No dia seguinte, Nathan decidiu que seria hora de tentar algo mais prático. O exercício com os pingos de água, apesar de sua aparente simplicidade, não estava surtindo o efeito desejado em mim.
Talvez fosse minha impaciência, ou talvez a técnica estivesse além da minha compreensão naquele momento "Talvez eu fosse burro ?". De qualquer forma, eu não havia aprendido nada significativo com aquilo. Nathan, percebendo minha frustração crescente, decidiu variar o treinamento.
Ele se aproveitou da decadência das celas ao nosso redor. As portas de madeira, já velhas e apodrecidas pela umidade constante da prisão, ofereciam o material perfeito para sua ideia.
Com paciência, ele começou a forçar alguns pedaços de madeira solta até que, finalmente, conseguiu arrancar duas ripas que serviriam como espadas improvisadas.
— Vamos lá, garoto — disse ele, me entregando uma das ripas, que tinha o comprimento de uma pequena espada.
— Esgrima é tão mental quanto física. Você acha que está pronto?
Eu, no início, me sentia confiante. Na minha mente aquilo parecia algo que eu poderia dominar rapidamente. Pus-me em posição,meus pés ligeiramente afastados, a madeira empunhada com força na minha mão, senti que aquele momento poderia ser a virada de meu destino.
Mas, como tantas outras vezes, a realidade foi uma decepção.
O primeiro golpe de Nathan foi rápido, quase imperceptível, um estalo seco que se chocou contra minha costela antes que eu pudesse reagir. O impacto me tirou o fôlego, e quase deixei escapar um grito de dor.
— Ouch...
Nathan apenas riu, balançando a cabeça, seus olhos brilharam com algo entre diversão e paciência. Ele apontou para mim com sua espada improvisada e fez um gesto silencioso para que eu ficasse quieto.
— Shii... — advertiu ele, levando um dedo aos lábios, como se o som de minha dor pudesse atrair a atenção dos guardas. — Aqui não é lugar pra princesa chorona. Levanta essa espada de novo.
Ainda respirando fundo, tentei me recompor. Nathan deu alguns passos à minha volta, examinando minha postura. Ele sabia que eu estava lutando contra o desânimo e a dor, mas não demonstrava compaixão. Para ele, isso fazia parte do processo. Mais um passo para o que ele chamava de "forjar o espírito".
— Está abrindo muito — disse ele, criticando minha postura com um toque quase carinhoso no meu ombro, que na verdade era um empurrão forte o suficiente para me desequilibrar. — O tempo de recuperação da sua guarda é ridículo. Mais compacto. Mais rapido.
Eu ajustei minha posição, mantendo meus pés mais firmes no chão de pedra e tentando absorver o que ele dizia. Sentia a madeira na mão, áspera e irregular, o peso distribuído de forma desigual, mas, ainda assim, era o que tínhamos. Meus pensamentos corriam em direção ao desespero, mas eu os forcei de volta. Foco. Era isso que Nathan sempre repetia.
— Vamos de novo — ele ordenou.
Mais uma vez, ele atacou. Dessa vez, previ o movimento. Ou assim pensei. Consegui levantar a espada a tempo de bloquear o golpe... quase.
O pedaço de madeira dele bateu contra a minha, fazendo um ruído seco, mas a força do impacto fez meus braços cederem. Antes que eu percebesse, Nathan havia se reposicionado, deslizando ao redor do meu corpo com a agilidade de alguém que já tinha praticado isso milhares de vezes. Senti outro golpe, dessa vez na lateral do meu ombro.
— Ouch!
— O que é você, uma garotinha ? — Nathan zombou, com um sorriso satisfeito no rosto.
—De novo.
A frustração crescia dentro de mim. Ele me corrigiu mais uma vez, com gestos firmes, seus olhos avaliando cada movimento. Toda vez que eu tentava contra-atacar, ele me desarmava com um golpe simples.
Minha mente fervilhava de raiva devido ao meu lento progresso, mas Nathan se mantinha calmo. Ele sabia que o objetivo era quebrar minha impulsividade, me ensinar o controle ou pelo menos assim eu pensava.
— A esgrima não é sobre força, garoto — disse ele, com a voz baixa e grave. — É sobre precisão. Espera o momento certo. Se você atacar como uma fera enfurecida, vai se cansar antes de sequer acertar seu oponente. Seja paciente e astuto.
Paciente. Aquilo soava como uma piada cruel, considerando as circunstâncias. Eu estava ali, trancafiado, meus dias esvaindo-se como água por entre os dedos. Mas, por mais que quisesse contestar, algo no olhar de Nathan me impedia. Ele sabia o que estava fazendo. Então eu respirei fundo e tentei de novo.
***
Depois de uma longa sessão de prática de esgrima, era hora de mudar o foco. Nathan sempre dizia que a história era uma das maiores ferramentas que alguém poderia ter. "Os erros e acertos do passado estão todos registrados ali", ele costumava dizer. E, como sempre, eu não tinha escolha a não ser seguir suas instruções.
— Hora de estudar... — murmurou Nathan, jogando um de seus velhos livros em minha direção. Eu mal consegui pegá-lo no ar antes que caísse no chão. O título na capa gasta era A História do continente de Asthará e seus Reinos.
*****
O velho Nathan estava realmente me ensinando historia e geografia e eu estava começando a me arrepender daquele pedido.
— O que é Leonna?
Nathanael perguntou
— Conglomerados de reinos menores que se uniram em prol da sobrevivência de seu povo por causa do expansionismo agressivo do império
Respondi de forma automática, repetindo as palavras que ele havia martelado em minha mente por dias a fio. O continente de Asthará, vasto e diversificado, era dividido em sete territórios distintos.
Tecnicamente, seis reinos e um império. Eu não me lembro o nome de todos então os dividi em regiões com cada um com sua própria história, cultura e peculiaridades que moldaram a face do mundo.
A começar pelo nordeste, onde repousava o Reino de Leonna, um domínio jovem, forjado nas sombras das montanhas geladas e nevadas. Leonna era um refúgio para aqueles que fugiram do império—rebeldes, dissidentes, e raças antigas que, em tempos remotos, já caminhavam por aquelas terras.
Embora predominado por humanos, Leonna carregava a essência de várias culturas, criando um reino que, apesar de jovem, não era menos orgulhoso do que qualquer reino milenar à sua volta.
Ao norte, além dos mares tempestuosos, o arquipélago de Drakkin dominava os ventos. As ilhas de Drakkin eram lar dos Vollkarn, um povo rude e destemido, navegantes intrépidos que rasgavam os mares como se fossem extensões de sua própria terra. Dizem que os Vollkarn veneram dragões e que seus guerreiros desejam morrer gloriosamente em batalha, tornando-os uma ameaça constante no continente, eles gostam de cantar ,lutar pilhar e saquear , eu digo que eles se assemelham mais a piratas do que a qualquer outra coisa.
A oeste e noroeste, estendia-se a vasta Floresta de Nálëriandor, um reino selvagem porem com muitas historias contanto sobre majestosas construções dentro da floresta que abrigava os elfos. Suas árvores eram antigas, tão altas que pareciam tocar os céus, e o próprio solo da floresta parecia pulsar com a energia dos espíritos.
Os elfos, guardiões desse reino, mantinham uma distância respeitosa dos demais povos, preferindo a solitude e o mistério que envolvia suas terras. Porém isso não fez com que o império deixasse de travar guerras com esse povo, o que gerou sangrentas guerras seculares que duram até hoje.
Descendo ao sudeste, nas cadeias de montanhas que se erguiam como muralhas naturais, encontravam-se os reinos dos anões. Em suas profundezas acredite ou não, os anões cavavam incessantemente, extraindo riquezas inimagináveis das entranhas da terra. Suas fortalezas subterrâneas eram inexpugnáveis, mas o'que mais chamava a atenção do mundo era o trabalho em metais dos anões a habilidade daquele povo era inigualável um trabalho de mestre de um ferreiro anão poderia valer tanto quando uma grande fortaleza dos humanos talvez até mais…
Existia tambem o imperio… bem o imperio era o imperio, era grande repleto de pessoas pomposas e orgulhosas, não parecia ser um lugar para estrangeiros, e eles odeiam os "Æthar" eu não deveria ir para esse .
Por fim, havia as terras bárbaras. Selvagens, indomadas e habitadas por tribos nômades que vagavam pelo sul, sudeste e até o oeste. Nessas planícies vastas, onde nenhum reino ousava reivindicar domínio, tribos guerreiras viviam segundo seus próprios códigos. Eram grupos errantes, muitas vezes mais letais do que qualquer exército, pois as terras bárbaras eram um deserto implacável onde apenas o forte sobreviveriam as pessoas que viviam naquele lugar migravam de oásis a oasis buscando meios de sobreviver.
Nathan acenou com a cabeça, satisfeito. — Certo. E o que se pode aprender com isso?
Eu parei por um momento, organizando meus pensamentos. — Juntos, resistimos.
— Ótimo — disse ele, um sorriso discreto surgindo em seu rosto. Ele nunca demonstrava muito, mas eu sabia que, de alguma forma, o agradava quando eu absorvia o que ele ensinava.
Assim, por meses, nossa rotina se repetia. De manhã, cavávamos o túnel que nos daria uma chance de escapar. À tarde, praticamos esgrima até meus braços cederem de exaustão. E à noite, estudávamos história. Nathan dizia que, se conseguíssemos sobreviver a tudo isso, eu sairia dali mais preparado para o mundo do que jamais fui antes.
E, a cada dia, eu começava a acreditar mais nele.