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Cidade das Máscaras

A paisagem começou a mudar gradualmente, com os primeiros sinais de estruturas derrubadas e escombros começando a aparecer. Pedras e vigas retorcidas emergiam do solo, claras marcas de uma civilização, forçando-os a desviar constantemente. O ar estava carregado de um cheiro de terra úmida e vegetação em decomposição, criando um ambiente opressivo e sombrio.

Prédios antigos, agora em ruínas, estavam completamente tomados pela natureza, com raízes e plantas rasteiras crescendo através das paredes desmoronadas. Alguns poucos, ainda em pé, pareciam fantasmas do passado, suas fachadas desgastadas e janelas quebradas dando uma visão de uma época esquecida. As construções eram inabitáveis, dominadas pelo verde exuberante que insistia em reclamar cada centímetro de concreto e aço.

O grupo continuava a correr, os pés mal tocando o chão enquanto lutavam para sobreviver. A exaustão era evidente em cada um deles, mas a necessidade de escapar dos bestiais impelia-os a continuar. Os humanos distorcidos corriam pelas paredes ao seu redor, os cercando cada vez mais com seus grandes números, preparando um ataque em massa para evitar mais mortes desnecessárias.

— Vamos para o centro — ordenou Ana, com a respiração pesada, ao notar uma construção maior se destacando no horizonte, uma silhueta imponente que se erguia acima dos escombros circundantes. 

Era enorme, esplendoroso, se tornando mais claro conforme se aproximavam. O shopping, claramente modificado para se parecer com um castelo, possuía quatro torres improvisadas e seus muros remendados davam um ar de grandiosidade decadente, como se alguém tivesse tentado reviver uma era de glória perdida.

"Esse lugar… já estive aqui", pensou Ana, franzindo o cenho ao notar uma estranha familiaridade. 

Seu coração acelerou, não pela corrida, mas por uma sensação de déjà vu inexplicável. Surpreendentemente, um arrepio percorreu sua espinha, deixando-a inquieta. Seus olhos vasculharam as ruínas, tentando identificar a origem dessa sensação tão rara e desconcertante. 

"Parece que não sou só eu que notei", em meio a seus pensamentos embaralhados, percebeu que os bestiais que os perseguiam começaram a diminuir a velocidade, hesitando em se aventurar mais fundo na cidade abandonada.

— Eles estão parando — observou Eva, sua voz entrecortada pela falta de fôlego.

— É possível que tenham se cansado antes de nós? — perguntou Luiz, com uma esperança palpável na voz.

— Seja lá o que for, vamos aproveitar para ganhar alguns metros de vantagem — murmurou Ana, balançando a cabeça, negando a possibilidade.

O líder dos bestiais, que corria em um ritmo mais devagar, parou abruptamente ao ver as feras recuando. Ele grunhiu, emitindo uma ordem para que seus companheiros avançassem, mas a resposta foi lenta e relutante.

— Cidade… maldita… — resmungou para si mesmo, seus olhos selvagens captando uma figura no alto de um dos prédios desmoronados. Era um homem mediano usando uma máscara lisa amarela, sem enfeites. O item cobria todo seu rosto, escondendo suas feições, dando a impressão de uma presença enigmática que parecia alheia a tudo. 

A figura permaneceu imóvel, observando o desenrolar dos acontecimentos. Assim como a mercenária que perseguia, o líder dos bestiais se chacoalhou levemente para tirar a tremedeira que o assolou de repente, como se um frio gélido tivesse percorrido seu corpo. Por um breve momento, parecia que iria recuar, mas, em seguida, decidiu continuar. Com um grunhido final, ele se lançou à frente, forçando a vontade em seus subordinados.

Finalmente o grupo de Ana chegou ao meio do labirinto de concreto, e ,ao se aproximarem do shopping, se depararam com grandes portas de metal. Sem hesitar, se juntaram para empurrá-las, até que se abriram com um rangido alto. O interior era um grande salão com grandes colunas de cor creme. Estava surpreendentemente vazio, exceto pelas numerosas obras de arte que decoravam as paredes e um trono imponente em um elegante altar. A luz que atravessava os vitrais em mosaico criava um ambiente mágico e quase irreal, jogando sombras coloridas pelo chão de mármore polido.

— Essas pinturas… de quem é esse lugar? — sussurrou Ana para si mesma, encarando as próprias mãos que um dia estiveram sujas desta mesma tinta.

O resto do bando notou seus murmúrios, mas sem tempo para conversa, seguiram correndo até as escadarias que levavam do centro, seus passos ecoando no espaço vasto e silencioso. Ana se colocou à frente, sua expressão determinada e olhos fixos na entrada.

— Não vou me desculpar por matar todos vocês — comentou a mulher, com certo sarcasmo na voz. Um pequeno fio de mana começou a circular seu corpo, uma pré-manifestação presa na indecisão de lutar até o fim ou escapar sozinha daquele local.

— Sem problemas, foi bom voltar a me sentir parte de um grupo, mesmo que por pouco tempo — falou Alex, com um sorriso triste se formando em seu rosto.

— Não posso dizer o mesmo, nunca me perdoarei por ser tão estúpido. Eu não deveria estar aqui — resmungou Luiz, chutando um degrau, absolutamente sem propósito, com uma expressão triste em seu rosto.

Todos se entreolharam, rindo diante da aceitação da morte, um riso amargo e resignado, mas que aliviou a tensão do ambiente.

A Sombra, sem perder tempo, se sentou no trono de forma desleixada, cruzando as pernas. Com um sorriso travesso, começou a tocar uma melodia melancólica, mas emocionante. A música lembrava uma velha canção de taverna, carregada de nostalgia e saudade, criando um contraste doloroso com a situação desesperadora.

Foi então que os bestiais finalmente os alcançaram, e após uma nova hesitação, entraram no salão. Com passos rápidos cercaram o grupo, mas não atacaram, como se estivessem medindo suas chances. Por um momento todos ficaram assim, se encarando, quando finalmente o primeiro inimigo se lançou em direção a eles. No entanto, antes que pudesse dar o bote decisivo, uma voz soou, fazendo-o se encolher. Era uma voz profunda e autoritária, vinda de algum lugar oculto do recinto.

— Saia daí, Sombra. Apenas a rainha tem o direito de se sentar neste trono.

A ordem reverberou pelo espaço, impondo silêncio absoluto. A música parou abruptamente, e todos se voltaram na direção de onde acreditavam que o som vinha, tensos e confusos. A Sombra, que até então mantinha uma expressão despreocupada, levantou-se do trono com um sorriso enigmático, claramente intrigada e, de certo modo, se divertindo pela inesperada intervenção.

Os humanos corrompidos começaram a se agitar, se agrupando atrás de seu líder recém-chegado. De repente, saindo de portas escondidas atrás das variadas pinturas, algumas dezenas de pessoas mascaradas entraram no local. Suas máscaras eram das mais variadas formas, algumas com expressões de sorrisos, ódio, lágrimas ou simples pinturas monocromáticas. Apesar da ausência de feições, notava-se que entre os estranhos havia homens, mulheres e crianças, de diferentes tamanhos, roupas e cores. Todos se posicionaram entre as grandes pilastras, observando os intrusos com uma aura de expectativa e julgamento.

A figura que havia falado anteriormente surgiu após isso, revelando-se com duas grandes asas brancas nas costas. Sua máscara era do mais puro branco, e sua estatura pequena trazia um ar de inocência que não combinava com sua poderosa voz. Com passos firmes, ela se aproximou do líder dos bestiais, que a encarou com um olhar odioso. A tensão entre os dois era tangível, como se uma batalha silenciosa estivesse acontecendo.

— Pensava que tínhamos um acordo, André. Ninguém tem permissão para pisar em nosso território — declarou a figura alada, arrogantemente.

André rangeu os dentes, sua expressão se contorcendo em fúria contida. Pela primeira vez, levantou-se de sua posição simiesca, adotando uma postura ereta que destacava seus músculos extremamente desenvolvidos. O homem bestial tinha mais de dois metros de altura, fazendo a pessoa a sua frente parecer ainda mais minúscula, e seus cabelos pretos desgrenhados cobriam a maior parte de seu rosto. Ele tossiu forçosamente, como se limpasse a garganta, e então uma voz rouca, mas profunda, tomou o lugar no salão.

— Não podia deixar… inferiores vivos. Mataram muitos de nós — começou o homem, gesticulando para o grupo de Ana. — E esse ser nojento ao lado deles… profanou companheiros caídos.

A figura alada manteve a calma, seus olhos mascarados fixos no líder.

— Não permitirei uma gota de sangue em frente à rainha, não sem sua autorização.

Ouvindo isso, André soltou uma risada alta e gutural, assemelhando-se a madeira sendo triturada, um som cheio de desprezo.

— Vocês realmente não conseguem abandonar essa lenda idiota? Cidade amaldiçoada… lar de tolos!

— Você está errado — respondeu a pequena interlocutora, não se deixando abalar. Com uma voz alta e clara, anunciou. — Nossa rainha, nossa criadora e nossa mestra, finalmente está de volta.

Nesse momento, todos os mascarados caíram pesadamente com os joelhos direitos no chão, suas cabeças baixadas em direção ao Punição divina, como se prestassem uma homenagem. Ao mesmo tempo, a figura alada caminhou até a frente de Ana, prostrando-se diretamente aos pés dela. O local ficou em silêncio absoluto, a única coisa que se ouvia era o som da respiração dos presentes e a brisa que entrava pelos largos portões que foram deixados abertos.