Como Joseph havia me dito, Lin aparece naquele mesmo dia em meu quarto, um pouco antes do sol sumir por completo por trás do horizonte. Estava pronto para tirar qualquer uma de minhas dúvidas, e eu, percebendo essa disposição dele, não me restringi.
Perguntei tudo que tinha para perguntar, e ele respondia da forma mais completa que conseguia, tendo o cuidado de não deixar nenhum pequeno detalhe passar. Com isso, pude descobrir que esse mundo não era nem um pouco parecido com o meu.
Como em meu universo, aqui as pessoas também eram divididas em homens e mulheres, mas aí que vem a diferença: além desses gêneros, cada homem e mulher tinha ainda um segundo gênero para se rotular. Os subgêneros.
E então ele começa a me apresentá-los:
Alfa, o subgênero que pertenço. Considerado a elite dos subgêneros, nesse mundo apenas nascer Alfa já lhe dá privilégios. Um Alfa por natureza tinha o poder de oprimir e controlar pela força física e hormonal. Sim, aparentemente nesse mundo hormônios e cheiro são bem importantes.
Mas tenho que admitir, não entendi muito bem ainda essa parte. Parece até meio engraçado na minha cabeça. Não passam de gambás humanóides então? O mais fedorento vence? Bom, enfim.
Há ainda um segundo subgênero: Ômega. Ao qual pertencem Joseph e o próprio Lin. Um subgênero nobre, é o subgênero fértil. Capaz de gerar crianças e muito respeitado por isso. Também possuem um gigantesco poder hormonal, até mais significativo que os alfas, apesar de não serem tão fortes fisicamente quanto eles.
Admito que estava achando aquilo tudo bem engraçado. É como se as pessoas fossem separadas da mesma forma que matilhas de lobos. Esse negócio de alfa, ômega... só ficou faltando um subgênero beta, para completar. Com isso em mente, acabo não resistindo e faço uma piada:
"Só falta você dizer que tem o subgênero beta também"
E rio. Rio sozinho.
Assim que percebi, parei. Lin estava tão sério que me constrangeu. O que tem de errado com esse povo? Numa tentativa de abrandar as coisas, pigarreei sem graça e pedi que continuasse. E como se nada tivesse acontecido, ele começou a tagarelar sobre a estrutura do castelo, mencionando quantos cômodos haviam e para que cada um servia.
Também menciona a respeito da hora das refeições, e quando era mais bonito andar pelo extenso jardim. Além de muitas outras coisas que não vou me alongar aqui, mas ficamos horas conversando naquele dia.
Muitos outros dias se passaram depois daquele, e em nenhum deles eu vi Joseph de novo. Aos poucos fui me recuperando, e as pernas ganhando força. Assim que consegui caminhar relativamente bem, permiti-me explorar a minha nova casa.
"Não acho que isso seja uma boa ideia, mestre. Você acabou de se recuperar" Alerta Lin.
"Eu estou bem, Lin. Sair um pouco desse quarto até me fará bem!"
Ficar nesse quarto escuro o tempo todo já estava começando a me deprimir.
"Mas... pelo menos bote isso!" Vem ele com uma manta grossa e peluda. "Está muito frio e nevando."
Não me opus a isso. Lin estava certo, assim que abrisse a porta e saísse do conforto da lareira do quarto sentiria o drama. Só de olhar a janela já pude imaginar o frio. A neve caía aos montes sobre as cercas vivas do jardim, em delicados e fofos flocos.
Vesti a manta e saímos. Assim que comecei a caminhar pelos imensos corredores, me senti num filme de fantasia. Tudo parecia surreal. Bibliotecas, Salas, Sala de jantar, Salão de festas... tem absolutamente tudo nesse lugar, que mesmo tão deslumbrante é bem deprimente. Tudo é escuro e triste no castelo. Talvez por ser grande demais, e com tão poucas pessoas a vista.
"Lin, além de mim, quantas pessoas moram aqui?" Não pude deixar de ficar curioso.
"Apenas mestre Joseph e seu irmão..."
Irmão?! Finalmente vou saber um pouco de Alexander! Eu não podia estar mais animado.
"O jovem mestre Julian"
Um silêncio constrangedor se opunha entre nós dois. Julian? Quem raios é esse tal de Julian?! E Alexander! Mesmo que ansioso, inibo meu nervosismo para responder.
"Não tenho mais irmãos?" Cogitei a possibilidade como quem não quer nada. Como eu havia perdido minhas memórias, Lin não estranhou a pergunta.
"Não, são apenas você e Julian."
Levanto uma das sobrancelhas. Estranho...
Conforme andávamos, dou-me com uma janela, na qual ponho os dedos no peitoril apreciando a vista do jardim coberto de neve. Folhas verdes cinzenta, quase invisíveis de tão soterradas, dos arbustos e arvores lutam para pegar os escassos raios de sol.
Um tempo de hesitação, e decido ser direto:
"Lin. Por acaso já ouviu falar no nome Alexander Whitehouse?"
"Hm? Nunca ouvi falar, mestre... é algum parente distante da família?"
"Também gostaria de saber."
Talvez seja melhor eu desistir por enquanto... Fico um tempo apenas a observar a natureza.
"Podemos ir lá fora, no jardim?" Compartilho minha vontade com Lin.
"Temo que Anastácio não concordaria"
Que tanta preocupação é essa! O que um pouco de ar gelado pode fazer de tão mal, afinal?!
"Ah vamos! Só um pouquinho não fará mal!" E Sebastian corre como uma criança pelos corredores, sem nem permitir tempo para mais uma vez Lin contestar. As roupas longas se esvoaçam com o movimento brusco de seu corpo, e os pés dançam no corredor de mármore.
O rosto branco com as maçãs levemente avermelhadas; os olhos brilhantes e cativantes. Fazia muito tempo que Sebastian não se sentia assim. Livre para correr, para explorar. Vivo.
Ri e se diverte ao ver Lin atrás de si, escandaloso em protesto às ações irresponsáveis de seu mestre. Sebastian passa por uma porta depois de diversas outras e tem seus pés na neve fofa pela primeira vez. Sente as baforadas de ar frio, os flocos de neve caindo sobre o rosto, roupas e cabelo.
Mal consegue lembrar da última vez que sentiu tanto prazer em estar vivo. Sem camas de hospital, remédios e dores. Lin demora para chegar.
"Mestre, é melhor voltar pra d-"
Antes mesmo que pudesse terminar de falar, é surpreendido com uma bola de neve na cara.
"Mestre... o que é isso?"
Sebastian ri docemente.
"Guerra de bola de neve, Lin! Dúvido me vencer!"
"Mestre, mas sua cond-"
Mas uma bola branca acerta-o, dessa vez bem na testa, escorregando comicamente por seu rosto até ser puxada para o chão pela gravidade. Mais uma vez, Sebastian explode em gargalhadas.
Vendo a felicidade de seu mestre, antes sempre melancólico, Lin não pôde deixar de sorrir também. Se dando por derrotado, põe as mãos na neve, fazendo sua própria bola a maior que pôde.
"Está brincando com fogo me desafiando assim, mestre. Fique sabendo que nunca perdi numa guerra de bola de neve."
"Se eu fosse você, Lin, não ficaria tão confiante... pois garanto que farei dessa sua primeira derrota!"
Os dois são como duas crianças brincando na neve. A inocência e o prazer de desligar-se de tudo, e focar apenas na felicidade de um momento pontual. Experiências assim são muitos difíceis conforme o peso das responsabilidades vão crescendo sobre os ombros. E exatamente por isso Sebastian aproveitou cada segundo ali.
Nenhum dos dois percebeu, mas numa janela bem no alto alguém observa-os em silêncio. Os cabelos prateados iguais aos de Sebastian, assim como os belos olhos azuis. A expressão de choque é evidente.
" Aquele é mesmo meu irmão?"
É Julian Whitehouse, prestes a duvidar da própria sanidade. É difícil para ele acreditar que aquela cena na neve estava realmente acontecendo, e não se tratava de uma alucinação. Estaria ele dormindo tão mal por esses dias que começou a ver coisas? Prometeu a si mesmo que, naquela mesma noite, faria o possível e impossível para ter uma boa noite de sono.