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A Crônica do Contador de Histórias

Após uma vida de poucas conquistas e repleta de arrependimentos, Vanitas recebe uma segunda chance ao reencarnar como um bebê em um mundo onde magia e espadas fazem parte do cotidiano. Determinado a deixar seu passado para trás, ele abraça essa nova chance, vivendo com uma trupe itinerante de artistas da corte. Entre apresentações e jornadas por novas terras, Vanitas aprimora seu talento nato para o alaúde, mas é na magia que seu verdadeiro poder desperta. Sob a tutela da poderosa Arcanista Marceline, ele mergulha nos segredos da simpatia, a arte mágica que, desde o início, acendeu seu desejo de invocar o vento. No entanto, o destino de Vanitas toma um rumo inesperado quando cruza caminho com o enigmático grupo Sombraim, cujos segredos ocultos trazem à tona verdades sombrias sobre o mundo e sobre sua própria reencarnação. Em busca de respostas, Vanitas parte em uma jornada por terras desconhecidas, onde cada nova descoberta o arrasta ainda mais profundamente para os segredos esquecidos da história. Ao longo do caminho ele encontra aliados improváveis, constrói amizades inquebráveis e se apaixona... mas o que realmente aguarda em seu destino é algo que supera tudo isso. Com a chance de mudar o mundo em suas mãos, Vanitas precisa decidir entre seguir o caminho das revelações ou se perder nos laços do amor e da amizade. O peso dessa escolha pode mudar para sempre o curso de sua vida — e a de todos ao seu redor.

porep · Fantasie
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XXXIX. SAUDADE

Na manhã seguinte, acordei atordoado após apenas duas horas de sono. Busquei refúgio em uma das carroças e passei o restante da manhã mergulhado em cochilos inquietos. Quando o sol já estava alto, percebi que havíamos recebido um novo passageiro na estalagem na noite anterior.

Seu nome era Jon, e ele havia comprado de Rumi uma passagem até Ailen. Tinha modos polidos e um sorriso franco, mas havia algo nele que não me agradava.

A razão era simples: Jon passou o dia inteiro ao lado de Alys, enchendo-a de elogios e, de maneira brincalhona, sugerindo que ela se tornasse uma de suas esposas. Apesar das horas sem dormir na noite anterior, Alys ainda exibia seu habitual frescor e brilho.

Passei o dia tomado por uma irritação crescente e ciúme, embora me esforçasse para manter um ar desinteressado. Orgulhoso demais para me juntar à conversa deles, me isolei. O dia se arrastou enquanto eu remoía pensamentos tristes, tentando ignorar o som da voz de Jon e, de tempos em tempos, recordando a imagem de Alys na noite anterior, com o luar refletido na água atrás dela.

Naquela noite, planejava convidá-la para um passeio após todos se recolherem. Contudo, antes que pudesse fazer isso, Jon foi até uma das carroças e voltou com um estojo grande e preto, adornado com fechos de latão. Ao vê-lo, meu coração se apertou.

Jon, percebendo a expectativa do grupo, abriu o estojo lentamente e retirou um alaúde com um ar de estudada displicência. Era um alaúde de artista de trupe, com um braço longo e gracioso, e uma caixa redonda que me eram dolorosamente familiares. Com a atenção de todos voltada para si, ele inclinou a cabeça e dedilhou o instrumento, parando para escutar o som. Em seguida, assentiu para si mesmo e começou a tocar.

Ele tinha uma bela voz de tenor e dedos habilidosos. Tocou uma balada, seguida de uma canção leve sobre bebida, e depois uma melodia triste, com versos em uma língua que eu não reconheci, mas suspeitei ser tuma. Por fim, tocou "Criaferro Austero" e todos se juntaram ao coro.

Todos menos eu.

Fiquei imóvel como uma pedra, com os dedos doendo de vontade de tocar. "Querer" não é uma palavra suficientemente forte. Eu estava sedento, faminto. Não me orgulho de ter pensado em roubar o alaúde e fugir na escuridão da noite.

Ele terminou a canção com um floreio, e Rumi bateu palmas algumas vezes para chamar a atenção de todos.

— Hora de dormir. Se vocês forem dormir muito tarde...

— ... ficaremos para trás — interrompeu Derick, zombando dele com gentileza. — Já sabemos, mestre Rumi. Estaremos prontos para partir ao amanhecer.

Jon riu e começou a guardar o alaúde. Mas, antes que ele o fizesse, perguntei:

— Posso dar uma olhada nele por um segundo? — Tentei esconder o desespero na voz, tentando que meu pedido soasse como simples curiosidade.

Detestei-me por ter feito a pergunta. Pedir para segurar o instrumento de um músico é como pedir para beijar a esposa de outro homem. Quem não é músico não compreende. O instrumento é um companheiro, uma amante. Estranhos pedem para tocá-lo com irritante regularidade. Eu sabia que não devia fazê-lo, mas não pude resistir.

— Só um segundo?

Vi-o hesitar, relutante. Mas manter a aparência de amabilidade é uma obrigação para um menestrel, tanto quanto sua música.

— Claro — disse ele, com uma jocosidade que percebi ser falsa, mas que provavelmente foi convincente para os outros. Caminhou até onde eu estava e me entregou o alaúde. — Tome cuidado...

Ele recuou alguns passos, fazendo uma ótima encenação de tranquilidade. Mas notei que ficou com os braços levemente curvados, pronto para arrancar o alaúde de mim, se necessário.

Girei o instrumento em minhas mãos. Objetivamente, não era nada de especial. Meu pai teria classificado como um pouco mais que lenha. Toquei a madeira e o aninhei contra meu peito.

Falei baixinho, sem levantar os olhos, com a voz rouca de emoção: "É lindo".

Era lindo. A coisa mais bela que eu havia visto em três anos. Mais bela que a visão de um campo primaveril após anos de miséria em uma cidade pestilenta. Mais bela que Alys. Quase.

Posso dizer, com franqueza, que eu ainda não era eu mesmo. Fazia apenas quatro dias que havia deixado as ruas. Não era mais o jovem dos tempos da trupe, mas também não era um garoto inocente. Havia mudado por causa de Notrean. Aprendi muitas coisas das quais seria mais fácil viver sem.

Mas, sentado junto à fogueira, debruçado sobre o alaúde, senti as partes duras e desagradáveis que Notrean havia moldado em mim começarem a se desfazer. Como um molde de barro rachando ao redor de um núcleo de ferro, elas caíram, revelando algo limpo e sólido.

Toquei as cordas, uma a uma. Ao dedilhar a terceira, percebi que estava um pouco desafinada e, sem pensar, ajustei uma das cravelhas.

— Ei, não mexa nisso — disse Jon, tentando soar despreocupado —, senão você vai desafiná-lo.

Mas eu não o ouvi. O menestrel e todo o resto não poderiam estar mais distantes de mim, como se estivessem no fundo do Mar de Cinthia.

Toquei a última corda e também a afinei levemente. Formei um acorde simples e o dedilhei. O som foi suave e preciso. Desloquei um dedo, e o acorde tornou-se menor, como se o alaúde murmurasse "triste". Mudei novamente a posição das mãos, e o som produziu acordes que pareciam segredos sussurrados.

Sem perceber, comecei a tocar.

As cordas provocaram uma sensação estranha em meus dedos, como amigos que se reencontram após terem esquecido o que os unia. Toquei baixo e devagar, as notas não ultrapassando o círculo de luz da fogueira. Dedos e cordas conversavam, uma dança cuidadosa que traçava os versos de um enamoramento.

E então algo dentro de mim se rompeu, e a música começou a fluir no silêncio.

Meus dedos dançavam, intricados e velozes, tecendo algo etéreo e vibrante no círculo de luz. A música se movia como uma teia de aranha balançada por uma brisa suave, mudava como uma folha rodopiando ao cair, e soava como três anos de Beira-Mar em Notrean, com um vazio por dentro e mãos doloridas de frio intenso.

Não sei por quanto tempo toquei. Podem ter sido dez minutos ou uma hora. Minhas mãos, porém, não estavam acostumadas àquele esforço. Escorregaram, e a música se desfez em pedaços, como um sonho ao despertar.

Levantei os olhos e vi todos imóveis, com expressões que iam do espanto à admiração. Como se meu olhar tivesse quebrado um feitiço, todos se moveram. Rumi se remexeu em seu banco. Os dois mercadores trocaram olhares e levantaram as sobrancelhas. Derick me olhava como se nunca tivesse me visto antes. Layla continuou estática, a mão cobrindo a boca. Alys abaixou o rosto nas mãos e começou a chorar em soluços mansos e desolados. Jon permaneceu imóvel, com o rosto pálido e abalado, como se tivesse sido esfaqueado.

Devolvi-lhe o alaúde, sem saber se devia agradecer ou pedir desculpas. Ele o recebeu com um ar entorpecido. Incapaz de pensar em algo para dizer, deixei-os sentados junto à fogueira e me dirigi às carroças.

E assim passei minha última noite antes de chegar à Academia, usando minha capa como cobertor e cama. Quando me deitei, havia atrás de mim um círculo de fogo, e à minha frente, sombras que se reuniam como um manto. Meus olhos estavam abertos, mas quem de nós pode dizer o que eu estava realmente vendo?

Todos merecem um momento de solidão quando desejam. E, se por acaso houve lágrimas, não me lembro. Afinal, era apenas uma criança, e ainda estava por aprender o que é a verdadeira tristeza.