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Vivendo um pesadelo

_Não. Não era. Você tinha câncer.

Os medos que aquelas palavras me trouxeram me deixaram sem fala. Já não queria saber o que seria da minha vida se continuasse lá.

Continuamos caminhando e a beleza daquele lugar, que agora prestava mais atenção, me fez esquecer do mal que acreditava me acometia. Andávamos por uma estrada forrada de gramas e ladeada por arvores de agradável perfume, onde as flores competiam em igualdade de beleza. Esse caminho nos levou a uma imponente mansão. Era toda dourada, da cor do sol, e havia infinitas janelas de frente para a paisagem. Nunca havia visto algo tão grande e tão belo.

_Aqui é como uma espécie de hospital. Ficara aqui durante algum tempo, para que se recupere e esteja pronta para aprender e apreciar as maravilhas desse lugar. Agora vou deixá-la aos cuidados de Antonio, ele a acompanhará.

Segurei em seu braço, quando vi que ia se afastar.

_Não me deixe...- Implorei.

_Sinto muito, Lisa. Mas preciso ajudar alguns irmãos, posso sentir o apelo deles, e essa é minha tarefa aqui. Talvez também terá a sua assim que se recuperar... Prometo vir visitá-la assim que puder.- Ele disse e beijando em minha testa, se foi. Enquanto o observava se afastando sentia que nos veríamos muito pouco. Antonio segurou em meu braço e juntos entramos no grande salão da mansão. Olhando em volta, fora o tamanho, era tudo como uma recepção de hotel de luxo. O mesmo entra e sai de pessoas, o mesmo burburinho, carregadores que levavam e traziam malas, um restaurante com casais conversando, enquanto o discreto garçom lhe servia a mesa. Aproximamos da recepção e o rapaz do outro lado imediatamente pegou um fichário com ar entediado.

_Nome?- Ele perguntou com ar de desgaste como se fizesse aquilo muitas vezes por dia.

_Elizabete.-Respondi omitindo o sobrenome de propósito. Mostrando-lhe que não aprovava sua atitude de indiferença. Ele ainda ficou um tempo com a caneta sobre o papel, como a esperar que continuasse. Como não prossegui , ergueu a cabeça com um sorriso nos lábios. Só então me dei conta de como era belo...Tinha os cabelos e olhos negros e a pele morena que constratava com seu sorriso de dentes muitos brancos fazendo, com isso, que seu charme aumentasse. Acabou que aquela beleza me deixou desconsertada.

_Desculpe, sempre brinco assim com os recém-chegados. É uma forma de descontrair e divertir... E não são todos que tomam a atitude que tomou. Alguns pulam aqui do outro lado do balcão para me bater.

_Não gostei da 'brincadeira' e não posso acreditar que acha isso engraçado...

_Deve ser porque não tem senso de humor.- Ele disse e caiu na gargalhada.

Aquela atitude dele me deixou pasma.

_Acho que esta trabalhando demais. Porque não tira umas férias?

_Férias?!-Ele repetiu e passou a rir mais ainda, e o pior é que Antonio dessa vez o acompanhou. Quando conseguiram se acalmar de sua histeria, ambos se observaram, tristes e sérios. Então entendi. Ali todos têm seu sentimento de vazio. Todos esperam por algo maior em suas vidas. Bem... Não era a única. Não que saber isso servisse de consolo.

_Sou Marcos.-Ele se apresentou .- E quero que saiba que é um prazer conhecê-la.

_O prazer é meu.

_Prefere que sua ficha seja preenchida no quarto? Parece muito cansada...

_Se não for muito trabalho, prefiro sim.

_Trabalho nenhum. Mesmo porque, pedirei ao seu médico que a preencha.

_Porque burocracias aqui?

_Porque nos acostumamos a ela. Seria muito difícil nos adaptarmos aqui, se não fosse a equivalência dos dois mundos. Poucos conseguiriam aceitar a nova situação. Por isso, se mantém esse equilíbrio, até a pessoa se acostumar e entender que pode ser feliz num novo plano.

_Mas para que nos acostumar se vão todos se reencarnar?

_Nem todos...- Antonio, poderia acompanhar Lisa até seu quarto por favor?-Marco pediu entregando as chaves. Não sei se foi algo que disse, mas de repente, ele pareceu-me louco para me ver longe.

_Claro.E... Ele já chegou?

_Já. Mandarei a ficha dela para ele,pois já deve estar esperando.

_Sim. Vamos, Lisa?

_Vamos.

Enquanto caminhávamos minha curiosidade foi crescendo e não pude deixar de indagar Antonio.

_Antonio, me diga quem é "ele"?

_Ele quem? Antonio pareceu confuso por um momento, mas percebi o brilho do entendimento logo depois._Há sim! Falávamos de seu médico.

_ É só isso mesmo?- Quer dizer... Tive a sensação de haver algo oculta...

_Admiro sua perpiscacia.-Ele disse com ar surpreso.- Mas não estou autorizado a falar sobre esse assunto. Sinto muito, mas terá que descobrir sozinha.

_Tudo bem. Não deve ser nada importante mesmo...

Ele não respondeu e continuamos caminhando. Andamos por vários corredores e portas, até chegarmos a uma de número quatro. Daí nova sessão de corredores e portas, até encontrarmos a porta que tinha meu nome numa plaqueta azul. Quando entramos no quarto até me esqueci da presença de Antonio, tamanha foi minha surpresa. Parecia que estava em meu próprio quarto do lar terreno. Fui até a janela e fiquei satisfeita em saber que tinha vista para frente da mansão. Depois passei a observar mais atentamente o quarto que era composto por uma penteadeira,um criado mudo, um armário e fiquei feliz ao abri-lo e ver ali todas as minhas roupas e até uma boneca que guardei das muitas que tive. E minhas roupas estavam dobradas do meu jeito... Como isso era possível? A única diferença, só agora percebia, era uma porta do lado do guarda roupa. Curiosa, fui ver do que se tratava e me surpreendi ao descobrir um fabuloso banheiro, até banheira tinha! E até já estava cheia, então me aproximei para sentir a temperatura d água ...

_Espero que esteja a seu gosto.

Assustei-me tanto ao ouvir essa voz, que quase cai na banheira, não gostei da sensação de ser pega em fragrante como se estivesse fazendo algo errado. O dono da voz era de um homem todo vestido de branco, que estava de braços cruzados, se apoiando no portal. Quanto tempo será que ele ficara me observando? Olhei em volta procurando por Antonio, me lembrando dele,pela primeira vez desde que entrei no quarto.

_Antonio foi cuidar de outros recém-despertados.

Já ia lhe perguntar como sabia o que estava pensando, quando me lembrei a tempo de onde estava.

_Quem é você?

_Sou Gabriel.

_ O anjo?! Perguntei espantada. Poderia eu estar conversando com um anjo? Com aqueles cabelos louros e cacheados e aqueles olhos verdes sem igual, e expressivos!Pele perfeita, boca perfeita... Mas... Não! Ele não era um anjo. Não podia ser com aquele sorriso tão diabólico enfeitando os lábios. Ele era belo. Muito belo. E emanava muita determinação, mas não para o bem. Sentia muita força negativa vindo dele, como sentimentos negativos podiam coexistir ali? Talvez só estivesse confusa. Era melhor não precipitar julgamentos de caráter. Por um segundo, tive a impressão de já tê-lo visto antes, ou me lembrava alguém... Balancei a cabeça para espantar os pensamentos. Estava tão cansada que já estava imaginando coisas. Se realmente já o tivesse visto, com certeza me lembraria, essa sensação não tinha fundamentos.

_Já acabou a inspeção?-Ele indagou entre divertido e impaciente.

Diante de sua observação, abri a boca indignada para protestar, quando então me dei conta de que realmente não havia tirado os olhos de cima dele desde que chegou. Senti antipatia por ele, não por algo que ele dissesse, mas pela mania de culpar os outros pela nossa própria indiscrição. É claro que naquele momento,não pensei assim.

_Sou seu medico e não um anjo como acabou de sugerir...- Ele disse com sorriso sarcástico.

_Não. Claro que não. Mas sem querer ser grosseira, não preciso de você agora. Principalmente alguém tão ... Arrogante. E além disso não estou doente,mas posso acabar ficando se continuar olhando sua cara.-Devolvi no mesmo tom sarcástico.

_ Se não precisasse de mim, lhe posso garantir que seria com muito gosto que a dispensaria, mas infelizmente para você, aqui, quem decide se precisa ou não, sou eu. E trata de tomar um banho!

_Ficou louco? Fora daqui!

_ Não tem autoridade para me dispensar,mocinha. Além do mais ,me parece exausta, pensei que um banho era uma boa idéia. E como seu médico, recomendo que me permita ajudá-la.

_ Estou exausta sim, mas não preciso de sua ajuda seu...Cretino!

_ Calma,só queria ajudá-la, afinal está tão suja...- Ele disse fazendo cara de nojo.

Esse comentário me deixou louca da vida! Não devia estar tão mal assim... Corri para frente do espelho que havia no guarda-roupa e fiquei horrorizada com minha aparência. Meu cabelo sempre tão bem cuidado, parecia um ninho de ratos, meu rosto estava todo sujo e manchado, e meus olhos que sempre foram meu orgulho, pois era de uma cor diferente de cinza, pareciam com um rio poluído. Minha roupa estava toda rasgada e suja... Mas é claro que estava! Afinal, sofri um acidente! Voltei para a porta, de onde ele não havia saído, e parando bem na sua frente, ergui a cabeça para encará-lo (Ele era muito alto), e fitei-o desafiante. Ele parecia estar se divertindo muito com tudo aquilo...

_Olha aqui, acabei de sofrer um acidente automobilístico e morri! Como esperava que estivesse? Limpinha e com o cabelo escovado?

_ Confesso que não seria má idéia.

_Há... Mas é claro! No dia de sua morte,aposto como tomou um banho, se vestiu com sua melhor roupa, deitou na cama, pegou um jornal e ficou lendo enquanto esperava a morte chegar...- Ironizei.

_Fala como se tivesse morrido hoje...

_ E não foi? Afastei-me confusa.

Por um momento, vi uma sombra de compaixão passar por seus olhos, mas foi só por um segundo. Acho até que foi imaginação.

_Está aqui á pouco mais de um mês, segundo o tempo do lar terreno.-Ele informou impessoal,mas senti uma ponta de satisfação malévola, mas não foi o que mais me chocou...

_ Mas, não pode ser! O acidente foi ontem... Acabei de acordar e esta querendo me deixar confusa.

_ E o que ganharia com isso? Pensei que já soubesse...

_ Não me deixariam naquele chão, ao tempo, durante todo esse tempo.

Ele me olhou impaciente.

_ Se dormiu, naquele chão durante quase quarenta e cinco dias é porque não estava tão ruim assim! E foste tu mesmo que não permitiu que a removêssemos. Tentamos ajudar as pessoas, mas não podemos obrigá-las a aceitar nossa ajuda!

_ Quer dizer que fiquei aquele tempo todo... Deus! Todo mundo passando ali e me olhando com ar de desprezo, acreditando que fosse uma mendiga!

_ Como é pretensiosa... Acha mesmo que alguém daqui, perderia tempo em pensar algo sobre tu? Além disso, apesar da semelhança, não estamos no lar terreno. Aqui não temos a sociedade nos cobrando comportamentos absurdos!

Olhei e vi que seus olhos saltavam faíscas de raiva.

_ Como pode ser tão grosso e insensível? Se estava dormindo, como poderia ter consciência que não estava aceitando ajuda?

_ Claro que tinha consciência! Estava apenas se escondendo da verdade. Não queria sair dali, porque ainda tinha esperanças de tudo não passar de um pesadelo e acordar em sua casa, na sua cama quentinha. É uma tola! Então pensou que poderia fugir ao seu destino...

_ Então era esse meu destino? Nada poderia mudar...

_Não, seu destino era muito pior... Acho até que o merecia, mas são desígnios do Mestre Divino, e sua vontade não deve ser contestada.

_ Do que está falando?

_ Você desenvolveu uma doença...

_Câncer. Antonio me falou sobre isso.

_ Então deve saber que deve agradecer ao Senhor, por ter poupado sua mãe de descer ao umbral.

_ O que minha mãe tem a ver com isso?

_ Então ainda não sabe? Não foi por méritos próprios, que escapou a esse sofrimento, mas pelos de sua mãe. A carga seria muito pesada para ela, pois com todo seu egoísmo a atormentaria, jogando toda culpa por sua doença em suas costas e ela não suportando mais ver seu sofrimento e realmente acreditando que tinha culpa, tiraria a própria a vida, para que sua acusadora fosse mais feliz, pensando que pelo menos sobreviveu á responsável por seu mal.

Fiquei ouvindo como se ele contasse a história de outra pessoa. Devia ignorá-lo,pois percebi que não gostava de mim, pois amava muito minha mãe e jamais faria tal coisa.

_Não parece muito contente com essa mudança de planos...- Resolvi provocá-lo.

_ Não fiquei mesmo. Acontece que li seu prontuário e fiquei aborrecido por termos que te atender aqui.

_ Não entendo como pude confundi-lo com um anjo... Tem mais características do... A propósito, quem subornou para estar aqui?

Ele soltou uma gargalhada.

   _ Sabe que tem um senso de humor admirável?

_ Nem todos pensam assim.

_Imagino. Não parece o tipo de garota descontraída, que se diverte com amigos.

_Elogio?

_Critica.

_ Não é nada lisonjeiro.

_Não tinha mesmo a intenção de ser.

_ Que crueldade...

_ Que garotinha sensível...

Por alguma razão, que desconhecia, aquele homem me odiava.

_ Não sou nenhuma garotinha. Sou uma mulher.

Ele me fitou com olhar de indisfarçável desejo.

_ Creio que sim, mas não me importaria que me provasse isso.

_ Olha, como você mesmo fez questão de lembrar, estou mesmo precisando de um banho. E além disso, estou exausta e sem nenhuma disposição para continuar a ouvir seus desaforos. Então, porque não tenta ser um bom menino e dê o fora daqui?

_ Bem que queria, mas não posso.

_ E porque não?

_ Já disse que fui designado para te cuidar. Enquanto não se recuperar, é minha paciente e vai ter que me aturar.

_Meu Deus! Isso é um castigo, uma tortura! Afinal estou no céu ou no inferno?

_ Nem um dos dois.

_ Então é o purgatório. Claro! Estou passando pelo purgatório.

_ Nada disso. Sua vida na carne, era a fase de expiação, para completar um ciclo. Agora esta na fase da progressão. É Hora de pesar os prós e contras de um possível retorno. É aqui que aprenderá a se conhecer e se preparar para mudar de fase. Pode progredir ou regredir, ou até mesmo ficar como está, só depende de você.

_ Se dependesse mesmo de mim, voltaria para meu corpo e continuaria a minha vida. Mas como não posso, no momento gostaria de ficar sozinha. Poderia se retirar por favor?

_ Se tem mesmo certeza que não precisa de uma ajuda...

_ Será que você ainda não entendeu que preciso tomar um banho, trocar de roupa, descansar... Coisa que posso fazer perfeitamente sozinha , sem sua ajuda e sua platéia?

_ Acha mesmo que pode me esconder algo? Seu pudor, não me impediria de vê-la se quisesse, o que não é o caso, através desses trapos que chama de roupa?

_ Porque me agride? O que fiz para merecer seu rancor?

Ele ainda ficou me observando algum tempo antes de parecer tomar uma decisão e virar-se de costas.

_ Não sou seu inimigo. Pelo contrário. Talvez pense assim por algumas vezes, mas tudo que faço é para seu bem. Já o que falo...- Parece que você me faz agir irracionalmente. Sairei para que tome seu banho, mas estarei de volta assim que terminar.

_ Não precisa. Se precisar chamo.

_ Não sou seu criado,menina! Já decidi que ficarei aqui o tempo todo em que ficar aqui!

_ Que espero,não seja muito longo!

_ Pode acreditar que será!

Ele disse arrogante e saiu. Sem perder tempo, tirei minhas roupas e entrei na banheira. Mesmo exausta, fiquei a imaginar porque ele não gostava de mim. Não conseguia entender as atitudes de Gabriel. Fiquei assim a pensar, até que comecei a relaxar e esqueci de tudo. Fiquei muito tempo no banho, nem sei dizer o quanto, mas devem ter sido horas, e o mais incrível, era que a água estava com a mesma temperatura. Sai decidida e escolhi uma roupa qualquer, tentando entender porque ainda tinha as mesmas necessidades de quando estava encarnada, escovei os cabelos e os dentes e olhei para a cama com a intenção de me deitar um pouco, quando avistei uma bandeja sobre o criado mudo, ao lado da cama. Nela havia uma sopa com ótima aparência e um suco da cor da laranja. Sentei-me na cama e comi tudo, me surpreendendo com o sabor sem igual da comida e com o fato de só perceber que estava com fome após esvaziar a bandeja. Deitei-me com a intenção de descansar um pouco e depois sair para procurar alguém que pudesse esclarecer minhas dúvidas, mas acabei pegando no sono.

Assim que acordei me espreguiçando, sentei com a esperança que tudo aquilo não tivesse passado de um sonho e me decepcionei ao perceber que não era meu quarto. Muito parecido, mas definitivamente,não era. Quando fui colocar os pés no chão, pisei em algo macio e recuei assustada. Fui ver do que se tratava e ali deitado estava um homem. O primeiro pensamento, foi de o que será que ele está fazendo aqui? Por outro lado, não conseguia parar de admirá-lo. Tinha pernas lindas, grossas e com pelos dourados. Ele estava só de cueca? Sorri ao constatar isso? Como podia me sentir atraída mesmo depois de morta... Ainda mais com uma simples visão? Segui olhando seus peitos, cada vez mais animada... Dei um pulo assustada e envergonhada. Era Gabriel! Ele estava com a cabeça apoiada sobre seus braços, observando-me com aquele sorriso maldoso nos lábios. E o pior, é que seu olhar era cínico e prepotente. Não restava dúvidas. Ele reconheceu meu olhar de admiração... Nem sei como senti atração. Nem mesmo gosto de louros!

_Então, gostou do que viu?- Ele perguntou, já se pondo de pé.

_ O que faz aqui no meu quarto sem roupas?

_ Sem roupas? Mas do que esta falando?

Olhei e vi que realmente estava vestido. E ele me fitou impaciente.

_ Sei o que aconteceu. Ainda esta misturando sua outra vida com essa e acaba confundindo as coisas.

_ O que uma coisa tem a ver com outra? O que disse não faz sentido algum.

_ Oras, quando ainda estava no lar terreno, se acordasse com um homem em seu quarto, como esperaria encontrá-lo?

_ O que! Como ousa insinuar...

_ Não se faça de inocente. Só porque sua carne morreu, não quer dizer que não tenha desejos.

_ Como é pretensioso! Quer dizer que desejei vê-lo sem roupas,por isso vi?

_Exatamente, quase isso.

_ Mas não desejei nada disso!

_ Há não?

_ Claro que não! E pro seu governo, nem mesmo gosto de louros.

_ Não foi o que pareceu...

_ Olha aqui, como poderia desejar vê-lo, se nem ao menos sabia que estava aqui?

   _ Coração, ainda não entendeu que , até inconsciente, sente quando alguém esta do seu lado? Não só do lado mas a milhas de distancia. Por exemplo, ainda não sentiu as vibrações de seus entes queridos, porque não esta muito ligada a eles.

_ Está errado! Sempre fui muito ligada a minha família.

_ Sei disso. Mas é que agora esta muito ocupada sentindo pena de si mesma.

_ Mas você é muito...

_ Já chega! Não quero me aprofundar em nenhum assunto agora!- Ele disse e pegou um fichário de dentro de uma maleta e sentou-se na beirada da cama._ Preciso fazer sua ficha, alias já era para ter feito a mais tempo, mas como é muito dorminhoca...

_ Quanto tempo dormi?

_ Não deve pensar em tempo aqui.

_ Por favor.

_ No relógio a que estava habituada, umas doze horas.

_ Doze horas! E fala como se fossem apenas alguns minutos.

_ Pense no que acabou de dizer.

_ Tem razão.- Admiti. Tempo ali era insignificante.

_ Ótimo. Nome completo?

_ Elizabete Pamplona da Costa.

Ele parou e ficou me observando, como se estivesse confuso.

_ Liza?

_ Só meus amigos me chamam assim, o que não é teu caso.- Disse arrogante, mas ele pareceu não ouvir, continuando a me olhar como só agora me notasse.

_ Mas como isso é possível? Agora não restam mais dúvidas...- Ele disse baixinho, como falando a sós para si. Será que tinha alguma coisa a ver comigo? Minha vontade de perguntar era grande, mas algo me dizia que aquele não era o momento.

_Está com vinte e quatro anos?

_ Sim... Como sabe?

_ Não percebeu o número ao lado de seu nome na porta?

_ Quer dizer que cada número representa uma idade?

_ Isso.

_ Então, Elisabete, com 24 anos, só tem eu?

_ Claro que não.

_ Mas só vi...

_ Porque não andou por todo hospital.

_É verdade...

Começamos a falar daquele hospital e descobri muitas coisas. Uma delas, talvez a mais importante, era que eu era privilegiada por estar ali, pois muitos espíritos costumavam ficar vagando pela terra, e sentiam fome, frio, e muitas dores. Gabriel deu por encerrado o assunto e após me examinar, saiu sem nada a dizer, mas antes que pudesse piscar já estava de volta, com uma bandeja na mão e colocou sobre meu colo, sem cerimônias. A bandeja continha biscoitos, sucos e gelatina.

_ Coma.- Ele disse e foi até a janela.

Comi tudo em tempo recorde e depositei a bandeja no criado mudo.

_ Como foi que morreu?- Perguntei para levantar uma conversa.

Ele abaixou a cabeça. Algo o incomodava e muito. Mas a atitude dele aguçou minha curiosidade.

_ Ainda não respondeu...

_ Talvez porque não seja da sua conta!- Ele falou irritado.

_ Porque tanto mistério? Alguma história dramática?

_ Ainda não está preparada para saber.- Ele disse se dirigindo á porta com passos largos, mas pulei da cama e o segurei no braço, antes que pudesse sair.

_ Espere! Por acaso tive algo a ver com sua... Morte?

Ele me fitou com olhos frios como aço, mas retirou minha mão com delicadeza.

_Não faça me lembrar da força que me move!- Disse com voz irritada, e entre dentes.

_ Preciso saber! Foi algo que fiz?

_ Não insista mais nesse assunto!- Ele disse e saiu batendo a porta.

De repente, me senti mal, com tonturas e enjôos. Pensei em chamá-lo, mas desisti. Afinal de uma coisa podia ter certeza; não morreria por estar me sentindo assim. Deitei e comecei a lembrar de mamãe, e as lágrimas começaram a caírem pesadas. Pensei em meu noivo e sem que desse conta, comecei a compará-lo com Gabriel. Uma comparação sem lógica, claro. Eu e Julio éramos felizes, nunca brigávamos. Ele era o sinônimo de amizade, gentileza, compreensão, calor humano... Já Gabriel, era grosso, pretensioso, arrogante, tinha os olhos de um verde sem igual, uma pele linda... Parei. O que estava fazendo? Dei um soco no travesseiro. Porque tinha que pensar nele o tempo todo? Afinal era um desconhecido... De repente me lembrei da conversa que tivemos e fiquei intrigada... Porque aquela pergunta mecheu tanto com ele? Será que ainda não tinha se conformado por estar ali? Quanto tempo fazia que havia desencarnado? Eram tantas perguntas sem respostas... Então me dei conta de que não sabia mesmo nada sobre ele, além do nome... E foi pensando em Gabriel que adormeci novamente.

Acordei ouvindo vozes. Não abri os olhos, fingindo que continuava dormindo, pois reconhecia a voz de Antonio e Gabriel, pareciam discutir e o assunto era de alguma pessoa que desconfiava,fosse eu.

_ Tem certeza que deve deixá-la sobre meus cuidados?- Era a voz de Gabriel.

_ Gabriel...

_ Devia ter me avisado que era ela! Deu-me seus dados, mas omitiu de quem se tratava!

_ Fala como se soubesse algo sobre ela.

. _ Não sou idiota! Espero-a a tempo para nosso ajuste de contas, e descubro que estava tratando com ela numa entrevista... – É claro que a reconheci assim que soube seu nome.

_ Como pode ter tanta certeza?

_ Porque ainda tenta esconder? Sinto que é ela.

_ Não deva guardar tantos rancores...

_ Claro. É fácil falar, para quem não sofreu tudo que sofri.

_ Na verdade pensei que ficaria feliz em revê-la.

_ Claro! Mas não pelos motivos que acredita. E por outro lado, significa que, com a presença dela aqui, é chegada à hora de eu reencarnar, e não sei se estou preparado para isso.

_ Não tema. Tudo vai dar certo.

_ Não creio... Sabe tudo que passei para chegar até aqui... Tudo que ela me fez passar! Não quero ter que passar por tudo novamente. Não quero que se repita.

_ Entendo. Mas agora alcançaram outro nível espiritual, acho improvável que regridam.

_ Não é bem assim.

_ Claro que é! Pense! É a primeira vez que se encontram aqui na colônia. Sempre que desencarnavam só se encontravam no umbral ou em meio a tormentos. É obvio que houve uma grande progressão.

_ Mas ainda tenho muitos sentimentos negativos. Sinto vontade de machucá-la, para que ela sinta cada dor que passei.

_ Comete um grande erro a pensar assim. Essa sua obsessão, e ódio só vão acabar destruindo você mesmo.

_ Ela já me destruiu! Agora é minha vez!

_ Será que não entende que tudo que fizer contra ela , o ferirá também? Entenda de uma vez que esse não é o caminho! Não deixe o ódio dirigir suas atitudes,mas permita o amor que está ai dentro libertar-se.

_ Pare com isso! É uma questão de honra, destruí-la! Já que se preocupa tanto, arrume outro para cuidar dela.

_ Infelizmente não posso, é uma ordem diretamente celestial. Mas pense bem no que vai fazer. Você é um bom espírito, caso contrário, não estaria aqui. Cuide dela com carinho, sem deixar que mágoas passadas envenenem você. Está confuso agora, pela emoção de revê-la, sem esperar por isso. Mas essa missão é muito importante para sua volta.

_ Não me fale em volta!

_ Mais cedo ou mais tarde terá que falar sobre isso. Talvez, quem sabe, ela irá ajudá-lo?

Senti que se afastavam, então, abri os olhos. Fiquei muito confusa ao descobrir que não era ali que conversavam, apesar de parecer que estavam do meu lado. Talvez estivessem em outro quarto, ou no corredor, ou quem sabe até em uma outra ala? Não sei a extensão que temos aqui no sentido da audição. Lamentei que não estivessem ali, pois estava curiosa para saber de quem falavam, poderia ser de mim, mas não citaram nomes.

A porta se abriu e pensei que era Gabriel, mas felizmente era papai, Geisa e uma outra mulher que não conhecia. Meu coração se encheu de alegria e corri a abraçá-los.

_ Que bom que vieram!

_ E então? Como está se sentindo minha filha?

_ Melhor agora com vocês aqui. Disse olhando para a moça que estava os acompanhando.

Caminhamos até a cama onde papai me ajudou a cobrir. Aproveitei para observá-lo. Por alguma razão, ele estava nervoso. Vi quando ele virou-se para moça e lhe lançou um olhar curioso. Geisa estava a um canto, com olhar distante e pensativo. A moça que os acompanhavam, devia ter a minha idade. Era muito bonita,e alta.

_Liza...

_ papai, não vai me apresentar à moça?

_ Claro.- Ele foi até ela e pegando em sua mão, a trouxe para mais perto.

_ Meu nome é Alexa.

_ Bonito nome, assim como você.

_ Obrigada.

_ Filha... Alexa e eu... Bem, já nos conhecemos de outras vidas... E...

_ Entendo.-Disse abaixando a cabeça.- Não queria ouvir o que desconfiei assim que a vi.

_ Se importa Liza?

_ E porque me importaria? – Disse com lágrimas nos olhos.

_ Porque choras? – Indagou Alexa se aproximando e sentando na cama.

_ Desculpe... Não pude evitar...

_ Se lembrou de mamãe, não foi?

Todos olhamos para Geisa, que entrava pela primeira vez na conversa.

_ Sim, minha irmã, me lembrei dela sim. Tenho saudades... Ainda se lembra dela?

_ Claro! Eu a vejo sempre.

_ Como?

Geisa olhou para papai, como a lhe pedir desculpas.

_ Tenho que ir.- Ela disse e saiu correndo.

Queria perguntar para papai como Geisa podia ver mamãe. Mas senti que havia um clima de muita tensão no ar, e preferir calar sobre esse assunto. Decidi que voltaria ao assunto anterior.

_ Espero que não fique ressentida, Alexia, mas é que... Bom, não é nada contra você, mas mamãe acredita que quando morrer, vai ficar junto de papai... Sei que é uma bobagem, até tentei dissuadia-la, mas ela não ouve ninguém quando o assunto é esse... Mas sabe, no fundo, também acreditava nisso, e fico pensando na sua decepção, quando ela chegar aqui e ver papai amando outra mulher.

_ Sua mãe, não está sozinha. Nós estamos sempre lhe enviando consolo com muito carinho.

_ Não duvido disso.- Disse sincera.