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Capítulo 2

Uma fogueira crepitava a uma boa distância da dupla. Caminharam pouco mais de uma hora antes de acharem o acampamento dos sequestradores. A dupla estava sentada no meio da vegetação alta, vendo somente relances do fogo e as sombras dos homens. 

Gabriel percebeu que sua companheira realmente acertara a quantidade: oito homens armados com nada mais que facas e pedaços de ferro. Pelo menos, de onde estavam, não era possível ver nenhuma arma de fogo. Mesmo proibidas, ainda assim, aquele tipo de pessoa as conseguia. 

Dois caminhões pequenos estavam estacionados um de frente à porta do outro. Era possível ver os vultos das pessoas presas na caçamba de um. Já o outro tinha a carga escondida sob um pano. Os sons das conversas e risos dos homens quase abafavam por completo o choro das vítimas, que pelo que Gabriel percebeu, estava abafado. Muito provável que boa parte estava amordaçada. 

— Realmente são oito – sussurrou Naomi. – Acho que já podemos começar. 

— Sim, vou para esquerda. Está vendo aquela moita? – indagou o rapaz apontando para um arbusto denso, próximo de uma das cabines dos veículos. Vendo a companheira concordar, ele continua: – Vou me esgueirar até lá, assim que chegar, vou te mandar um sinal. 

— Entendo, vou me aproximar da fogueira então. – Naomi deduziu de imediato. 

Mesmo de longe, era possível ver a separação no acampamento. Dois homens faziam a guarda; um deles, perto de onde Gabriel falou que iria e o outro a poucos metros do primeiro. Já o resto se encontrava sentado em volta da fogueira. 

Sentindo as mãos suarem um pouco, Gabriel as esfregou na grama ao seu lado, o que fez o anel o anel de seu indicador grudar em uma folha. Olhou para o objeto negro feito de ônix, semelhante ao de Naomi, mas voltou a atenção aos alvos. 

Com uma troca rápida de olhares, o rapaz começa a se mover. No início foi bem fácil se aproximar, usando a vegetação e troncos, indo de um para o outro sem dificuldades. Assim que ficou nítida a visão das pessoas presas nas caçambas, o rapaz foi para trás de um tronco e se deitou de barriga no chão. 

Olhou para a carga, que era composta praticamente de mulheres e crianças. Provavelmente serão mandadas para algum prostíbulo, pensou Gabriel enquanto se arrastava sem fazer barulho, na vegetação. 

Sentia pedaços de madeira e eventuais pedras cutucarem seu peito ou barriga, mas não se importava, escutava as conversas dos homens cada vez mais altas, mas a concentração ao que fazia, tornava as palavras apenas sons para ele. Por fim, conseguiu chegar onde desejava. 

Analisando um dos homens que estava mais perto, Gabriel se levantou lentamente até ficar de joelhos. Sem tirar os olhos do alvo, o rapaz levou uma das mãos até uma das facas presas à sua canela esquerda, retirando-a. 

Lembrando o que Naomi disse sobre os homens serem descuidados, ele somente esperou que o alvo se virasse para prestar atenção em algo, e quando aconteceu, usando a faca em suas mãos, Gabriel sinalizou a companheira, fez com que a luz da fogueira reluzisse por um momento na lâmina, na direção de onde viera. 

Sem perder tempo, voltou para o sequestrador mais próximo e o escutou falar com outro. 

— Parece que desta vez vamos ter uma boa quantidade de moedas. 

— Ainda mais com o extra – respondeu outro. 

Chacoalhando alguns dos galhos da moita, Gabriel conseguiu a atenção do homem mais próximo, que por sua vez se virou na mesma hora. 

— O que foi isso? 

— Oi? – indagou o outro. 

— Não viu? – Vendo o olhar confuso do companheiro, ele continua: – A grama se mexeu. 

— Estamos no meio da mata, deve ser algum animal, talvez um ninho de alguma ave. 

A ideia de encontrar ovos brilhou nos olhos do homem mais próximo, que voltou a atenção na mesma hora para onde Gabriel estava escondido. 

— Ovos cozidos seriam uma boa – disse enquanto se virava para o companheiro. 

— Fique à vontade – respondeu, por fim, o homem mais distante, virando-se para a carga que levavam. 

Gabriel, com fluidez, retirou sua faca comum presa à perna e, segurando uma lâmina em cada mão, aguardou. Avistou o alvo vindo despreocupado em sua direção, e quando este estava a menos de um metro, curvando-se para abrir a moita, Gabriel agiu. 

Com um movimento brusco, ele se jogou contra o homem e estocou a faca entre as costelas dele, mirando o coração. Aconteceu tudo tão rápido que o homem não entendeu nada, muito menos o que havia acertado seu peito, morrendo no mesmo momento em que seu coração foi dilacerado. 

O cadáver tombou contra Gabriel, que aceitou todo o peso, junto do jato quente que borrifou contra seu rosto por conta do golpe infligido. Lentamente, o assassino adentra seu covil, fazendo parecer que o corpo procurava os ovos que lhe custaram a vida. E aguardou. 

— Ei! – chamou o outro sequestrador que não estava muito longe. – O que achou aí? 

Vendo que não teve respostas, ele se encaminhou, perguntando novamente: 

— Realmente tinha algo aí? 

Gabriel agiu num piscar de olhos, deixou o cadáver cair ainda com a faca cravada no peito, e com um único movimento de arremesso, fez sua lâmina cruzar o espaço entre eles num instante. A lâmina afundou profundamente no olho do homem, chegando até o cérebro. 

Com movimentos ágeis, o rapaz conseguiu pegar o corpo da nova vítima, que caiu dando espasmos pelo dano causado no cérebro. Gabriel colocou o joelho contra a garganta do moribundo e o enforcou até o corpo ficar inerte. 

Retirando a arma do olho da vítima, limpou o sangue e os fluidos do olho na camisa do morto e fez o mesmo com a faca. Já foram dois, ainda faltam seis, pensou. 

Deixando os dois corpos sem vida no chão, ele voltou a se aproximar em direção à fogueira. Mantendo-se abaixado, Gabriel começou a procurar novos locais para se esconder, mas a luz da fogueira diminuiu em muito as possibilidades, sobrando, literalmente, uma: ir por baixo do veículo onde as vítimas pareciam estar, em sua maioria, adormecidas. 

Ele guardou a faca novamente no protetor em sua perna mantendo em mãos somente a de arremesso e se esgueirou o mais silenciosamente possível na lateral do veículo. O ruído de algo veio em sua direção. Vários dos cativos se chocaram contra as grades quando o viram, fazendo sons desesperados como se pedissem ajuda. Não demorou para boa parte deles estarem contra a jaula implorando para sua soltura. 

Gabriel sentiu a boca secar. Virou-se no mesmo instante para a fogueira onde viu os seis homens se dirigirem em direção ao som. Foi visto, e, por instinto, levou a mão livre para a bolsa presa ao cinto, pegando uma das esferas de vidro com pólvora dentro. Arremessou-a em direção à fogueira ao mesmo tempo que lançou a faca diretamente à garganta de um sequestrador próximo. Enquanto a lâmina penetrou o esôfago do homem, a esfera atingiu as chamas, fazendo uma rápida explosão, não o suficiente para matar, mas, sim, deixar todos desnorteados. 

Ainda com a vista meio ruim pelo clarão repentino, o rapaz viu que sua companheira avançou: do peito de um dos alvos, a ponta negra da katana de Naomi brotou junto a um borrifo de sangue. 

O homem teve uma morte rápida e seus companheiros, ainda desnorteados, se viraram para ele. Naomi puxou a lâmina e rodou seu corpo esguio, e por onde a arma passava, fazia um arco de sangue no ar. Seu movimento foi calculado, pois quando terminou o círculo, a garganta de outro fora rasgada, sobrando três. A assassina avançou para o próximo, que diferente dos dois primeiros, tentou pegar sua faca, mas não foi rápido o suficiente. Com uma estocada firme, Naomi perfurou a carne acima do interno, fazendo com que a katana transpassasse o corpo da nova vítima. 

Chutando o peito do homem que caiu se esvaindo em sangue, Naomi desprendeu a lâmina a tempo de se abaixar e desviar de um cano que tinha como destino sua cabeça. Sentiu no rosto o ar causado pelo golpe e se chocou contra o agressor, cravando a katana profundamente no estômago do rival. 

Ela se vira para o último, a tempo de ver Gabriel pegando-o de surpresa. Colocando a mão sobre a boca do homem, o rapaz levanta a cabeça dele um pouco e desliza a lâmina pelo pescoço, que rompe em uma cascata vermelha por um momento. 

Ambos ficaram parados no meio dos corpos. Somente um ainda resistia: o que fora atingido na garganta durante a explosão na fogueira. Mas não tardou a se juntar aos outros. 

— Uau! – exclamou Gabriel. – Nunca canso de te ver trabalhar. 

Naomi, com a cara fechada, somente olhou para o rapaz, sacudindo a lâmina e fazendo o excesso de sangue respingar no chão. 

— Vamos libertá-los logo – disse para o rapaz enquanto se dirigia à jaula. 

— Sim, mas vocês bem que poderiam ter colaborado, né? – disse Gabriel aos sequestrados que se debatiam ainda em desespero. – Nossa vida teria sido mais fácil. 

Mas o som dos cativos só aumentava, fazendo com que ambos ficassem sobressaltados. 

— Tem alguma coisa errada – murmurou Naomi. 

O som de algo sendo destrancado fez a dupla virar-se junto, a tempo de ver outro homem abrindo a jaula escondida sob o pano. 

— Vocês vão morrer aqui!! – gritou o homem sobrevivente, de forma frenética, e antes de poder falar qualquer coisa a mais, o ferro da porta da jaula se abriu de supetão esmagando seu tórax e arremessando-o dois metros para trás. 

Todo o veículo rangeu quando uma grande cabeça com longos pelos negros e escamas apareceu. Era um corpo com dois metros e meio, com uma cauda de mesmo tamanho. Um grande urso se põe sobre as patas traseiras enquanto as escamas em volta de seu pescoço se abrem formando uma coroa igual a das cobras najas. Pelo corpo do animal, escamas cresciam em diversos locais, cobrindo totalmente as patas traseiras e o rabo reptiliano. Um urro de gelar o estômago saiu da boca cheia de dentes desproporcionais da criatura, junto de uma saliva que ao respingar no chão, soltava fumaça deixando claro o veneno contido nela. 

— Só pode ser brincadeira! – exclamou Gabriel que puxou a faca longa no mesmo instante. 

Naomi se coloca ombro a ombro com o companheiro, mas recebe um olhar dele que lhe chamou a atenção. 

— Vou chamar a atenção dessa coisa – disse Gabriel com a voz vacilando. – Você liberta os reféns. 

— Tem certeza? 

— Não – disse meio rindo. – Mas como você cuidou da maior parte dos alvos, é o mínimo que eu devo fazer, certo? 

Sem esperar nenhuma resposta, Gabriel puxou a faca normal na mão livre e começou a bater ambos em sua cabeça, chamando a atenção do animal para si. 

— Ei, bicho feio! Venha pegar um pedaço de mim! 

Sem esperar nem um segundo a mais, o rapaz disparou para dentro da mata e o som de algo grande vindo em seu encalço deixou claro que a provocação dera certo. Ele corria com todas as forças, sendo chicoteado pelos galhos e plantas mais baixas. Sentiu um líquido quente descer pelo pescoço onde um pedaço de madeira raspou, mas não sentiu a dor, afinal, escutara atrás de si os urros e o som de estalos, quando sentiu que pisou em um espaço sem chão. 

Por um segundo, o coração chegou a martelar na cabeça ao cair e mergulhar totalmente em um olho da água, mas se levantou num instante, olhando de onde caíra, com a vista embaçada pelo líquido que o encharcava. 

Não muito depois, viu que o urso também caiu logo atrás de si. O animal só não o esmagou porque ele saiu do caminho a tempo, mas a água voou para todos os lados por conta do peso da criatura. 

Talvez tenha quebrado o pescoço, pensou Gabriel esperançoso, mas era claro que não. A monstruosidade se levantou, fitando-o com seus olhos negros e insanos. 

Gabriel sabia muito bem o que deveria fazer; era só derrubá-lo e focar os ataques na cabeça do monstro, mas na prática não seria tão fácil. Avançou em direção ao urso, que por sua vez, deu-lhe uma patada tentando esmagar seu peito. Sem pensar, Gabriel se arremessou para frente, passando por baixo da pata, sentindo as costas se molharem quando o golpe acertou o olho da água. Jogando todas as suas forças nas pernas, o rapaz girou mirando o calcanhar da criatura, mas sentiu as mãos ficarem dormentes quando o golpe acertou onde havia mirado; as escamas eram tão duras quanto pedra. Viu a cauda vindo em sua direção, mas por sorte, o animal perdeu o equilíbrio, fazendo seu ataque pegar com pouca força, mas o suficiente para arremessá-lo a mais de um metro para trás, mergulhando-o novamente na água. Ambas as lâminas saíram de suas mãos durante o impacto. 

Lutando para respirar, Gabriel voltou a ficar de pé, com a água batendo em sua cintura e viu o urso se virar para ele, com olhos de triunfo. 

— Que se dane – disse para si mesmo. 

Levou a mão em direção ao coldre escondido logo atrás da bolsa, com venenos, trazendo dali uma Magnum modificada. Seu cano era três vezes mais grosso do que o padrão, e o barril com as balas guardava somente quatro delas. Era uma arma personalizada, uma herança de seu mestre. 

Levando ambas as mãos à empunhadura, o rapaz mirou entre os olhos do urso. O coice veio quando apertou o gatilho e o som de tiro ecoou em todas as direções. Onde antes havia a cabeça do animal, agora não passava de uma massa de carne ensanguentada. O corpo colossal tombou fazendo uma onda que atingiu o rosto de Gabriel. 

Então o silêncio. 

Ele ficou alguns segundos parado, sentindo ambas as mãos formigarem. Gabriel olhou uma última vez para o corpo, e soltando o ar de forma cansada, tateou o peito onde levou a porrada, surpreendendo-se por não ter quebrado nada. 

— Foi mais fácil do que eu pensei – disse para si mesmo enquanto procurava suas armas no olho da água.