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A Crônica do Contador de Histórias

Após uma vida de poucas conquistas e repleta de arrependimentos, Vanitas recebe uma segunda chance ao reencarnar como um bebê em um mundo onde magia e espadas fazem parte do cotidiano. Determinado a deixar seu passado para trás, ele abraça essa nova chance, vivendo com uma trupe itinerante de artistas da corte. Entre apresentações e jornadas por novas terras, Vanitas aprimora seu talento nato para o alaúde, mas é na magia que seu verdadeiro poder desperta. Sob a tutela da poderosa Arcanista Marceline, ele mergulha nos segredos da simpatia, a arte mágica que, desde o início, acendeu seu desejo de invocar o vento. No entanto, o destino de Vanitas toma um rumo inesperado quando cruza caminho com o enigmático grupo Sombraim, cujos segredos ocultos trazem à tona verdades sombrias sobre o mundo e sobre sua própria reencarnação. Em busca de respostas, Vanitas parte em uma jornada por terras desconhecidas, onde cada nova descoberta o arrasta ainda mais profundamente para os segredos esquecidos da história. Ao longo do caminho ele encontra aliados improváveis, constrói amizades inquebráveis e se apaixona... mas o que realmente aguarda em seu destino é algo que supera tudo isso. Com a chance de mudar o mundo em suas mãos, Vanitas precisa decidir entre seguir o caminho das revelações ou se perder nos laços do amor e da amizade. O peso dessa escolha pode mudar para sempre o curso de sua vida — e a de todos ao seu redor.

porep · Fantasy
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88 Chs

XXXVIII. PARTIDA

Voltei ao Campo dos Tropeiros, com um saco de viagem pendurado no ombro. Dentro dele, carregava uma muda de roupa, um pão de milho, um pouco de carne-seca, um odre de água, agulha e linha, pederneira e aço, penas e tinta. Em suma, tudo que alguém prudente leva em uma viagem, preparado para qualquer necessidade inesperada.

A peça que mais me enchia de orgulho, no entanto, era uma capa azul-escura que comprei na carroça de um adeleiro por meros três iyanes. Era quente, limpa, e, se meu palpite não me traísse, havia pertencido a apenas uma pessoa antes de mim.

Deixe-me dizer-lhe uma coisa: ao viajar, uma boa capa é mais valiosa do que qualquer outra posse. Se você não tem onde dormir, ela serve de cama e cobertor. Afasta a chuva de suas costas e o sol de seus olhos. Com um pouco de astúcia, você pode ocultar armas sob ela, e até mesmo um arsenal mais modesto, caso seja menos habilidoso.

Mas, além de todas essas vantagens, existem dois motivos que tornam a capa imprescindível. Primeiro, poucas coisas impressionam tanto quanto uma capa de bom corte, inflando suavemente ao redor do corpo na brisa. Segundo, as melhores capas possuem inúmeros bolsos pequenos, pelos quais sinto uma atração irracional e irresistível desde a primeira capa que ganhara de Shae.

Essa capa, como mencionei, era uma excelente escolha, repleta de compartimentos ocultos. Neles, eu guardava barbante e cera, um punhado de maçãs secas, um estojo de pederneira, uma bola de gude num saquinho de couro, uma bolsinha de sal, uma agulha de ponta curva e fio de sutura feito de tripas.

Fiz questão de gastar todas as minhas economias em moedas da República, acumuladas com cuidado, guardando minhas sólidas moedas cealdemas para a jornada. Os lumens eram bem aceitos para pequenas despesas em Notrean, mas o dinheiro cealdamo era universalmente valorizado, aceito em qualquer canto dos quatro reinos de Roshar.

Quando cheguei, um alvoroço final de preparativos agitava o acampamento. Rumi se movia entre as carroças como um animal inquieto, conferindo e reconferindo cada detalhe. Layla, com olhar severo, supervisionava os trabalhadores, lançando comentários rápidos sobre qualquer coisa que não estivesse à altura de suas expectativas. Eu fui confortavelmente ignorado até partirmos de Notrean, rumo à Academia.

À medida que os quilômetros passavam, parecia que um grande peso se levantava lentamente dos meus ombros. Saboreei o chão sob meus sapatos, o gosto do ar fresco e o suave sussurro do vento que acariciava os campos de trigo primaveril.

Me peguei sorrindo, sem razão aparente, apenas pelo prazer simples de estar feliz. Nós, os Therion, não fomos feitos para permanecer em um só lugar por muito tempo. Respirei fundo, quase soltando uma gargalhada.

Mantive-me reservado durante a viagem, ainda não acostumado à companhia de outras pessoas. Rumi e os trabalhadores respeitaram meu espaço. Derick brincou comigo algumas vezes, mas logo percebeu que eu era introspectivo demais para o seu gosto.

Restava a outra passageira, Alys.

Não trocamos palavras até quase o final do primeiro dia de percurso. Eu viajava ao lado de um dos trabalhadores, distraidamente arrancando a casca de um graveto de salgueiro. Enquanto meus dedos trabalhavam, meus olhos estudavam o perfil dela, admirando a linha de seu queixo, a suave curva entre o pescoço e os ombros. Me perguntei o que a levava a viajar sozinha e para onde iria.

No meio de minhas reflexões, ela se virou, me pegando em flagrante.

— Uma moedinha pelos seus pensamentos — disse ela, afastando uma mecha solta de cabelo.

— Estava pensando no que a trouxe aqui — respondi, parcialmente sincero.

Ela sorriu, sustentando meu olhar.

— Mentiroso.

Usei um velho truque do palco para não corar, fiz o meu melhor para dar de ombros de maneira despreocupada e voltei a atenção para o graveto que estava descascando. Depois de alguns minutos, ouvi-a retomar a conversa com Layla. Me senti estranhamente desapontado.

Quando o acampamento foi montado e o jantar colocado no fogo, comecei a perambular entre as carroças, examinando os nós que Rumi havia usado para prender a carga. Ouvi passos atrás de mim e, ao me virar, vi Alys se aproximando. Meu estômago deu um nó, e respirei fundo para me recompor.

Ela parou a alguns metros de distância.

— Já descobriu? — perguntou ela.

— Perdão?

— Por que estou aqui — respondeu, com um sorriso suave. — Tenho pensado nisso a maior parte da minha vida, sabe? Achei que, se você tivesse alguma ideia... — Ela me lançou um olhar irônico, quase esperançoso.

Balancei a cabeça, inseguro demais para entender seu tom.

— Só consegui supor que você está indo a algum lugar.

Ela assentiu, com um ar sério.

— Também foi o que presumi — disse. Ela parou para olhar o horizonte ao nosso redor. O vento bagunçou seu cabelo e ela o empurrou de volta. — Por acaso você sabe para onde estou indo?

Um sorriso se insinuou lentamente em meu rosto. Foi uma sensação estranha. Eu estava desacostumado a sorrir.

— Você não sabe?

— Tenho minhas suspeitas. Neste momento, estou pensando em Ailen — respondeu ela, erguendo-se na ponta dos pés antes de voltar ao chão. — Mas já me enganei antes.

O silêncio caiu sobre nossa conversa. Alys abaixou os olhos para as mãos, girando um anel em seu dedo. Vislumbrei prata e uma pedra azul-clara. De repente, ela soltou as mãos ao longo do corpo e ergueu os olhos para mim.

— Para onde você está indo?

— Para a Academia.

Ela arqueou uma sobrancelha, parecendo dez anos mais velha.

— Que segurança! — comentou, sorrindo e, de repente, pareceu jovem novamente. — Como é saber para onde se vai?

Não consegui pensar em uma resposta, mas fui salvo da necessidade de encontrá-la pelo chamado de Layla para o jantar. Alys e eu voltamos juntos para a fogueira do acampamento.

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Na manhã seguinte, o dia começou com uma atmosfera tímida e desajeitada. Embora ansioso, eu não queria demonstrar. Assim, comecei uma dança lenta em torno de Alys, buscando um pretexto para passar mais tempo ao seu lado.

Alys, por sua vez, parecia completamente à vontade. Passamos o restante do dia como se fôssemos velhos amigos. Rimos de piadas e trocamos histórias. Eu apontei os diferentes tipos de nuvens no céu, comentando sobre o que elas poderiam prever. Alys, por outro lado, viu nelas formas — uma rosa, uma harpa, uma cachoeira.

O dia transcorreu assim, leve e fluido. Mais tarde, quando fizeram um sorteio para determinar os turnos de sentinela, Alys e eu acabamos pegando os dois primeiros. Sem precisar discutir, compartilhamos aquelas quatro horas de vigília. Conversando em voz baixa para não acordar os outros, nos sentamos junto à fogueira, nossos olhos mais atentos um ao outro do que ao que nos rodeava.

O terceiro dia foi quase uma repetição do anterior. As horas passavam de forma agradável, não com longas conversas, mas com o prazer de observar a paisagem e dizer o que nos vinha à mente. À noite, paramos em uma estalagem à beira da estrada, onde Layla comprou ferragem para os cavalos e alguns outros mantimentos.

Layla se recolheu cedo com seu marido, avisando-nos que havia providenciado jantar e cama para todos. A primeira parte foi acolhedora — uma sopa de toucinho e batatas com pão fresco e manteiga. A segunda parte, contudo, era nos estábulos. Ainda assim, era muito melhor do que o que eu costumava ter em Notrean.

O salão da estalagem cheirava a fumaça, suor e cerveja derramada. Fiquei aliviado quando Alys me perguntou se eu queria dar uma volta. Lá fora, o silêncio morno de uma noite primaveril nos envolvia, sem o menor sopro de vento. Conversamos enquanto caminhávamos lentamente pelo pedaço de floresta virgem atrás da estalagem. Após um tempo, chegamos a uma ampla clareira que rodeava um pequeno lago.

À beira da água, dois sinais do viajante se destacavam, prateados contra o negrume do céu e da água. Um erguia-se vertical, apontando para o céu como um dedo. O outro estava deitado, estendendo-se para dentro d'água, como um píer curto de pedra.

Nenhuma brisa perturbava a superfície do lago. Assim, ao subirmos na pedra caída, as estrelas brilhavam em dobro, tanto no alto quanto em seu reflexo abaixo. Era como se estivéssemos sentados em meio a um mar de estrelas.

Conversamos por horas, até tarde da noite. Nenhum de nós mencionou o passado. Percebi que havia coisas das quais ela preferia não falar, e, pelo modo como evitava fazer perguntas, creio que sentiu o mesmo em relação a mim.

Em vez disso, falamos de nós mesmos, de sonhos doces e de coisas impossíveis. Apontei para o céu e disse os nomes das estrelas e constelações. Alys, por sua vez, me contou histórias sobre elas, histórias que eu nunca havia ouvido antes.

Meus olhos se voltavam constantemente para ela. Sentada ao meu lado, com os braços envolvendo os joelhos, sua pele parecia mais luminosa que a Lua, seus olhos mais vastos que o céu, mais profundos que a água, mais escuros que a noite.

Aos poucos, percebi que estava a fitá-la, sem palavras, por um tempo que não consegui medir. Perdi-me em pensamentos, perdi-me na visão dela. Mas seu rosto não demonstrava ofensa, nem diversão. Era como se ela estivesse estudando as linhas do meu rosto, quase como se esperasse por algo.

Senti uma vontade avassaladora de segurar sua mão, de roçar seu rosto com a ponta dos dedos, de lhe dizer que ela era a primeira coisa bela que eu via em três anos. Que vê-la bocejar, escondendo o sorriso atrás da mão, era o suficiente para me deixar sem fôlego. Que, em certos momentos, eu perdia o sentido das palavras no doce cantar de sua voz. Queria lhe dizer que, se ela estivesse comigo, de alguma forma, nada poderia dar errado.

Naquele segundo sem fôlego, quase pedi algo. Senti o desejo fervilhar no peito. Lembro-me de respirar fundo e então hesitar — o que eu poderia dizer? "Venha comigo?" "Fique comigo?" "Venha para a Academia?" Não. Uma súbita certeza apertou meu peito como um punho gelado. O que eu poderia pedir a ela? O que eu tinha para oferecer? Nada. Qualquer coisa que eu dissesse pareceria tola, uma fantasia infantil.

Fechei a boca e olhei para a água. A centímetros de distância, Alys fez o mesmo. Pude sentir o calor dela. Ela cheirava a poeira de estrada, mel e aquele aroma que antecede uma chuva de verão.

Nenhum de nós disse mais nada.

Fechei os olhos.

A proximidade dela era a coisa mais doce e pungente que minha vida já conhecera.