III
Assustado e chocado tudo ficou em silêncio, esperando, procurando pelo deus Trovão, clamando por ele, até que, num distante momento ele retornou, se deixando perceber novamente. Foi tão forte sua ausência que, apesar de relativamente calma, que como uma era foi identificada. Assim, com seu retorno, "a era da escuridão e da incerteza", a terceira era, havia passado, com duração de 1,9 eon.
IV
Porém, o deus Trovão continuava sem equilíbrio, incomodado pela certeza indefinível de que algo faltava, de que algo estava incompleto em sua criação. Olhando cada uma das outras criações, que não os anjos e os demônios, percebeu que elas precisavam se sentir vivas e responsáveis, o que o fez se decidir a dar à vida nova parte de sua consciência. Decidido tomou cada ser, e a alguns deu maior e a outros menor parcela de consciência, e ficou feliz ao ver que a luz dos olhos das criaturas se enchiam. Alguns fez vagar na terra, outros no mar e outros no ar; e os fez pequenos e grandes, humildes e orgulhosos. Observando atentamente viu que aquele era o caminho correto, porque sua amargura diminuíra, mesmo sabendo que não estava finalizada sua criação. No ato seguinte, agora mais confiante, criou os entes mágicos, que chamou de entes ou pessoas[1], com faculdades mais limitadas que as dos anjos e demônios para que não tivesse que intervir e justiçar.
Por tempos longos tudo ficou em paz e seu coração se apaziguou, apesar de uma dor pequenina ainda insistir em continuar a latejar, vinda de uma falta não nominada a qual procurava insistentemente ignorar.
Foi num dia em que o aperto no peito estava maior que viu onze cabeças de uma estranha criatura amorfa num canto de seus lugares criados, cabeças de bonecos sem qualquer poder e toscamente animados. As cabeças não tinham enchimento como carnes, sendo apenas linhas de barro endurecido a modos de ossos. Elas tinham linhas mais suaves e esguias que as que criara até então, e eram bem maiores do que as que pusera nas pessoas. Mas o que mais chamou sua atenção foram os rostos, que eram muito diferentes das pessoas, pois tinham um quê de inteligência indômita, de curiosidade infantil e majestade tocante, e de uma humildade verdadeira e inocente que o tocou profundamente. Depressa as tomou e viu o que eram, e as soltou novamente. Os entes estavam criando bonecos de barro, que toscamente animavam.
Procurando os entes viu que era a consciência que dera a eles que fizera aquilo, porque os entes haviam ficado enfastiados, apesar da enorme variedade de raças de entes que criara. Ao verem Tupã em sua presença as pessoas correram e se esconderam sob o chão e sob as pedras e nas profundezas das cavernas mais esquecidas. Mas Tupã achava a todos, e a todos tranquilizava, dizendo que o que haviam feito não merecia castigo. Encorajadas as pessoas levantaram os bonecos sobre as cabeças e pediram que Tupã lhes desse vida. Tupã os avaliou, e falou com sua voz que ribombava nos céus: "A vida que darei a eles pode ser a que irão exigir de vocês". Mas os entes não quiseram ouvir e insistiram para que os animasse. Tupã, movido pela curiosidade e pelo amor que havia nascido pelas novas criaturas, acabou atendendo seus pedidos.
As cabeças de barro que suas criaturas haviam criado cristalizou em pedras de variadas cores e lhes deu poderes e personalidades, tornando-as rainhas de destinos. E mais duas ele fez, de poderes ainda maiores, para que sobre as onze se sobrepusessem. Tupã então tomou os treze bonecos e fez réplicas, porque não queria que desaparecessem as criações de suas criaturas e nem as suas. Com cuidado colocou as caveiras num canto, e as chamou de mutas[2] e de rainhas, e ficou satisfeito com isso. Às réplicas que criara, em número de treze, modificou. Com carinho de um pai o deus Trovão lhes deu membros longos e esguios e corpos que os tornavam mais altos que a maioria das pessoas, e a alguns fez machos e a outros fêmeas, machos e fêmeas os fez, como fizera com as pessoas, e os chamou de homens. Vendo-as, viu que seu coração se alegrava. Satisfeito com as modificações tomou fôlego e soprou em suas narinas, sussurrando um de seus nomes. Enchendo seus peitos eles logo começaram a respirar, e abriram os olhos. Tupã sorriu e chamou as novas criaturas de homens, pensando neles como ponto de equilíbrio para as pessoas, porque elas eram ainda seres muito poderosos e suas guerras muito terríveis.
Olhando o que criara viu que ficara feliz.
Mas, então, eclodiu uma rebelião angélica, causada pelo ciúme dos anjos contra os homens, que não conseguiu pacificar, apesar de todo o carinho que dispendeu em sua solução. Com o coração dolorido Tupã puniu com a queda a parte da coorte angélica que se rebelara contra a sua vontade, originando a primeira queda[3].
Assim terminava a quarta era, que foi chamada de "a era dos entes e dos bonecos de barro", talvez uma das eras mais pacíficas que o multiverso criado tenha experimentado, apesar da rebelião de alguns anjos. Essa era durou 1,33 eon.
[1] (*)
[2] (*)
[3] (*)