deixar ela cuidando do Café sozinha por mais um dia. Chamei o Pólux.

— Chamou? — ele disse, com aquela voz que o deixava parecido demais com uma gralha debochada.

— Quando a Tati chegar, eu quero que você ajude ela. Sirva os demônios até a hora de fechar, e você pode tomar café de graça.

Pólux não gostou muito da ideia de servir outros demônios, e acho que também não fazia questão de pagar o próprio café. Mesmo assim, por motivos que eu não descobriria tão cedo, topou o serviço.

Deixei o Maps me guiar até uma ruazinha onde encontrei a loja. Ficava em uma subida, espremida entre um sebo de discos antigos e uma loja de bijuteria. Entrei e fui recebida por uma sensação esquisita que me roçava as pernas. Me agachei e fiz carinho no gato, a barriga rosa e gorducha virada para cima e os olhos fechados de prazer com a coçada. Me levantei e dei de cara com uma mulher me encarando do outro lado do balcão. Devia ter uns 40 e poucos anos, o cabelo curto era bem preto, e a expressão por trás dos óculos era severa, mas tranquila.

— Pra ti?

— Oi, boa tarde... A senhora seria a Lorena?

A mulher ergueu as sobrancelhas e trincou os dentes em um sorriso, as mãos apoiadas na cintura enquanto fitava o chão. Me lembrava alguém que havia sido pego fazendo algo que não devia.

— Eu mesma. O que seria?

— Galantyr me pediu para pegar algo com você.

Pensei que ela fosse ficar ao menos surpresa com a menção do demônio, mas ela apenas fez um sinal positivo com a cabeça, soltando um silencioso "bei" no processo.

Ela me pediu para segui-la até o fundo da loja. Passamos pelas caixinhas de incenso organizadas em um suporte de parede e mesas cheias de pedrinhas coloridas, enquanto que uma centena de olhos estáticos de gnomos, deuses e outras entidades esculpidas em materiais diversos me fitavam. Não pude deixar de notar como o cheiro no ambiente era gostoso.

A mulher abriu uma porta nos fundos e me pediu para entrar. Me apontou uma cadeira e se sentou do outro lado da mesa de escritório, com as mãos ao alcance de um arquivo de aço. Ela abriu uma gaveta do arquivo e começou a passar o dedo pelas pastas.

— Nunca pensei que alguém fosse aparecer procurando o contrato do Galantyr. Na real, fico até feliz em me livrar desse aí.

Lorena pegou uma pastinha do arquivo e a colocou sobre a mesa. Abriu o documento e virou ele para que eu pudesse ver. Sinceramente não sei o que eu estava esperando, algum tipo de papiro ou algo assim. Talvez uma página cheia de símbolos assustadores. Mas o contrato que estava à minha frente agora não era muito diferente de um cadastro, tipo o que eu havia preenchido ao chegar no hospital após ser atacada por um demônio. A única coisa que chamava atenção era a assinatura do contratado, uma sequência do que eu imaginava serem letras, mas que para mim não faziam nenhum sentido.

— Prontinho — ela disse, sorrindo para mim.

— Certo... É só levar?

— Isso, só pagar e levar.

— Desculpa, moça — eu disse, meio sem jeito — mas eu perguntei pro... Eu perguntei como que eu deveria pagar por isso, e ninguém me disse nada.

— Ah, mas eu acho que ele já sabia disso. Não foi por isso que Galantyr te mandou?

Lorena enfiou a mão em uma gaveta da sua mesa, e tirou de lá uma embalagem contendo uma ampola e uma agulha. Acho que ela reparou na forma como olhei para os objetos, porque em seguida ela disse:

— Pode ficar tranquila. É só pra tirar um pouquinho de sangue, não vai nem dar tontura.

— Opa, dona! — me levantei, quase derrubando a cadeira — As pessoas pagam essas coisas com sangue? É bloodborne, agora?!

Enquanto abria as embalagens e montava a seringa, Lorena respondeu:

— Não é todo mundo que pode pagar assim. Mas é que dá pra conseguir um precinho especial no seu sangue.

Eu não entendi foi nada. Tem um monte de gente aí na rua que é A negativo. Tentei explicar isso pra Lorena, mas ela só estreitou os olhos na minha direção, como se eu estivesse tentando passar ela pra trás ou algo assim.

— O que você vai fazer com isso? — perguntei.

Novamente, ela disse que eu não precisava me preocupar. Que assim que o sangue estivesse na seringa e fora de mim, eu não teria mais nada a ver com isso. E eu sei muito bem o que você deve estar pensando agora: que a coisa foi longe demais, que eu devia agradecer, levantar e ir embora. Mas tente ver as coisas pelo meu lado. Há pouco menos de um mês eu havia passado de estudante desempregada a dona de um Café cheio de demônios. Não faziam dois dias que eu havia sido atacada por um deles em pleno expediente, e agora um milionário bizarro havia me alugado para impedir que uma tragédia acontecesse. Eu não podia simplesmente fingir que não estava envolvida naquilo até o pescoço, mas também não seria capaz de lidar com a situação sem ajuda. Por isso, eu fiz a única coisa que poderia fazer. Eu disse:

— Beleza, então.

Assim, no começo da tarde eu estava voltando a pé para o meu Café, agora com uma sacolinha da loja Asas de ísis contendo um contrato de um demônio, um algodãozinho no braço e mais um motivo para odiar Galantyr. Eu ainda não sabia, mas aquela lista estava prestes a se tornar muito maior.