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A Crônica do Contador de Histórias

Após uma vida de poucas conquistas e repleta de arrependimentos, Vanitas recebe uma segunda chance ao reencarnar como um bebê em um mundo onde magia e espadas fazem parte do cotidiano. Determinado a deixar seu passado para trás, ele abraça essa nova chance, vivendo com uma trupe itinerante de artistas da corte. Entre apresentações e jornadas por novas terras, Vanitas aprimora seu talento nato para o alaúde, mas é na magia que seu verdadeiro poder desperta. Sob a tutela da poderosa Arcanista Marceline, ele mergulha nos segredos da simpatia, a arte mágica que, desde o início, acendeu seu desejo de invocar o vento. No entanto, o destino de Vanitas toma um rumo inesperado quando cruza caminho com o enigmático grupo Sombraim, cujos segredos ocultos trazem à tona verdades sombrias sobre o mundo e sobre sua própria reencarnação. Em busca de respostas, Vanitas parte em uma jornada por terras desconhecidas, onde cada nova descoberta o arrasta ainda mais profundamente para os segredos esquecidos da história. Ao longo do caminho ele encontra aliados improváveis, constrói amizades inquebráveis e se apaixona... mas o que realmente aguarda em seu destino é algo que supera tudo isso. Com a chance de mudar o mundo em suas mãos, Vanitas precisa decidir entre seguir o caminho das revelações ou se perder nos laços do amor e da amizade. O peso dessa escolha pode mudar para sempre o curso de sua vida — e a de todos ao seu redor.

porep · Fantasía
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115 Chs

LXXII. GAITA

Havia uma porção de lugares a que se podia ir para ouvir música em Torrente. Na verdade, quase todas as hospedarias, tabernas e pensões tinham algum tipo de músico dedilhando cordas, cantando ou tocando instrumentos de sopro ao fundo.

Mas a Foles era diferente. Recebia os melhores músicos da cidade. Se a pessoa soubesse distinguir música de qualidade da que não prestava, saberia que a Foles tinha a melhor.

Cruzar a porta de entrada da Foles custava um iyane inteiro de cobre. Uma vez lá dentro, a pessoa podia ficar o tempo que quisesse e ouvir tanta música quanto lhe agradasse.

Mas o pagamento à porta não dava ao músico o direito de tocar. Aquele que desejasse pôr os pés no palco da Foles tinha que pagar por esse privilégio: um crimo de prata. Isso mesmo: as pessoas pagavam para tocar lá, e não o inverso.

Por que alguém pagaria uma soma tão escandalosa apenas para tocar? Bem, alguns dos que entregavam sua prata eram simplesmente ricaços decididos a satisfazer seus desejos. Para eles, um crimo não era um preço alto para se exibirem de maneira tão orgulhosa.

Mas alguns músicos sérios também pagavam. Quando seu desempenho impressionava suficientemente o público e os proprietários da casa, eles recebiam uma lembrança: uma miniatura de gaita-de-foles, feita em prata, que podia ser transformada num broche ou num colar.

A gaita-de-foles, concedida pelo talento, era reconhecida como uma clara marca de distinção na maioria das grandes hospedarias num raio de 300 quilômetros ao redor de Torrente. Quem a possuísse podia entrar de graça na Foles e tocar quando lhe desse vontade.

A única responsabilidade implícita na gaita do talento era a apresentação. Quem a recebia podia ser convocado a tocar. Em geral, isso não era um dever pesado, já que os nobres que frequentavam a Foles costumavam oferecer dinheiro ou presentes aos artistas de que gostavam.

Era a versão classe alta de pagar bebidas para o músico no bar.

Alguns músicos tocavam sem muita esperança de realmente receberem a gaita-de-foles. Pagavam para tocar porque nunca se sabia quem estaria na Foles numa dada noite, escutando. A boa apresentação de uma única melodia podia não trazer a gaita-de-foles, mas, em vez dela, proporcionar um patrocinador rico.

Um mecenas.

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— Você não é capaz de adivinhar o que eu soube — disse-me Leif uma tardinha, quando nos sentamos em nosso banco de praxe na praça do mastro. Estávamos sozinhos, já que Alas fora lançar olhares enamorados para uma criada da Grilo. — Os alunos têm ouvido toda sorte de coisas estranhas no Magnólio à noite. 

— É mesmo? — retruquei, fingindo desinteresse.

Leif insistiu.

— É. Alguns dizem que é o fantasma de um aluno que se perdeu no prédio e morreu de fome — disse, batendo com o dedo na lateral do nariz, como um velhote matuto contando uma história. — Dizem que ele vagueia até hoje pelos corredores sem conseguir encontrar a saída.

— Ah.

— Outras opiniões sugerem que é um espírito raivoso. Dizem que ele tortura animais, especialmente gatos. É esse o som que os alunos ouvem, tarde da noite: saído das entranhas de gatos torturados. É realmente apavorante, pelo que entendi.

Olhei para ele. Parecia prestes a cair na gargalhada.

— Ora, desembuche logo — eu lhe disse com falsa severidade. — Vá em frente. Você merece por ser tão tremendamente esperto. Embora ninguém mais use cordas de tripa hoje em dia.

Ele deu um risinho consigo mesmo, deliciando-se. Peguei um de seus doces e comecei a comê-lo, na esperança de lhe dar uma valiosa lição de humildade.

— E então, você vai mesmo tentar?

Fiz que sim.

Leif pareceu aliviado:

— Achei que talvez tivesse mudado seus planos. Ultimamente não o tenho visto carregar o alaúde por aí.

— Não é necessário — expliquei. — Agora que tenho tempo para me exercitar, não preciso me preocupar em agarrar todos os minutos possíveis.

Passou um grupo de estudantes, um dos quais acenou para Leif.

— Quando é que você vai?

— Neste dia-do-luto.

— Tão cedo? Só faz duas onzenas que você andava apreensivo por estar enferrujado. Já voltou tudo tão rápido assim?

— Nem tudo. Vai levar anos para eu recuperar tudo — admiti. Dei de ombros e pus o último pedaço do doce na boca. — Mas começou a ficar fácil. A música já não para nas minhas mãos, ela...

Fiz força para explicar, depois desisti:

— Eu estou pronto.

Para ser sincero, gostaria de ter mais um mês, um ano de prática, antes de apostar um crimo inteiro. Mas não havia tempo. O período letivo estava quase encerrado. Eu precisava de dinheiro para adiar minha dívida com a Devi e pagar a taxa do bimestre seguinte.

Não podia esperar mais.

— Tem certeza? — perguntou Leif. — Ouvi dizer que há gente muito boa arriscando a sorte com um crimo. No começo deste período, um senhor cantou uma música sobre... sobre uma mulher cujo marido havia partido para a guerra.

— Na ferraria da aldeia.

— Sei lá — disse Leif, desinteressado. — Só estou dizendo que ele era bom mesmo. Ri e chorei até doer. Mas ele não ganhou a gaita-de-foles.

Disfarcei minha própria ansiedade com um sorriso.

— Você ainda não me ouviu tocar, ouviu?

— Você sabe muito bem que não — retrucou ele, arrasado.

Sorri.

Eu me recusara a tocar para Alastor e Leif enquanto estava sem prática. A opinião deles era quase tão importante quanto a das pessoas da Foles.

— Bom, neste dia-do-luto você terá sua chance — provoquei-o. — Você vai lá?

Leif confirmou com a cabeça.

— O Alastor também. Salvo terremotos ou uma chuva de sangue.

Olhei para o pôr-do-sol.

— Preciso ir andando — disse, e me levantei. — É a prática que leva à perfeição.

Leif me deu um adeusinho e segui para o Rancho, onde me sentei por tempo suficiente para comer meu feijão às colheradas e mastigar um pedaço achatado de carne dura e cinzenta. Levei o pãozinho comigo, provocando olhares de estranheza dos estudantes próximos.