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Aurora da Escudeira

Jasmim estava sentada em sua poltrona, aproveitando o pequeno momento de paz entre suas atribuições. O ambiente era aconchegante e silencioso, até que, de repente, a porta se abriu com um rangido suave, e um dos escudeiros da guilda entrou apressadamente, interrompendo a calma.

— Senhora Jasmim, você precisa ver isso. É simplesmente... surpreendente! — disse ele, com uma mistura de urgência e fascinação na voz.

— O que aconteceu? — perguntou a garota, curiosa, mas mantendo o tom de autoridade enquanto arqueava uma sobrancelha.

O escudeiro hesitou por um momento, como se as palavras lhe faltassem. 

— É melhor que você veja por si mesma — respondeu ele, fazendo um gesto para que ela o seguisse.

Levantando-se do confortável assento, Jasmim cruzou o escritório com passos firmes. Ao chegar à janela, olhou para o campo de treinamento abaixo. O cenário que encontrou era inesperado. A garota misteriosa que apareceu na guilda no dia anterior, Lúcia, estava de pé, segurando uma espada de madeira com firmeza. Sua postura era relaxada, como se tudo aquilo não passasse de uma brincadeira.

À sua frente, um garoto um pouco mais velho, de aproximadamente 14 anos, se preparava para um combate amigável. Ao lado deles, estava Henrique, o instrutor de combate dos novatos. Henrique era um homem de meia-idade, com cerca de 40 anos, de porte atlético e imponente. Sua altura de aproximadamente um metro e oitenta e cinco dava-lhe uma presença marcante e intimidadora. Seu rosto anguloso, com uma mandíbula forte e olhos de um azul profundo, exibia uma expressão de rigor e compreensão, traços de alguém que viu muitos combates. Os cabelos curtos e escuros, ligeiramente grisalhos nas têmporas, complementavam sua aparência de veterano.

A postura rígida do instrutor indicava que algo fora do comum estava prestes a acontecer. Com um gesto decidido nas mãos, ele deu início à disputa. Em um instante, Lúcia se moveu. Seu corpo executou um giro incomum, quase como se estivesse dançando, mas com uma precisão assustadora. Antes que o garoto tivesse tempo de reagir, ela acertou os nós de seus dedos com a ponta da espada de madeira. O som seco de ossos quebrando ecoou pelo campo, trazendo certa agonia seguida pelo grito de dor do garoto, que deixou sua arma cair ao chão, antes do próprio cair de bunda.

— Fraco demais — murmurou Lúcia, com uma voz baixa, mas carregada de desprezo. Ela permaneceu imóvel, olhando para o adversário caído com um olhar cada vez mais frio e desdenhoso. 

Lá de cima, Jasmim observava a cena com olhos atentos e uma expressão de surpresa. 

— Movimentos parecidos com os de minha irmã… — ela murmurou para si mesma.

A caçadora também estava surpresa, mas não apenas pela técnica da menina. Era evidente que Lúcia estava em um nível completamente diferente dos outros de sua idade. Seus movimentos eram fluidos e rápidos, com uma agilidade que superava em muito o que se esperaria de uma criança. A velocidade com que ela executou o golpe indicavam um controle corporal raro, como se cada fibra de seu ser estivesse em sincronia com a mana que fluía através dela.

"Como uma garota tão jovem pode ter tanta mana em sua carne?", ponderou Jasmim por um momento.

Intrigada pelo desempenho impressionante de Lúcia, a mulher decidiu testar os limites da garota. Sem desviar o olhar da janela, falou calmamente para o escudeiro que ainda estava na sala.

— Mande chamar um guerreiro mais experiente. Quero entender o verdadeiro nível dela.

O garoto assentiu, tocando um pequeno brinco de uma pedra azulada em seu ouvido. Ele transmitiu as ordens para Henrique, que levantou o olhar em direção à janela onde o observavam. Um brilho de desagrado passou por seus olhos, mas ele acatou as instruções com um suspiro resignado. O homem então chamou um jovem caçador de rank E, que rapidamente se aproximou. Ele tinha aproximadamente 18 anos e uma postura confiante.

— Não, isso não será suficiente. Traga alguém mais forte. Quero ver até onde ela pode ir — Jasmim, ainda insatisfeita, falou novamente ao escudeiro.

O instrutor, claramente ainda mais irritado, praguejou baixinho antes de acenar para um segundo guerreiro, um caçador de rank D, que aparentava ter cerca de 20 anos. O jovem pegou uma espada de madeira no estande antes de se aproximar com passos lentos, preparando-se para o combate. Ele olhou para a menina à sua frente com um largo sorriso condescendente.

— Você tem sorte de aprender com um sênior, sinta-se grata! — disse o jovem, começando a circular sua mana. A espada de madeira começou a estalar, emitindo um leve brilho azulado.

— Pegue leve. Ela é apenas uma menina de 13 anos — interveio Henrique, preocupado.

O caçador resmungou, mas começou a reduzir a quantidade de energia que estava emitindo. No entanto, naquele momento, ele percebeu que não conseguia mais ver Lúcia. Foi em um único segundo, mas antes que tivesse tempo de processar, sentiu uma rajada de vento vinda de seu lado. Instintivamente, aumentou novamente a mana na espada de forma abrupta, que começou a rachar sob a pressão, e conseguiu bloquear o golpe de Lúcia por um triz.

A força do impacto foi tão intensa que a espada do caçador explodiu em lascas, forçando-o a dar vários passos para trás. Antes que pudesse se recompor, viu a espada da pequena criança vindo novamente em direção ao seu peito. Com um reflexo rápido, ele focou toda a sua mana em seu braço, utilizando-o para golpear o ataque com força. A arma voou longe, e ele imediatamente esticou a mão para agarrar a garota.

Para sua tristeza, Lúcia estava um passo à frente. Como se previsse o movimento, a mão livre dela já estava manifestando uma estaca de pedra afiada. Com um olhar determinado, ela avançou. O homem cruzou os braços na frente do peito, tentando se proteger, mas era tarde demais. A estaca de pedra perfurou seus dois membros e atravessou a armadura, causando uma explosão vermelha.

O homem caiu no chão, chocado e assustado. Sangue escorria de seus braços feridos, manchando o solo do campo de treinamento. Alguns dos novatos que assistiam a cena correram para ajudar, suas expressões refletindo uma mistura de medo e admiração. Henrique, com o rosto fechado, se aproximou da garota. Sua voz era firme, mas havia uma nota de preocupação.

— Você precisa se controlar, Lúcia! Isso não era um combate real, era uma simulação — repreendeu ele, sua voz ecoando no espaço silencioso. — Peça desculpas, agora.

Lúcia baixou a cabeça, os olhos fixos no chão. A postura rígida dela suavizou-se por um momento, como se uma sombra de dúvida passasse por sua mente. Ela murmurou, quase inaudivelmente, mas o suficiente para que o instrutor ouvisse. 

— Fracos não ganham desculpas, fracos morrem.

Essas palavras eram mais do que um simples eco dos ensinamentos de Ana; eram uma janela para a alma de Lúcia, marcada pelas lições duras e pelo mundo cruel em que vivia. Em meio ao combate, fraqueza não era apenas um defeito, mas uma sentença de morte.

Henrique hesitou por um momento, surpreso pela intensidade da resposta. Ele não esperava uma filosofia tão impiedosa de alguém tão jovem. O peso daquelas palavras era palpável, como se carregassem uma verdade inescapável, aprendida através de experiências amargas. Ainda assim, acertou a cabeça da novata com um cascudo e franziu a testa pela desobediência. 

— Vá logo, sem teimosia, peça desculpas.

— Ok… — resmungou a criança, ainda olhando para o chão de forma irritada e indo em direção ao seu oponente caído.

Jasmim, seguia observando da janela, absorvendo cada detalhe da cena. Por trás de seus olhos avaliadores, uma tempestade de pensamentos fervilhava.

"Um incrível domínio da espada e manifestações poderosas… Ana estava criando um monstro", pensou a caçadora, com um sorriso se abrindo de orelha a orelha pela fortuita colheita cada vez mais inesperada.