Os dias que seguiram o reencontro na festa foram marcados por uma mistura de expectativas e lembranças. Iara e Ares, ainda processando as emoções da noite anterior, sentiam a presença um do outro, mesmo que não estivessem juntos fisicamente. Havia uma tensão no ar, como se algo estivesse prestes a mudar para ambos, mas nenhum dos dois sabia ao certo como lidar com isso.
Ares passava as manhãs na oficina onde trabalhava, consertando motos e carros. Apesar de gostar do que fazia, sua mente estava inquieta. Ele se pegava, vez ou outra, pensando em Iara e na serenidade que ela trazia. Lembrava de como, durante o passeio, ela falava sobre plantas e a energia da natureza com uma paixão que ele não entendia, mas admirava. Para ele, tudo sempre foi sobre velocidade, sobre não parar para pensar. Mas algo na voz calma de Iara, nas histórias que ela contava sobre a vida simples e equilibrada, plantou uma semente de curiosidade em seu interior.
Iara, por outro lado, estava dividida. Parte dela queria manter distância de Ares, afinal, sabia que o mundo dele era perigoso e repleto de incertezas. Mas outra parte, talvez a mais sincera, queria se aproximar mais. Ela via nele algo que os outros não enxergavam: uma alma perdida, buscando uma razão para a sua própria existência. Em seus passeios diários pela floresta, enquanto coletava ervas ou apenas observava a natureza, Iara se pegava refletindo sobre como a vida de Ares era como um rio turbulento, sempre a ponto de transbordar.
Um final de tarde, logo após uma de suas caminhadas, Iara se deparou com Ares sentado em um banco na praça central. Ele estava distraído, mexendo no celular, mas parecia mais distante do que realmente concentrado. Decidiu se aproximar e sentou ao lado dele, em silêncio. Ele ergueu os olhos e sorriu, um sorriso que mesclava surpresa e alívio.
— Você sempre surge nos momentos certos, Iara — disse ele, guardando o celular e virando-se para ela.
— Talvez porque você precise de alguém para te lembrar de respirar de vez em quando — respondeu ela com suavidade, mas com um olhar que transmitia compreensão.
Ares suspirou, e por um momento, o peso de suas responsabilidades, suas escolhas erradas e o estilo de vida caótico que levava parecia maior do que ele podia suportar. Ele não costumava desabafar, não com sinceridade, mas com Iara era diferente. Ela não o julgava, apenas ouvia, e era exatamente isso que ele precisava.
— Às vezes, me pergunto por que continuo fazendo o que faço. Essa correria, essas confusões... Parece que estou sempre fugindo de algo, mas nem sei do quê — confessou, olhando para o horizonte.
Iara ficou em silêncio por alguns segundos, deixando as palavras dele pairarem no ar. Sabia que Ares não estava acostumado a mostrar esse lado vulnerável, então escolheu suas palavras com cuidado.
— Talvez você esteja fugindo de si mesmo, Ares. Às vezes, a gente corre tanto que acaba perdendo a noção do que realmente importa. Mas acho que no fundo você já sabe disso, só não quer admitir.
Ele riu, mas era uma risada sem humor, quase amarga.
— Você me conhece bem demais, não é? — disse ele, balançando a cabeça.
Iara sorriu e respondeu:
— Só sei que, apesar de tudo, você tem um bom coração. Não precisa continuar nesse ciclo, Ares. Você pode escolher um caminho diferente, se quiser.
Aquelas palavras mexeram com ele. Ares sempre achou que estava preso ao seu destino, que não havia outra alternativa senão seguir o caminho que escolheu quando começou a se envolver com corridas e problemas. Mas Iara, com sua simplicidade, estava ali dizendo que ele podia mudar, que ele tinha escolha.
A conversa foi interrompida quando o telefone de Ares tocou. Era um de seus amigos chamando para mais uma corrida naquela noite. Ele olhou para o telefone, depois para Iara, como se estivesse à beira de uma decisão importante.
— Preciso ir. — Ares disse com um toque de relutância na voz, enquanto se levantava.
Iara assentiu, mas antes que ele partisse, segurou seu braço com delicadeza e olhou nos olhos dele.
— Só... tome cuidado, tá? Não quero receber nenhuma notícia ruim sobre você.
Ares segurou o olhar dela por alguns segundos, sentindo uma mistura de afeto e culpa. Ele sabia que estava preso em um ciclo autodestrutivo, mas pela primeira vez em muito tempo, sentiu vontade de mudar, nem que fosse um pouco, por ela.
— Prometo que vou pensar nisso — respondeu ele, antes de se afastar.
Enquanto ele se distanciava, Iara ficou ali, observando-o desaparecer na noite, com uma sensação de incerteza. Sabia que não podia salvá-lo, mas talvez pudesse ser a luz que o ajudaria a encontrar o próprio caminho. Para Ares, aquela noite seria mais uma entre tantas outras, mas as palavras de Iara continuavam ecoando em sua mente, como uma semente plantada no caos de seu mundo interior.
E assim, ambos seguiram suas vidas, entrelaçadas de uma forma inesperada, mas ainda incerta. O que viria a seguir dependeria das escolhas que fariam, e essas escolhas os levariam por caminhos que ainda nem imaginavam. O destino estava em movimento, e o peso dessas decisões começava a se revelar, mesmo que de forma sutil.