Depois da confusão, não foi difícil descobrir quem detinha a maior autoridade ali. O homem de olhos vermelhos pede a todos que se retirem, incluindo o médico. Isso acaba me despertando ainda mais curiosidade quanto a sua identidade.
Assim que a porta é fechada e o silêncio se enraíza no quarto, o sorriso e o semblante adorável vão embora junto ao som reconfortante de gente. Quase pude imaginar uma máscara discreta deslizando por seu belo rosto até se encontrar com o chão frio de mármore. Choca-se com ele, mas não há barulho.
"Está fingindo, não está?"
O seu olhar frio rouba a minha atenção, e as suas palavras duras e absurdas são como alfinetadas de incongruência. O sentimento de injustiça começa a atormentar o meu inconsciente.
"Com-"
"Pare com isso. Você pode até enganar aos outros, mas não a mim. Te conheço há muito tempo, mais do que gostaria, para me deixar enganar por algo tão ridículo"
Nos conhecemos há muito tempo? Somos parentes, então? Talvez irmãos? Por enquanto, acabo não dando o devido peso às palavras dele e, sem perceber, as ignoro totalmente. A vontade de, de alguma forma, convencer ele da minha inocência era maior que qualquer outra coisa naquele momento.
"Mas eu não estou mentindo, eu realmente não lembro de nada!"
Ele me olha bem nos olhos, por segundos que parecem eternos, como se tentando perceber qualquer vestígio de falsidade neles. Um tanto surpreso, ele admite para si mesmo: as feições daquele homem, que tanto odiou por todos os anos que tiveram de união, pela primeira vez pareciam querer, desesperadamente, expressar-lhe honestidade. O sentimento verdadeiro.
"Consegue lembrar seu nome?" Ele pergunta.
"Não... não consigo"
De repente, uma fisgada em minhas memórias.
" Espera! Consigo me lembrar de um nome..." mesmo sabendo que o nome não poderia ser dele, não custava nada tentarnarrancar alguma coisa com a informação. E foi isso que levou Sebastian a compartilhar. "Alexander Whitehouse... eu me lembro desse nome."
Apenas com o Alexander, já percebo seu rosto contrair-se por algum forte sentimento. Raiva? Repulsa? Não consegui individualizar muito bem, mas quase fui tomado por arrepenimento. Será que eu nãodeveria ter falado isso?
"O que foi? Não é como me chamo?" Disfarço, mesmo já sabendo a resposta. A mensagem, que apareceu quando eu ainda estava morto, dizia claramente para ajudar a pessoa com esse nome. Ela não poderia estar falando de eu próprio me ajudar, certo? A hipotese fica ainda mais improvável ao recordar da fisionomia infantil do rosto, que aparentava ser de uma criança entorno dos 10 anos de idade. De forma alguma eu poderia ser Alexander.
"Não. Não é você."
Como esperado, mas qual a necessidade de toda essa frieza? Só fiz uma pergunta!
"Se não sou eu, então quem é Alexander?" Talvez com a resposta eu poça juntar as peças do quebra-cabeça...
"Não importa."
"..."
Mas é justamente o que eu quero saber! Qual a dificuldade de simplesmente abrir o bico e responder?! Mesmo enraivecido, faço o possível para não demonstrar, e respondo simplesmente:
"Para mim importa." Minha afirmação irrita-o ainda mais. Claramente tentando manter o autocontrole, talvez por eu ainda estar acamado, Joseph se vira de costas para mim numa tentativa clara e rude de encerrar o assunto ali.
"Seu nome é Sebastian, Sebastian Whitehouse"
Whitehouse?!
"Espera! Esse Alexander, então... por acaso somos 'família'?"
Tento insistir, mas ele não responde. Vejo seus punhos apertarem-se, enquanto os braços estão soltos, um de cada lado do seu tronco magro.
"Me responda, por favor! Eu e ele temos o mesmo sobrenome, então..."
"E o que isso tem de tão especial? Eu e você também compartilhamos o mesmo sobrenome, e não somos 'família'"
Choco-me com a informação. Mais do que deveria, pois entendi muito bem o que ele quis dizer. Na minha vida passada, nunca havia conseguido ter laços fortes com minha família de sangue.
"Aposto que Alexander, por acaso ainda for vivo, não pensa muito diferente de mim."
Sinto meu corpo enrrijecer, e meus membros entorpecerem uj tanto trêmulos.
"Espera, o que você quer dizer com isso?! Quem é você?!" Levanto o rosto para questionar. As costas dele me parecem maiores e mais largas do que antes, e ainda mais inalcançáveis. Virando-se num pulo, ao olhar para mim é como se visse um inseto asqueroso, uma barata inconveniente que mal poderia esperar para pisotear. Seu visível ódio faz meu coração apertar.
"Chamo-me Joseph. E é bom não esquecer mais meu nome. Isso se não estiver inventando essa amnésia só para causar problemas."
"Tá bom Joseph, mas o que você quis dizer sobre Alexander?" Por favor, me de pelo menos essa migalha de simpatia.
"Assim que Lin se recuperar, ele virá te ver e explicará como as coisas funcionam por aqui"
Para o minha frustração, Joseph não estava disposto a ceder.
"Nossa conversa acaba aqui... meu querido marido..." As últimas palavras saem, para Joseph, com o peso de um palavrão muito mal colocado. A amargura é tão evidente que dói os ouvidos de qualquer um. Mas só de ver o meu rosto mudar drasticamente, pra ele foi um deleite. Enquanto para mim, essas mesmas palavras são balas de tiro no peito.
A minha cabeça quase embranquece por completo e a racionalidade permanece por um ínfimo fio, esse suficiente para o ar fazer sussurros escaparem da minha boca.
"Marido? Como... marido...eu..? Você...?"
Logo eu, que nem um bom beijo de língua sei dar direito, renasci num homem casado?! E pior de tudo, num casamento onde aparentemente um odeia o outro?! Quando escapo da confusão dentro de mim, Joseph já está com a mão na maçaneta, prestes a sair. E eu, perdido e inconsequente de minhas ações, grito e ordeno, tento me levantar da cama apenas para cair no chão, incapaz de me erguer sozinho. Mesmo assim, Joseph nem se dá ao trabalho de olhar para mim. Abre a porta, dá as ordens aos empregados, que prontamente me ajudam, e some na imensidão dos corredores.
Joseph Whitehouse. Pergunto-me, o que fiz para ser merecedor de tanto ódio seu? Ou melhor, o que fez Sebastian Whitehouse, antes de eu ser ele? Com a ajuda de outros, fui posto de volta na cama. Aconchegado nos lençóis e cobertas. Eles saem em seguida, deixando-me acompanhado pelas minhas dúvidas. Mesmo assim, tudo o que eu podia fazer era esperar. Em algum momento, acredito eu, as respostas terão que aparecer.