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A Crônica do Contador de Histórias

Após uma vida de poucas conquistas e repleta de arrependimentos, Vanitas recebe uma segunda chance ao reencarnar como um bebê em um mundo onde magia e espadas fazem parte do cotidiano. Determinado a deixar seu passado para trás, ele abraça essa nova chance, vivendo com uma trupe itinerante de artistas da corte. Entre apresentações e jornadas por novas terras, Vanitas aprimora seu talento nato para o alaúde, mas é na magia que seu verdadeiro poder desperta. Sob a tutela da poderosa Arcanista Marceline, ele mergulha nos segredos da simpatia, a arte mágica que, desde o início, acendeu seu desejo de invocar o vento. No entanto, o destino de Vanitas toma um rumo inesperado quando cruza caminho com o enigmático grupo Sombraim, cujos segredos ocultos trazem à tona verdades sombrias sobre o mundo e sobre sua própria reencarnação. Em busca de respostas, Vanitas parte em uma jornada por terras desconhecidas, onde cada nova descoberta o arrasta ainda mais profundamente para os segredos esquecidos da história. Ao longo do caminho ele encontra aliados improváveis, constrói amizades inquebráveis e se apaixona... mas o que realmente aguarda em seu destino é algo que supera tudo isso. Com a chance de mudar o mundo em suas mãos, Vanitas precisa decidir entre seguir o caminho das revelações ou se perder nos laços do amor e da amizade. O peso dessa escolha pode mudar para sempre o curso de sua vida — e a de todos ao seu redor.

porep · Fantaisie
Pas assez d’évaluations
108 Chs

CIV. ALAZÃO

Três minutos depois, dirigi-me à entrada da cavalariça mais próxima.

Um homem bem-vestido, de ar cealdamo, sorriu à minha aproximação e deu um passo à frente para me receber:

— Ah, meu jovem senhor — disse, estendendo-me a mão. — Meu nome é Kreva. Permita-me perguntar...

— Preciso de um cavalo — interrompi, dando-lhe um rápido aperto de mão. — Saudável, descansado e bem alimentado, que possa fazer seis horas seguidas de cavalgada hoje.

— Certamente, certamente — disse Kraeva, esfregando as mãos e balançando a cabeça. — Tudo é possível, com a vontade de Ardonai. Terei muito prazer em...

— Escute — tornei a interromper —, estou com pressa, por isso deixaremos de lado as preliminares. De minha parte, não vou fingir desinteresse, e você não desperdiçará meu tempo com um desfile de matungos e pangarés. Se eu não houver comprado um cavalo em 10 minutos, irei comprá-lo em outro lugar — esclareci, fitando-o nos olhos. — Linsatva?

O cealdamo horrorizou-se.

— Senhor, a compra de um cavalo nunca deve ser tão precipitada. O senhor não escolheria uma esposa em 10 minutos, e na estrada o cavalo é mais importante que uma esposa. — Deu-me um sorriso acanhado. — Nem mesmo o próprio Ardonai...

— Deus não está comprando um cavalo hoje; eu, sim — interrompi-o mais uma vez.

O esguio cealdamo fez uma pausa para recompor as ideias.

— Certo — disse baixinho, mais para si mesmo do que para mim. — Lin, vamos dar uma volta para ver o que temos.

Contornou os estábulos comigo e me conduziu a um pequeno curral. Apontou para um ponto próximo da cerca:

— Aquela égua mosqueada é um animal tão firme quanto se poderia esperar. Fia o levará...

Ignorei-o e corri os olhos pela meia dúzia de pangarés ociosos atrás da cerca. Embora não tivesse recursos nem razão para possuir um cavalo, eu sabia distinguir o bom do ruim, e nada do que vi ali se aproximava de atender a minhas necessidades.

Sabe, os membros de uma trupe vivem e morrem pelos cavalos que puxam suas carroças, e meus pais não haviam negligenciado minha educação nessa área. Eu já sabia avaliar um cavalo aos oito anos de idade, o que era muito bom.

Era comum o pessoal das cidades tentar empurrar-nos pangarés semimortos ou dopados, sabendo que, quando descobríssemos nosso erro, estaríamos a quilômetros e dias de distância.

Havia um mundo de problemas para o homem que vendesse um animal manco e doente a seu vizinho, mas que mal havia em tapear um daqueles Therion imundos e ladrões? Virei-me para o encarregado das cavalariças, com o sobrolho carregado:

— Você acabou de desperdiçar dois preciosos minutos do meu tempo, donde me parece que ainda não compreendeu minha situação. Deixe-me ser o mais claro possível. Quero um cavalo veloz, pronto para uma cavalgada árdua ainda hoje. Pagarei por isso com rapidez, em espécie e sem reclamações.

Levantei minha bolsa de moedas recém-recheada numa das mãos, sacudindo-a, certo de que ele era capaz de reconhecer o som da prata cealdama verdadeira dentro dela:

— Se você me vender um cavalo que perca uma ferradura — prossegui —, ou comece a mancar, ou se assuste com sombras, perderei uma oportunidade valiosa. Uma oportunidade realmente irresgatável. Se isso acontecer, não voltarei para exigir ressarcimento. Não farei uma petição ao guarda da cidade. Voltarei a pé para Torrente, esta noite mesmo, e atearei fogo à sua casa. E quando você sair correndo pela porta da frente, de camisolão e touca de dormir, vou matá-lo, cozinhá-lo e comê-lo. Bem ali no seu gramado, com todos os seus vizinhos olhando.

Lancei-lhe um olhar mortalmente sério e concluí:

— É essa a proposta de negócios que lhe faço, Kraeva. Se não se sentir à vontade com ela, diga-me e irei para outro lugar. Ou então pare com esse desfile de carroças e me mostre um cavalo de verdade.

O cealdamo baixote me olhou, mais perplexo que horrorizado. Percebi que tentava se haver com a situação. Deve ter achado que eu era um perfeito lunático, ou filho de um nobre importante. Ou ambas as coisas.

— Muito bem — disse-me, deixando desaparecer da voz toda a sedução supérflua. — Quando o senhor fala em cavalgada árdua, a que tipo de esforço se refere?

— Muito árduo. Preciso percorrer 110 quilômetros hoje, em estradas de terra.

— Também precisará de sela e arreios?

Fiz que sim.

— Nada sofisticado. Nada novo.

Ele respirou fundo.

— Ótimo. E de quanto dispõe para gastar?

Abanei a cabeça e lhe dei um sorriso forçado.

— Mostre-me o cavalo e diga o seu preço. Um Volder seria ótimo. Não me importo que seja meio arisco, se Isso significar que tem energia de sobra. Até um bom mestiço de Volder me serviria, ou um Khorshaen marcha-longa.

Kraeva balançou a cabeça e me reconduziu aos portões largos do estábulo.

— Tenho um Khorshaen. Um puro-sangue, aliás — acrescentou.

Fez sinal para um dos ajudantes da estrebaria:

— Traga já o nosso cavalheiro negro — ordenou.

O garoto saiu em disparada.

O cavalariço virou-se novamente para mim.

— Animal esplêndido. Eu o fiz correr atrelado antes de comprá-lo, só para me certificar. Galopei-o por quase 2 quilômetros e ele nem chegou a suar; tem o passo mais macio que já vi, e eu não mentiria a Vossa Senhoria nesse ponto.

Assenti com a cabeça. Um Khorshaen puro-sangue se adequaria com perfeição a meus objetivos. Eles eram de uma resistência lendária, mas também não haveria como evitar o preço. Um marcha-longa bem treinado valia uns 12 crimos.

— Quanto você está pedindo por ele?

— Quero dois marcos inteiros — disse o homem, sem sinal de desculpa nem lisonja na voz.

Ardonai misericordioso, 20 crimos! O animal precisaria ter ferraduras de prata para custar tão caro.

— Não estou com ânimo para barganhas demoradas, Kraeva — retruquei secamente.

— Vossa Senhoria já deixou isso bem claro. Estou dando o meu preço honesto. Pronto, o senhor verá por quê.

O menino vinha voltando apressado com um monstro lustroso de um cavalo. Pelo menos 18 palmos de altura, cabeça orgulhosa, e negro do focinho à ponta da cauda.

— Ele adora correr — disse Kraeva, com sincera afeição na voz. Passou a mão pelo pescoço negro e liso. — E olhe só essa cor. Nem um fio claro, e é por isso que ele vale 20 crimos e nem um gusa a menos.

— Não estou interessado na cor — comentei, com ar distraído, enquanto examinava o cavalo em busca de sinais de ferimentos ou velhice. Não havia nenhum. Ele era lustroso, jovem e forte. — Só preciso me deslocar com rapidez.

— Compreendo — fez ele, em tom de desculpa. — Mas não posso simplesmente ignorar a coloração. Se eu esperar uma ou duas onzenas, algum jovem senhor pagará pela simples elegância dele.

Eu sabia que era verdade.

— Ele tem nome? — indaguei, aproximando-me devagar do cavalo negro, deixando-o farejar minhas mãos e se acostumar comigo.

Pode-se apressar uma negociação, mas não o processo de fazer amizade com um cavalo. Só um tolo se precipita na hora de causar uma primeira impressão a um Khorshaen jovem e fogoso.

— Nenhum que tenha pegado.

— Como é seu nome, rapaz? — perguntei com gentileza, para que ele pudesse acostumar-se com o som da minha voz.

Ele farejou delicadamente minha mão, vigiando-me de perto com um olho grande e inteligente. Não recuou, mas com certeza também não estava à vontade. Continuei a falar enquanto chegava mais perto, na esperança de que ele relaxasse com o som da minha voz.

— Você merece um bom nome. Eu detestaria ver um lordezinho com delírios de espiritualidade impor-lhe um nome horroroso, como Meia-Noite, Fuligem ou Carvão.

Cheguei mais perto e coloquei uma das mãos em seu pescoço. A pele estremeceu, mas ele não se afastou. Eu precisava ter certeza tanto de seu temperamento quanto de sua energia. Não podia correr o risco de pular na garupa de um cavalo assustadiço.

— Uma pessoa de pouca inteligência poderia chamá-lo de Piche ou Negrume, nomes repulsivos. Ou de Lousa, um nome sedentário. Deus o livre de acabar como Pretinho, o que seria impróprio para um príncipe como você.

Meu pai sempre conversava desse jeito com os novos cavalos, numa ladainha regular e calmante. Enquanto lhe afagava o pescoço, continuei a falar, sem dar a menor atenção ao que dizia. As palavras não importam para os cavalos, o tom de voz é que é o importante.

— Você fez um longo percurso. Deve ter um nome orgulhoso, para que as pessoas não o considerem um animal comum. Seu dono anterior era cealdamo? — perguntei. — Ve vanaloi. Tu terian keta. Palan te?

Percebi que ele relaxou um pouco ao som da língua conhecida. Fui para seu outro lado, sempre examinando-o atentamente e deixando que se habituasse à minha presença.

Tu Keta? — perguntei-lhe: Você é o carvão? — Tu Rasgur? — Você é uma sombra? Eu queria dizer "crepúsculo", mas não consegui me lembrar da palavra em kiaru.

Em vez de parar, continuei tagarelando, fingindo falar kiaru da melhor maneira possível enquanto lhe examinava os cascos para ver se estavam lascados ou rachados.

Tu Zseth-Khelin? — Você é o cair da noite?

O grande corcel negro baixou a cabeça e me cutucou com o focinho.

— Você gosta desse, não é? — comentei, meio rindo, por saber que na verdade ele farejara o embrulho das maçãs secas que eu tinha guardado num dos bolsos da capa.

O importante era ele ter uma certa familiaridade comigo nesse momento. Se ficasse à vontade o bastante para me cutucar e pedir comida, poderíamos entender-nos suficientemente bem para um dia de cavalgada firme.

— Zseth-Khelin parece um bom nome para ele — comentei, virando-me outra vez para Kraeva. — Há mais alguma coisa que eu precise saber?

Kraeva pareceu desconcertado.

— Ele tropega um pouco para a direita.

— Um pouco?

— Só um pouquinho. É de se esperar que também seja meio propenso a se espantar por esse lado, mas nunca o vi fazê-lo.

— Como ele foi adestrado: na rédea curta ou no estilo das trupes?

— Curta.

— Certo. Você ainda tem um minuto para concluirmos este negócio. Ele é um bom animal, mas não vou pagar 20 crimos — disse-lhe, com segurança na voz, mas sem esperança no coração.

O cavalo era magnífico e sua coloração o fazia valer pelo menos 20 crimos. Mesmo assim, resolvi seguir o roteiro de praxe, torcendo para fazer o homem reduzir o preço para 19. Isso me deixaria pelo menos o dinheiro da comida e da hospedagem quando eu chegasse a Nebron.

— Muito bem — disse Kraeva. — Dezesseis.

Só meus anos de treinamento no palco me impediram de ficar francamente boquiaberto diante dessa redução súbita.

— Quinze — retruquei, fingindo irritação. — E isso incluirá a sela, os arreios e um saco de aveia — acrescentei, começando a tirar o dinheiro da bolsa, como se o negócio já estivesse fechado.

Por incrível que pareça, Kraeva fez um sinal afirmativo e chamou um dos moços da estrebaria para que trouxesse a sela e os arreios. Contei o dinheiro na mão dele enquanto seu ajudante selava o grande corcel negro.

O cealdamo pareceu constrangido ao enfrentar meu olhar. Se eu não fosse tão bom conhecedor de cavalos como sou, teria presumido que estava sendo tapeado. Talvez o animal fosse roubado, ou o homem estivesse desesperado por dinheiro.

Qualquer que fosse a razão, não me importei. Eu merecia ter um pouco de sorte. E o melhor era que com isso talvez conseguisse revender o cavalo com um pequeno lucro depois de chegar a Nebron.

Para ser franco, eu precisaria vendê-lo assim que me fosse possível, mesmo que perdesse dinheiro na transação. O alojamento num estábulo, a alimentação e o trato de um cavalo como aquele me custariam um lumen por dia. Eu não teria como arcar com sua manutenção.

Amarrei minha sacola de viagem num alforje, verifiquei a cilha e os estribos e montei no lombo de Szeth-Khelin. Ele dançou de leve para a direita, ansioso por partir. Nisso éramos dois.

Dei um puxão nas rédeas e nos pusemos a caminho.