Capítulo 2
♥ Família?
Liam:
Assim que o advogado foi embora, conversei sobre o assunto com Diva. Me surpreendi ao saber que ela conhecia essa história. Segundo ela, meu pai foi expulso de casa ainda muito jovem, apenas por ser gay. Isso fez com que ele cortasse relações com todos daquela família. Abriu mão de sua fortuna e status para viver ao lado do seu verdadeiro amor.
Ainda me pergunto o que leva a um pai a se afastar de seu filho apenas por sua orientação sexual. A sociedade em que vivemos realmente é uma merda. Imagino a dor que uma pessoa tão boa e meiga como meu pai sofreu, ainda tão jovem.
— Você vai se encontrar com essa gente? – Ela me pergunta. Fico calado por um instante, não porque tenho dúvidas, mas sim porque já tenho a certeza da minha decisão.
— Não. Eu não quero conhecê-los. – Digo, por fim. – Se o Léo não quis procurar por eles e muito menos achou importante que eu soubesse de suas existências, é melhor que continue assim.
— Eu também acho. O pouco que sei sobre eles não me passa nem um pouco de confiança. Esse tipo de gente só se interessa consigo mesmo. O sofrimento que fizeram meu Léo passar... jamais os perdoarei.
Diva é uma senhora muito bondosa com todos ao seu redor. Então, escutar essas palavras vindo dela fez com que eu tivesse ainda mais certeza da minha decisão.
Théo:
Chego na mansão e logo sou avisado que meu avô espera por mim no escritório. Tento me recompor e não deixar transparecer o que se passa dentro de mim. Estou ansioso.
Assim que entro no escritório, avisto meu avô sentado confortavelmente em sua poltrona. Apesar de beirar quase os 70 anos, ele ainda é um homem muito ativo e cheio de energia. Fui praticamente criado por ele, por isso nossas personalidades são muito parecidas: somos dois homens racionais e não nos deixamos levar por emoções.
John Mhalison veio da Tailândia para o Brasil ainda muito jovem. Ele construiu seu império do zero e, hoje, é um dos homens mais ricos do país, dono de um canal de televisão muito lucrativo e de muitas redes hoteleiras espalhadas por diferentes cidades. Ele fez sua fortuna com muito esforço.
Apesar de ser frio e nunca demonstrar nenhum tipo de sentimento, é nele que me inspirei a vida toda para ser quem eu sou hoje: o futuro herdeiro de todo o império Mhalison.
— Conhecendo você, sei que já deve saber sobre o que vamos conversar agora. – Ele diz, sem ao menos me cumprimentar.
Pensei em negar, mas realmente o velho me conhecia. Ele me treinou muito bem. Permaneci calado, esperando que ele continuasse.
— Há 30 anos atrás, eu pensei fazer o que era certo. Eu não poderia aceitar a vergonha de ter um filho daquele jeito. – Vovô sorria enquanto falava. Um sorriso frio, que não chegava aos seus olhos. – Eu tinha acabado de ser aceito pela sociedade. Era muito complicado um joão-ninguém como eu conseguir entrar no hall dos empresários. Ser aceito por eles era questão de orgulho.
— Eu entendo. – Disse, após ele ficar momentaneamente em silêncio, mas na verdade eu não entendia nada.
— Não tive contato com o Leonardo por 30 anos. Ele também não veio me procurar, sempre tão cabeça dura. Então, há alguns meses atrás, eu soube da sua morte. Um acidente de carro junto com seu... marido. Bom, essa história poderia finalmente cair no esquecimento, não é? Esse passado obscuro que tanto fingi que não existia. Sim, simplesmente deixe para lá, pensei em dizer. Mas, pelo que o advogado disse, já existia a possibilidade desse tal Liam se infiltrar em minha vida. Fiquei sabendo que ele adotou o menino.
A frase ficou pairando na sala entre nós. Adotado? Esse moleque nem tem nosso sangue? Imediatamente, toda angústia em meu peito diminuiu. Seria praticamente impossível ele ter os mesmos direitos que eu, um legítimo Mhalison.
— Eu quero que você o traga para mim.
— O quê? – O choque que eu senti me fez levantar. – Eu? Para quê o senhor quer se encontrar com ele? Se fosse um neto seu, com seu sangue... mas é apenas uma criança qualquer. Não vale tanto, vovô.
— Eu quero conhecê-lo e sei que você fará o possível para que isso aconteça. – O velho impõe sua vontade, como sempre. – Mandei meu advogado entrar em contato, mas parece que ele se negou a me encontrar. – Vovô diz, batendo a mão de leve na mesa, parecendo levemente irritado – Talvez ele não saiba quem eu sou, então preciso de alguém de confiança para buscá-lo para mim.
— Vovô, é impossível alguém nesse país não saber quem você é. Nosso nome sempre está estampado em algum jornal.
— Então quem esse menino pensa que é para não querer me ver? – Ele pergunta, irritado. Então é isso? Questão de orgulho?
— Aposto que ele está se fazendo de sonso, porque é claro que ele gostaria de se encontrar com você. Se bobear, até se infiltrar em nossa família. – Já estou perdendo a calma. – Vovô, você precisa tomar cuidado com esse tipo de gente.
— Eu quero vê-lo, traga-o para mim. Você é o único em quem eu confio para isso. Sei que será competente para convencê-lo a vir aqui.
Realmente, o destino estava brincando comigo. Eu queria me ver livre dessa pessoa, mas agora teria que ir buscá-lo. Inferno.
Liam:
Dois dias haviam se passado desde que o advogado entrou em contato comigo. Dei o assunto por encerrado, já que nada mais foi dito sobre isso.
Eu, apesar do meu luto, me esforcei e voltei à ativa. Algumas complicações começaram a aparecer na fazenda. Meus pais tinham papéis muito importantes para o bom andamento do lugar. Léo era o veterinário e Alex, o adestrador dos animais para competições. Sem eles, estávamos totalmente fora dos eixos. Teríamos que contratar alguém para ocupar as funções deles. Como? Eu não sabia.
Passei a manhã ajudando um dos funcionários no conserto das cercas que haviam rompido ontem à noite. Sorte que os animais estavam fazendo exercícios em um espaço maior porque, se não, poderíamos correr o risco de algum deles fugir. Eu estava exausto, suado e me sentia imundo. Lama por todos os lados. Antes de entrar em casa, peguei a mangueira, que geralmente era usada para regar as plantas ao redor da casa, e tentei tirar o máximo de sujeira possível. Arranquei a camisa e joguei água em mim mesmo. A sensação de refrescância foi imediata.
Fiquei alguns minutos com os olhos fechados, deixando a água escorrer pelos meus cabelos e, do nada, senti aquela sensação estranha de estar sendo observado. Abri os olhos e me virei devagar. Parado há alguns passos de mim estava um homem que eu nunca tinha visto antes. No calor infernal de hoje, o sujeito estava vestido com um terno escuro que o fazia parecer aqueles CEOs que vemos apenas na TV.
A primeira coisa que veio à minha mente foi: "Puta que pariu, que homem bonito". Nunca tive interesse pelo mesmo sexo mas, pela primeira vez, senti aquela sensação de borboletas no estômago me deixando um pouco desconfortável.
Ele tinha olhos castanhos e intensos, o cabelo também castanho escuro, brilhante e, mesmo sem nunca ter tocado, eu tinha certeza que era macio. Apesar do terno, era fácil ver que seu corpo era todo musculoso e definido.
Eu vi seus olhos saírem do meu rosto e desviarem para o meu corpo, me lembrando de que eu estava sem camisa e molhado. As malditas borboletas ficaram frenéticas outra vez quando ele travou o olhar em meu tórax. Não sei que tipo de sensação era essa, mas me deixou com a garganta seca e muito desconfortável.
— Hã... você é? – Perguntei, ainda me sentindo nervoso.
— Théo. Théo Mhalison.
O olhar dele, que antes parecia tão perdido quanto o meu, do nada mudou. Disse o próprio nome com altivez e ainda me olhou de forma fria, como se segundos atrás não tivesse encarado o meu corpo de um jeito que me fez ter arrepios.
Eu havia esquecido da mangueira em minha mão e, em um movimento involuntário, acabei levantando o braço para tirar algumas gotas de água que ainda escorriam do meu cabelo e acabei molhando o infeliz. Não foi muito, mas foi o suficiente para que ele gritasse de surpresa e desse alguns passos para trás. Quando ele me olhou novamente, seus olhos irradiavam tanta raiva que me lembrou aquelas crianças birrentas quando eram contrariadas. Aquela imagem me fez rir.