"A melhor das intenções
Eu coloco a seus pés"
Broken Arrows – Daughtry
Ela se virou e caminhou até o calçadão. O crepúsculo começava a cair assim também uma garoa, ela andou cada vez mais rápido torcendo para que a chuva não engrossasse, mas então uma Kawasaki ninja estacionou ao seu lado.
– O tempo não está ao seu favor! – disse Renné com um leve sorriso torto nos lábios. – Trégua?
Ela avaliou suas opções, que não eram muito boas, estava começando a chover e até a sua casa era um bom pedaço de terra se ela fosse a pé, até lá a chuva com certeza já estaria mais forte e ela teria que parar em baixo de alguma varanda na esperança que a chuva cessasse ou seguiria em frente se arriscando a pegar um grande resfriado, na sua pressa ela se esquecerá de levar consigo o aparelho celular, não tinha meios para avisar Mar, que deveria estar subindo pelas paredes de preocupação.
– Mas antes acho que você deverá colocar uma coisinha. – Disse olhando para a blusa que Dêvora carregava em seus braços, abraçando-0 como se fosse seu brinquedo favorito, ele riu enquanto Dêvora vestia a blusa, subindo logo após. – Sabe, não seria uma má ideia ser seu namorado, até que você é uma garota interessante! – Dêvora deu-lhe um tapa no ombro direito antes que ele desse a arrancada na moto, sua risada sobressaiu o som do motor, contagiando-a com uma alegria estranha, ela o abraçou aconchegando seu rosto na curva das costas de Renné.
Dêvora estava tão confortável ali que sentia que poderia adormecer e só acordar um mês depois. Renné seguiu as instruções dadas por Dêvora, chegando com facilidade na casa de Dêvora. A garoa havia parado, a noite estava limpa sem se sinal de chuva para as próximas horas.
– A chuva parou! – disse Renné, enquanto Dêvora lhe entregava o capacete.
– Acho que era só para assustar. – respondeu sem jeito, e ele riu.
– Dê? É você que está ai? – Perguntou Margarete, que estava dentro da casa.
– Já vou, Mar! – respondeu.
– Você tem que ir?! – disse Renné sem saber o que falar.
– Ah! Sim! Então tchau! – despediu-se Dêvora.
– Tchau... Não! Espere! – Disse antes que Dêvora pudesse entrar.
– O quê?
–Você vai sair amanhã à tarde? – perguntou hesitante.
–Não, por quê? – disse exalando falsa inocência.
– Quer sair... – hesitou. – comigo?
– Não estou disponível para rapidinhas! – brincou Dêvora.
– O que? – a piada de Dêvora o surpreendeu. – Não! Como amigos!
– Era brincadeira! Mas está bem, aqui às três e meia da tarde. – ela estava exultante.
–Isso é um sim? – perguntou Renné, mas ela já havia entrado.
*.*
Dêvora amanheceu com o corpo todo dolorido naquela manhã, parecia que um trator havia passeado pelo seu corpo a noite inteira, seu nariz e garganta ardiam como brasa, ela havia passado por várias experiências desastrosas, mas nunca tinha se afogado, era uma boa nadadora, ganhará diversas medalhas pela escola de natação. Foi um grande vacilo, a dor da perda conturbara a cabeça e coração de Dêvora, provocando toda essa situação em que ela se encontrava agora.
Sua manhã foi toda direcionada a ajudar Margarete na arrumação da casa, enquanto Mar a questionava sobre o rapaz que havia trazido-a em casa, Dêvora não tinha informações para lhe dar, pois não sabia nada sobre ele, apenas que se chamava Renné Rittberg, ele não conseguia de lembrar nenhum Rittberg em Marataízes, mas ela também não conhecia muitas pessoas naquela cidade, esse era o trabalho de Márcia, sentia a sua falta, sua grande amiga, recorreu a sua nova informante, quem melhor do que uma confeiteira muito reconhecida para lhe dar informações.
– Mar, você conhece algum Rittberg?
– Por quê?
– Nada demais, é que conheci um Rittberg e já que você mora aqui há tanto tempo... Pensei que talvez conhecesse.
– Conheci, sim. – disse enquanto tirava poeira da estante de livros que ficava na copa. – mas faz muito tempo e eu era muito nova.
– Então eles moram aqui há muito tempo? – hesitou.
– Essa família é muito antiga, eles nunca ficam por muito tempo. – Margarete virou-se para Dêvora com olhar inquiridor, como se adivinhasse as pretensões dela. – mas por que esse interesse todo? Quem você conheceu?
– Um rapaz! Mas não é nada demais, só curiosidade! – disse esquivando-se da pergunta.
–Qual é o nome dele?
– Renné! – hesitou.
Margarete, a principio fez uma expressão de espanto e incredulidade, mas logo suavizou para uma expressão de preocupação, o que surpreendeu Dêvora.
– Prometa uma coisa para mim. – Disse Margarete a olhando fixamente. – Esqueça esse garoto e não se envolva com essa família!
– Mas... Por quê? – gaguejou.
– Prometa! Só prometa!
– Pro... me... to!
Dêvora não compreendia, mas era uma promessa e deveria cumpri-la, ela não se envolveria com Renné, o encontro que teria com Renné seria o primeiro e ultimo, pelo menos era assim que ela esperava ser. Aquela tarde estava fresca, a brisa úmida que vinha do mar beijava sua pele com leveza. Ela estava sentada na frente do portão de sua casa, era três e vinte nove e nada de Renné aparecer, ela tinha repetido varias vezes para si mesma que ele não iria aparecer, ele não tinha motivos para isso e não seria a primeira vez que Dêvora levaria um bolo, muitos rapazes a convidavam para sair só para no outro dia rirem dela na escola.
Um ronco de motor rompeu o silêncio da rua, no inicio da mesma vinha uma Kawasaki ninja vermelha que estacionou na frente de sua casa, ela olhou o relógio do celular que marcava três e trinta e um. Renné tirou o capacete, seus fios negros estavam desgrenhados instintivamente ele passou a mão pelos cabelos para arruma-los.
– Você está atrasado! – Brincou ela.
Ele sorriu. – Na próxima vez cuidarei de vir mais cedo!
– Para onde vamos? - inquiriu ela, antes de subir na garupa da moto.
– Espere e verá!
Ele entregou-lhe o capacete e avançou com a moto, depois de alguns minutos Dêvora percebeu que eles estavam saindo de Marataízes, ela tentou adivinhar por varias vezes para onde Renné a estava levando, em vão. Depois de meia hora chegaram a uma pequena floresta, estava um pouco mais úmido ali do que na cidade, devia ser pela quantidade de arvores, pensou ela, as arvores eram de um verde extremamente vivido, Renné estacionou sua moto atrás de um arbusto grande, após escondê-la bem, caminhou até Dêvora pegou sua mão com um sorriso malicioso no rosto e a puxou para dentro da mata. O lugar era de uma beleza surreal, por todos os cantos havia flores e árvores de vários tipos e tamanhos, os passarinhos davam um toque especial àquele cenário com sua bela melodia, Dêvora estava perplexa com tamanha beleza. Renné não parecia nem um pouco encantado, seu olhar estava perdido, sua expressão indecifrável.
Claro que ele não está encantado, deve ter vindo a este lugar milhares de vezes, com varias outras garotas! Pensou ela, mas porque ela estaria incomoda com isso? Pare de bobeira Dêvora Fernandes,repreendeu-se, porque ela estava ali? Porque aceitou aquele convite? Ela devia parar de fazer as coisas por impulso, ela tinha que falar algo, mostrar que não estava incomodada com aquela situação.
– Você sempre trás garotas aqui?
– O que? – sua expressão de espanto deixou Dêvora encabulada, não era aquilo que ela queria falar, sendo impulsiva de novo.
– Ah... Me... Desculpa... Que lugar lindo! – Disse tentando se desvencilhar do constrangimento que causara a si mesma.
– É Maravilhosamente lindo! – Hesitou – Como conhece esse lugar?
Ele parou de andar e analisou-a por alguns segundos, então disse – Venho aqui sempre que posso, esse lugar me acalma, acha lindo? Ainda não viu nada!
Embrenharam-se cada vez mais mata adentro até chegarem a uma linda cachoeira, ela não era muito grande. pedras levemente avermelhadas rolavam do alto da cachoeira parando na margem, com certeza aquele lugar não constava no mapa, o ser humano ainda não tinha se apoderado de tal presente de Deus.
Renné parou na margem e ficou a olhar a queda da água, Dêvora fitou-o, admirando cada traço de seu belo rosto, ela não podia negar sentia uma leve atração por aquele rapaz, seus enormes olhos estavam novamente perdidos em pensamentos. Dêvora tentou imaginar que tipos de garotas ele trazia ali, mas nenhuma parecia combinar com o estilo dele.Epa! Ela tinha que parar de pensar daquele jeito. Tratou de se concentrar naquele belo cenário.
– Eu não acredito que estou vendo tanta beleza!
– Nem eu! – concordou ele, mas Renné não estava olhando mais para a cachoeira, ele a fitava.
Dêvora enrubesceu diante de seus olhos cor de avelã-avermelhados, mas convenceu a si mesma de que ele fazia isso com todas, e ela não podia se iludir.
Ele arrancou a camisa abruptamente deixando seu belo físico aparente, totalmente delineado, sua pele translúcida brilhava sob a luz do sol, Dêvora conteve um suspiro, ele se atirou na cachoeira levantando água ao redor, deu um longo mergulho e quando emergiu parecia a mais perfeita reencarnação de Posêidon, com um movimento de mãos ele a convidou para entrar, ela acenou negativamente. Seu coração palpitava como poderia caber tanta beleza em uma pessoa só. Ela caminhou até uma pedra grande avermelhada e sentou-se fitando a queda da água deixando-se perder em pensamentos.
A angustia tomou seu corpo novamente, sentiu seus olhos encherem de lágrimas, lembranças retornavam a sua mente, atormentando-a, não pôde conter as lágrimas, Márcia adoraria está aqui, e poder desfrutar da cachoeira, pensou Dêvora. Ela abraçou suas pernas e se encolheu. Algo gelado encostou-se em seus ombros, levou alguns segundos para ela assimilar que era Renné, não hesitou, o abraçou mais forte que pôde depositando ali toda a sua tristeza, ela se sentia uma criança de cinco anos que nas noites de tempestade precisa abraçar seu ursinho de pelúcia para não sentir mais medo, quando Renné a perguntou o que havia acontecido as palavras saíram involuntariamente de seus lábios, ele a abraçou calorosamente, Dêvora ficou ali por vários minutos até as lágrimas se conterem, não podia se afirmar que seu rosto estava úmido pelas lágrimas ou pelo tórax molhado de Renné, estar ali abraçada com ele a fez se sentir bem, a acalmou.
Seus olhos preocupados esquentavam sua nuca, sabia que o que estava fazendo era errado, mal conhecia o rapaz e já o afogara com os seus problemas. Ele afagou seus cabelos e a afastou, olhou profundamente em seus olhos, deslizou as mãos para as suas sem desviar o olhar.
– Minha flor! Não se preocupe a amizade de vocês não vai acabar com a distancia, só vai se afirmar, - aquelas palavras confortaram seu coração inquieto e faz perceber o quanto estava sendo egoísta com Márcia, Dêvora deveria estar feliz por ela, não é qualquer dia que alguém ganha uma passagem de graça para o Canadá, era melhor pensar assim. – Vamos nadar? – perguntou se levantando e estendo a mão para ajudá-la.
*.*