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Vivendo um pesadelo

Capítulo 1

Antes de começar, gostaria de deixar claro, que não é um livro espirita, apesar da primeira parte ser baseada em estudos feitos sobre o espiritismo. Como eu precisava de um ambiente de um outro mundo, e tirar Elizabete da terra, achei que seria adequado.

REENCONTRO

"Que fazer?"

"Pedir?"

"Como?"

"Senhor, mostre-me o caminho?"

"Ou essa é a missão?"

"Desvendar o segredo de ser

submissa ao que não pode ser

mudado?

"Então, porque meu espírito

se revolta com a renuncia?"

"Ou é obra da carne?"

"Como distinguir?"

"O que é a vontade da carne

e do espírito?"

"Há respostas?"

"Há ajuda?"

Ele entrou dentro do carro e ficou me observando,enquanto esperava suas irmãs se ajeitarem com suas compras no carro. Eu estava encostada em um poste, admirando seus cabelos louros e cacheados, enquanto pensava em como ele se parecia com um anjo. Tinha os olhos mas lindos que já vira... Grandes olhos verdes que me fitavam com um brilho intenso... Não sei se é imaginação, mas parecia que seu olhar transmitia muito amor, pareciam soltar faíscas de paixão. Uma ternura se apossou de mim, me fazendo acreditar que já estivera em seus braços, beijado seu lábio carnudo e ouvido juras de um eterno amor de uma voz rouca e sensual, cheguei até a me deliciar com essa sensação.

Continuamos a nos encarar por um longo tempo... Até que percebi que sorria para ele, porém ele não sorria. Apenas observava. Então senti que ele se despedia... No momento não fiquei triste, e continuei a sorrir-lhe. Até hoje não consigo dizer com palavras o que sentia por ele com justiça... Sei lá... Talvez uma emoção eterna... Um amor que compreende a ausência, que não se desfaz com o tempo. E por alguma razão sabia que era o mesmo que ele sentia por mim. Mas o mais estranho, era que nunca o havia visto antes e mesmo assim era como se já nos conhecêssemos há muito tempo, como se pudéssemos nos comunicar por meio de um simples olhar... Havia algo maior, uma força invisível que nos unia mesmo quando não estávamos juntos. Era com se ele me conhecesse e estivesse me acompanhado por todos os meus caminhos. Era bom imaginar que havia alguém que se alegrava com minhas vitórias e me consolava em minhas derrotas mesmo sabendo que não pudesse vê-lo.

Intuitivamente soube naquele momento que estava sonhando. E junto com essa certeza uma sensação de vazio e perda. Então com o olhar me despedi e então soube que viria a reencontrá-lo... Seus olhos me prometiam isso, enquanto meu coração me alertava insistente, que esse reencontro não seria tão bom o quanto desejava, e um mau presságio oprimia meu peito.

E foi com essa sensação que acordei. Abri os olhos e a primeira coisa que vi foi o céu. Estava claro e com muitas nuvens, e a temperatura era extremamente confortante e agradável. Demorei um pouco para me dar conta de que estava deitada no chão. Levantei-me e distraída bati a poeira da roupa e comecei a andar. Queria chegar logo em casa... Mas...Casa? A agonia se apoderou de mim. Não sabia onde estava, não sabia para onde ir e pior; não sabia nem quem era.

Olhei em volta procurando por algo que me fosse familiar, uma pista de onde estava,mas nada! Era tudo estranho...Para meu desespero não reconhecia nada! Por que será que estava deitada ali? Porque não me lembrava? Dúvidas começaram a se passar por minha cabeça... Será que era uma dessas pessoas que não tinham lar,nem família, um teto, que dormem em bancos de praças e em calçadas, ou debaixo de pontes? Não! Algo me dizia que tinha sim um lar e uma família! Mas então porque não conseguia me lembrar? Ouvi algumas vozes por detrás de um arbusto e fui verificar, talvez encontrasse a resposta ali. Abri espaço entre os arbustos e descobri algumas pessoas que caminhavam por ali tranqüilamente.Confesso que fiquei mais perdida ainda, pois aquelas pessoas que por ali passavam não mostravam qualquer curiosidade sobre a minha presença ali. Ou estava invisível ou eram insensíveis demais para perceberem o quanto estava perdida. Era tudo tão estranho ali. Tudo parecia um sonho. Sentia uma estranha sensação de irrealidade, era tudo tão diferente... Até as árvores,pareciam florescer de uma forma propositalmente perfeitas. Havia uma piscina natural onde crianças de várias idades brincavam despreocupadas. Uma dessas crianças me chamou mais a atenção porque parecia que se assemelhava com alguém que conhecia. Tinha longos cabelos negros e era linda. Por um momento fiquei observando-a, mas assim que ela percebeu saiu correndo e sumiu. Então olhei e vi uma senhora sentada em um banquinho observando divertida, as crianças brincarem.

Aproximei da senhora, que agora mais de perto me surpreendia perceber que apesar dos cabelos grisalhos, tinha o rosto jovem e belo.

_Por favor...-Disse já em seu lado e no mesmo instante ela se virou e pareceu só naquele momento notar minha presença.

_Sim,minha filha?- Sente-se aqui do meu lado.-Ela disse arredando e me dando espaço no banco.Obedeci. Já ia me apresentar, quando me lembrei que não sabia meu nome. Essa realidade fez com que um sorriso irônico se apossasse de meus lábios.Então resolvi ir direto ao assunto.

_A senhora poderia me dizer em que cidade estamos?

_Cidade?!- Ela pareceu-me confusa, então resolvi explicar, pois ela devia estar me considerando uma lunática.

_Não precisa se assustar. É que... Bem, não sei ao certo, mas parece que perdi a memória e não consigo...

_Não minha filha.-Ela interrompeu.- Não estou assustada, é que não estamos em uma cidade. Não como imagina.

_Não?!-Então onde estamos? Em algum parque? Mas mesmo se assim fosse teria que estar em alguma cidade!

Um brilho de entendimento passou em seus olhos e então ela me fitou com compaixão e disse com voz triste;

_Então ainda não sabe...

E antes que perguntasse do que ela falava , continuou;

_Está vendo aquele irmão que está á conversar com a ruiva?

Segui a direção em que ela apontava e vi de quem ela falava. Porque não havia os percebido antes? O homem era um senhor, também grisalho, com um sorriso franco que fez com que me simpatizasse com ele imediatamente.

_Vá até ele minha filha,poderá ajudá-la

Agradeci com um sorriso e me pondo de pé, segui em direção aquele senhor, porém uma dúvida me acompanhava na minha caminhada. Aquela senhora se referia a ele como "irmão", será que me fizeram uma lavagem cerebral? Isso explicaria não me lembrar de nada... Explicaria também aquele lugar estranho,onde as árvores faziam harmonia com as plantas, como num cenário perfeito... perfeito demais para ser real. Tudo parecia ser propositalmente colocado ali para engano. Até o chão era de grama,que mais parecia um tapete fofo. E as pessoas eram assustadoras. Pareciam não se importar com nada ao seu redor. Meu Deus! Onde estava afinal? Sabia que precisava agir com calma e controlar meus temores para não tirar conclusões errôneas.

Quando cheguei perto, percebi que a moça que conversava com ele devia ter mais ou menos a minha idade, o que era bom, pois poderia ser de grande valia uma pessoa que pensasse como eu.Parei bem perto,na dúvida de se interrompia ou não a conversa, e de algum modo ele percebeu minha presença e com um gesto, pediu que aguardasse. Fiquei, então á uma certa distancia, observando os dois conversarem. Era tudo tão estranho! Conseguia entender perfeitamente tudo que ele falava para a moça, mas não compreendia nada que ela dizia. Era como se ela falasse em outro idioma, mas compreendia perfeitamente o que ele dizia no próprio idioma.

De repente, a moça que estava de costas para mim, se virou e me encarou. E após algum tempo, alguns segundos na verdade, seu rosto se transformou e ela me olhou de modo hostil. Na verdade não me importei, imaginando que ela poderia estar enciumada, afinal já havia recebido vários olhares hostis por causa da minha aparência que sempre chamou a atenção dos homens e inevitavelmente o ciúme das mulheres. Desviei o olhar e acabei por me distrair observando as crianças que pulavam na piscina e davam risadas,pareciam tão felizes...

Senti alguém tocando em meu ombro e me virei assustada. Era o senhor de cabelos grisalhos. Ele sorriu gentil e olhei ao redor procurando pela moça, mas ela havia desaparecido.

_Você ainda vai se reencontrar com ela... Vocês têm muito que conversar.

Olhei espantada para ele, pois no fundo senti mesmo vontade de revê-la. Mas foi só um sentimento muito tímido, quase inconsciente e de alguma maneira aquele homem conseguiu captar.

_Quem é ela?-Perguntei antes mesmo que pudesse refrear minhas palavras.Que me importava quem era ela? Havia coisas mais importantes para saber!

_O nome dela é Giovana.

_Há sim...

_Me desculpe não estar presente quando despertou, mas tive alguns contra-tempos com alguns irmãos teimosos, e não pude vir imediatamente, porém agora estou a sua disposição, venha, vamos nos sentar para conversarmos mais à vontade...

_Obrigada pela gentileza, mas se o senhor não se importar não quero me sentar, quero apenas saber onde estou e como faço para sair daqui.

_Calma que já, já terá resposta para todas as suas perguntas.

_Afinal, quem é você? Porque age como se tivesse alguma responsabilidade...

_O! Desculpe-me, esqueci de me apresentar, meu nome é Antônio, e sim, sou responsável pelos irmãos que chegam aqui, para que saibam de sua nova condição.

_Muito prazer Antonio, se soubesse poderia lhe dizer meu nome, mas parece que minha memória está me pregando uma peça, mas isso não vem ao caso, só quero saber como sair desse lugar.

Ele me olhou como se pudesse enxergar o fundo da minha alma.

_Acho melhor se sentar. O que tenho para lhe dizer é algo de vital importância e é melhor que esteja sentada.

Comecei a me desesperar e a ficar com medo. Porque não me dizia logo que lugar era aquele? Pra que tanto suspense para uma pergunta tão simples?

_Olha não quero me sentar! Só quero sair daqui! Acho que me enganei pensando que poderia me ajudar...

_Realmente se você não se sentar e se acalmar vai ser impossível lhe ajudar. Como entendera ou acreditará no que tenho para lhe dizer se está tão impaciente? Assim jamais enxergará a verdade que a rodeia e sua nova condição e seu estado real...

Tentei ler em seus olhos o significado do que acabava de dizer. Suas palavras me soavam tanto sem sentido algum ou mesmo sem foco... mas o que vi e senti foi uma bondade infinita que emanava de todo seu ser, era tão natural que chegava a ser quase palpável. Sem mais uma palavra resolvi me sentar, no que ele me acompanhou silenciosamente. Parecia, ou sentia, não sei ao certo, que ele estava triste, que sentia muita compaixão por mim, mas como poderia se ele nem me conhecia? Não sabia nada da minha vida? Ou será que sabia? Lembrei-me de algo que ele disse e me inquietei com aquelas palavras.

_O que quis dizer com "nova condição e estado real"? Acaso estou doente?

Ele me fitou por alguns segundos, depois virou o rosto e ficou a fitar um ponto qualquer, antes de responder muito sério;

_Não. Não está doente. Na verdade nunca mais ficará doente.

Surpreendi-me com essa resposta. Essa era inédita! Não podendo evitar comecei a rir, até meus olhos se encherem de lágrimas. Quando consegui parar, aceitei o lenço que ele gentilmente oferecia, surpreendendo-me novamente por ele não parecer ofendido com meu acesso de riso.

_Do que está querendo me convencer?

_Não precisa ser convencida de nada... Já tem consciência do que lhe aconteceu... Só precisa aceitar... Na verdade estar assustada é normal e compreensivo. Cada um tenta fugir de uma forma diferente...

_Não sei de nada! Porque não tenta ser mais claro?

_A verdade menina esta na sua frente, porque não tenta aceitar e se resignar com o que não pode ser mudado?

Fiquei séria. Do que ele estava falando?

_Quem sou eu?- Meus lábios se moveram antes que pudesse impedi-los de formular tal pergunta. Foi como um pensamento que me importunava que ao invés de passar pelo cérebro primeiro para ser avaliado e processado com lógica, passou direto, burlando todas as burocracias e saiu na minha voz.

Ele sorriu compreensivo e só então entendi que era melhor não saber por ele. E foi então que aquela moça, que me olhara de modo hostil, ressurgiu do nada e fiquei a observá-la enquanto se aproximava. Era realmente muito linda,com sua vasta cabeleira vermelha e grandes olhos verdes. Olhos que traziam um brilho selvagem e desafiador. Senti que a conhecia de algum lugar.

Antonio se levantou e nos apresentou,mas ela ignorou a mão que estendi. Olhei para Antonio totalmente sem graça e esse, com sua expressão apenas dizia que sentia muito. Ela me olhara com tanto desprezo e depois me virou as costas e voltou-se para Antonio conversando com ele como se o implorasse por algo. Não sabia porque mais aquele descaso me doeu fundo. Sentia-me culpada mas não sabia de que nem porque. Meus olhos se encheram de lágrimas por uma culpa indeterminada. Balancei a cabeça e comecei a considerar seriamente a possibilidade de estar louca. E ali poderia ser um hospício. Como uma garota que nunca havia visto antes podia me despertar tal sentimento de culpa? E afinal de contas para que tanto rancor? No começo acreditei ser por causa da minha aparência, mas não fazia sentido. Ela é linda! Não havia motivos para todo aquele desprezo... A não ser, é claro, que estivéssemos mesmo num hospício. E quando finalmente se despediu de Antonio me lançou um olhar cheio de ódio e rancor. Confesso que fiquei impressionada e cheguei até a recuar diante da intensidade e da força que emanava de todo seu ser. É incrível, mas por um momento até me esqueci dos meus problemas e vendo-a se afastar não pude deixar de perguntar para Antonio;

_Afinal, porque ela me odeia tanto?

_Ela não a odeia. Apesar de ser uma verdade diferente da sua, ela assim como você, se recusa a aceitar fatos inevitáveis.

_Não consigo compreendê-lo. Realmente não sei o que se passa comigo e fala como se fosse proposital minha ignorância do que está ocorrendo.

Ele abriu a boca para me responder, mas se deteve ao avistar algo.

_ Veja! Ali esta a resposta para suas perguntas.

Segui com olhar para onde ele apontava mas não notei nada além de alguém que se aproximava. Continuei sem entender. Quem seria?

Contudo, à medida que se aproximava, comecei a sentir um aperto no peito. Meus olhos se encheram de lágrimas e passei a correr em seu encontro, não precisava mais ver para saber de quem se tratava,meu coração gritava lá dentro; Meu pai! Era meu pai! E de repente, num desses momentos inoportunos de lucidez, parei. Devia mesmo estar louca. Meu pai já havia falecido há anos... Como poderia estar ali? Eu mesma fui ao seu velório. Derramei lágrimas sobre seu caixão... Foi então que um clarão passou por minha cabeça com lembranças confusas, mas afugentei-as com a chegada do meu amado pai. A emoção era muito grande para pensar em conjeturas aquela altura. Se estivesse delirando ou louca ou sonhando que fosse! Queria ficar assim para sempre . Alcancei-o e me joguei em seus braços e fui recebida com um forte abraço e com a mesma intensidade de sentimentos. Podia sentir isso. Era tão real!Afastei-me um pouco, só o suficiente para observar o rosto amado. Sereno, com um pouquinho de severidade. Os cabelos ficando grisalhos dos lados... Parecia ter parado no tempo, não havia mudado nada. Mas quando olhei em seus olhos... Estavam tristes! Ele até tentou disfarçar,mas era tarde. Já havia percebido.

_Pai?

_Sim, minha filha.

_Porque esta triste? Não ficou feliz em me ver?

_Não é nada disso, minha filha... É claro que me alegro em rever-te! Mas é que... É tão jovem ainda...

_Não entendo. Porque diz isso?

Papai não respondeu e olhou confuso para Antonio.

_Nada. Desculpe ter demorado, mas no momento em que Geisa me contou que havia acordado, estava em uma emergência, mas vim assim que pude.

Só então notei a presença da menina que o acompanhava. Geisa era uma menina linda de olhos cinzentos e cabelos negros. Lembrei-me de tê-la visto junto com as crianças que brincavam na piscina... Agora estava ali encostada entre as pernas de papai, também me observando, como uma criança tímida. Ela me lembrava alguém... Mas quem? Voltei o olhar para papai e a comparação fora inevitável. Os mesmos cabelos, os mesmos olhos, a mesma tez... É claro! Geisa é minha irmãzinha caçula! Mas... Meu Deus o que estava acontecendo?! Como ela poderia estar ali se havia morrido há anos?

Foi só então que num rompante me recordei de tudo, de toda minha vida. A minha historia se passava diante de mim como num filme em que era a expectadora... A minha infância... Meus irmãos... Meus pais... Meu noivo... Minha mãe chamando-nos a atenção para não brincarmos na chuva, a correria para nos aprontar para irmos a escola, a felicidade pelo nascimento do mais novo membro da família; Geisa, e o desespero anos depois com sua morte, por causa de uma estúpida pneumonia... O casamento de meu irmão mais velho... Meus sonhos, desilusões, alegrias, dúvidas comum aos adolescentes...

Cláudio! Meu irmão mais velho se chama Cláudio. Depois Emerson, três anos mais novo que Cláudio e dois mais velho que eu... Há sim, agora me lembro, sou Elizabete. Lembrei-me de meu noivo e meus olhos que já estavam marejados deixa uma lágrima cair. Foi meu primeiro amor, meu primeiro namorado. Foi compartilhando com ele que experimentei minhas primeiras dúvidas, minhas primeiras certezas, alegrias, desilusões e a primeira emoção de um namoro escondido. Ele foi primeiro e único. Naquela hora acreditei que jamais amaria um outro homem. Júlio... Que saudade... Ele passou de um namorado carinhoso para um dedicado noivo. Iríamos nos casar e nunca brigamos. Tínhamos um relacionamento perfeito e único... E hoje, pensando em tudo que passei percebi algo que antes havia me passado desapercebido, Júlio sempre esteve comigo. Nos melhores e piores momentos. Na minha formatura, nas festas, no casamento de Cláudio, nas grandes e difíceis decisões, no enterro de Geisa e anos depois, no de papai também. Foram perdas irreparáveis para toda família. Mamãe quase foi junto... Mas os anos foram passando e a dor se transformou em saudade. O sofrimento já não era a característica predominante na família. Apesar de nunca aceitarmos,nos resignamos... Vi o desespero de mamãe quando troquei o carro que ganhei quando completei meus dezoito anos por uma moto. Era um sonho que tinha desde menina; uma moto! E contei com o apoio de meus irmãos... Vi o caminhão que vinha desordenado, e a minha vã tentativa de me desviar, logo depois o enorme barulho de batida e sendo arremessada para um enorme barranco pelo impacto da batida. Sentia uma dor indescritível. Lembro me de ter ouvido vozes ao meu lado e ser removida, depois me senti anestesiada e sem o incomodo da dor cai num sono profundo e acordei naquele lugar.

Como se saísse de um transe, despertei e então olhei todos a minha volta; Antonio, papai, Geisa... Compreendi então o que havia acontecido e as lágrimas brotaram abundantes e molhavam sem cessar meu rosto.

_Quer dizer então que é isso? Morri? Estou morta?

Eles se entreolharam compadecidos, mas não responderam. Ficaram mudos. Mas também não precisava. A presença de papai e Geisa, por si só era a confirmação das palavras que não foram ditas. Sem pensar em mais nada sai correndo. Precisava me esconder daquele pesadelo.Nãoqueria que fosse verdade. Comecei a orar para que acordasse em minha casa, em minha cama, em meu quarto... Corri o mais rápido que pude sem olhar para traz. Na verdade não olhava nem para frente. As lágrimas me ofuscavam a visão... Como saber para onde ir? Acabei por cair de exaustão. E assim fiquei. Caída. Não conseguia parar de chorar. Não queria morrer. Não ainda... Não podia estar morta. Ainda tinha muitos planos para o futuro... Projetos interminados... Era impossível aceitar que não voltaria a ver as pessoas que amava. Era irônico! Pura ironia pensar que após ter pranteado meus entes queridos, agora chorava minha própria morte...Há mamãe... Meu peito doía só de pensar no quanto estaria sofrendo... Mais uma perda... Podia imaginar sua dor... Se tivesse a escutado ao invés de seguir meus impulsos... Mas... Será que mudaria alguma coisa? Será que era mesmo minha hora? Será que nada que fizesse poderia mudar aquela fatalidade? Será que era o meu destino? Já mais calma,Sentei-me no chão e enxuguei minhas lágrimas com as costas da mão. Como meu noivo ficaria sem mim? E mamãe? Ela não agüentaria passar por todo esse sofrimento de novo. E meus irmãos? Meu Deus! Minha cunhada estava para dar a luz e nem conheceria meu sobrinho... E Emerson ia apresentar a namorada à família e não estaria lá para compartilhar de sua felicidade... De repente surgiu uma luz no fim do túnel,talvez não fosse o fim! Havia ainda uma esperança... Talvez pudesse voltar... Mas é claro! Quando estava viva, nunca acreditei na vida após a morte, mas agora que conheço a verdade talvez a outra teoria também fosse verdadeira... A teoria da reencarnação! Mas pensando bem não daria certo. As chances eram poucas e acabei por descartar a idéia. Mesmo que fosse possível retornar, jamais chegaria a vê-los, sabe-se lá em que família nasceria... Não os reconheceria. E meu noivo já estaria muito velho quando finalmente chegasse à idade adulta e certamente casado. Cheguei à conclusão que a morte é mesmo o fim. Fim do passado, fim dos sonhos, fim da esperança no futuro, fim de compartilhar os sabores e dissabores da vida. Perdi tudo! As pessoas que amo, meu passado, meu futuro, meus projetos... Tudo ficou para traz. É horrível não se poder ter controle da vida. Pensava que quando um ente querido partia para outro mundo, a perda era maior para a família, que para aquele que se foi,pois ele não sentiria mais dor,nem frio, nem saudade... Como me enganei. Agora sei que perde muito mais quem parte. Quem continua lá, apesar da eterna sensação de que falta alguém, perdeu apenas um ente querido. Mas a vida continua e pode-se encontrar consolo em outras coisas e pessoas... Mas quem morre vai buscar consolo onde? Se, perdeu tudo e todos de uma só vez?

Daria tudo para revê-los de novo... E dizer tudo que sempre achei que sabiam e por isso me calava. Que os amava! Abraçar mamãe e dizer que não chorasse mais, que a morte era só uma passagem e que quando chegasse sua hora estaria lhe esperando... Se soubesse o que viria me acontecer teria me despedido... Mas por ser jovem, achei que ainda tinha muito tempo. Minha juventude me iludiu e enganou.

_Não se atormente tanto, querida... Ainda irá revê-los.

Ao ouvir a voz de papai,ergui a cabeça e ali estavam papai, Antonio. Não vi Geisa e não me surpreendi por terem me encontrado.

_ Como?

_Ainda não. Primeiro precisa descansar, além disso está muito confusa e precisa aprender e entender algumas coisas.- Antonio disse enquanto me ajudava a levantar.

_Assim como sabia o que estava pensando?Como sabia que queria rever minha família? Ou foi um palpite? Ou coincidência?

_Não existem coincidências, apenas fatos inevitáveis que sempre querem dizer alguma coisa. E respondendo a sua pergunta; sabíamos o que pensava porque lemos seus pensamentos.

_E como fazem isso?

Papai me ofereceu o braço e começamos a caminhar, enquanto me respondia;

_Também poderá fazer, mas primeiro terá que estar consciente e aceitando sua nova condição. Esse é o primeiro passo. As coisas aqui, vão aprendendo devagar, somos como recém-nascidos, aprendendo quase sem perceber.

_ Talvez consiga me adaptar...

_ Vai sim. Mais rápido do que imagina.

_ Papai, nunca sentiu ter nos deixado? Sofremos tanto sua perda... E parece tão feliz aqui.

_ Na verdade, sofri muito.- Ele respondeu sério.- Sentia cada lamento, toda dor e pranto da minha família, e confesso que tudo isso me doía na alma. Era uma verdadeira tortura não poder voltar e consolá-los, dizendo-lhes que estava tudo bem... Mas com o passar do tempo acabei me acostumando. Conformei-me, encontrando compensações...

_Nunca vou me conformar por ter morrido tão cedo. Tinha toda uma perspectiva de uma vida feliz pela frente, como me casar, ter filhos, ter uma vida normal, cheia de pequenas alegrias e problemas eventuais do cotidiano. Foram sonhos interrompidos. Sinto como se a minha vida toda fora roubada violentamente. Não. Não posso me conformar, e nem acredito que há algo que possa compensar esta perda.

_Realmente não é fácil para ninguém. No começo é até natural pensarmos assim, mas depois descobrimos e entendemos que a morte do corpo, não significa o fim, mas o principio de uma nova vida. É só uma questão de tempo para que aceite isso.

_Tempo!- Pelo menos isso não é mais uma ilusão, tenho todo tempo do mundo para digerir que morri.-Disse irônica.

Antonio se aproximou e me abraçou.

_Há algo que precisa saber... E sinto muito que tenha que saber por mim, mas... Não seria feliz como imagina.Ficaria muito doente,Liza. De qualquer forma foi melhor assim. O Grande Mestre Divino a poupou de uma grande dor.

_Do que está falando?-Perguntei intrigada, me desvencilhando do abraço.- Afinal, era uma jovem saudável.