O que estava a sua frente era a visão que ele viu a alguns dias atrás, o portão de ferro gasto e velho que era a entrada para a propriedade do orfanato denegrido atrás dele. Do mesmo jeito que antes, ele estava com a coloração laranja em algumas partes. Não importava como ele olhava para aquilo ou se era sua segunda vez vendo, somente aquele portão dava um sinal que o ambiente estava abandonado. Brandon desceu da carruagem e estava de frente a ele, encarando-o. O portão que é a passagem para um inferno para as crianças.
Ferion estava instruindo o que os soldados deveriam fazer antes dele entrar. Eles deveriam ficar do lado de fora, esperando o momento caso o suspeito tente, de alguma forma quase impossível, escapar. Os cavaleiros que os acompanharam naquele dia, Nott e Oliver, cujo nome Brandon perguntou a Nott depois, estavam participando também. Ambos entrariam junto com eles novamente, principalmente Nott, que queria ajudar as crianças e tinha rancor do diretor que dirigia aquele local. Os dois estavam do lado de Ferion, assistindo às ordens serem emitidas e todos tomarem suas posições.
Quem passasse na rua naquele local estava curioso para o que estava acontecendo, então um punhado de pessoas estava parada pela rua observando o que acontecia. Um grupo de soldados parados em frente a um prédio, ainda que não fosse tão incomum, era estranho que estivesse acontecendo naquele local. O bairro que o orfanato estava não era uma favela e nem uma área tão empobrecida, só não era um dos pontos principais da cidade.
"Está tudo pronto?" Brandon pergunta, ao ver Ferion se aproximar dele e ficar ao seu lado. O nobre o olha e assente.
"Você se lembra o que tem que fazer, certo?"
"Sim, me lembro."
Obviamente, Brandon se lembrava. Eles discutiram os planos e a forma como deveriam operar durante esses dias. Não era algo que demorava muito tempo, mas um acidente em uma das minas do condado tomou um pouco do tempo do conde e de seu filho, então não tinham como discutir isso em detalhes. No entanto, com a ajuda de Nott sobre a planta do edifício, foi decidido de uma maneira eficaz, mas isso dependerá se sua parte for bem. Claro, havia um plano reserva, caso esse não desse certo.
Dessa vez, Nott empurrou o portão e o abriu, deixando a passagem para que os outros três passassem. Ele devolveu a posição original, ouvindo o barulho do metal rangendo bem alto, e seguindo seu jovem mestre até a porta do prédio. A terra estava ainda mais seca do que dias atrás, mas tudo permanecia como a primeira vez. Vazia e silenciosa. Sem uma única alma infantil brincando naquele gramado sem vida.
Porém, eles sabiam o motivo para isso agora.
Pouco antes de Ferion bater na porta de entrada, Brandon se afastou deles e foi se esconder embaixo de uma das janelas, de forma que não ficasse visível para o diretor quando fosse cumprimentá-los. O ruivo tinha sua própria tarefa e era a de procurar provas que comprovem os relatos ditos por Nott. Se ele estiver certo e ainda acontecer os abusos infantis, suposição que até o herdeiro da casa Miller acredita ser altamente possível, ele deveria revelá-los enquanto o nobre estava na sala de recepção com o diretor e as crianças.
Tal estratégia era uma forma eficaz de prendê-lo se for comprovado. Duraria menos tempo que uma investigação formal feita pelo governo. E como foi descoberto pelo pessoal do conde, o senhor do território teria o domínio de lidar com a situação. As leis do império impedem um governo quase absoluto dos nobres sobre as terras que são responsáveis. Era uma garantia de proteger os plebeus contra tirania dos senhores que se acham reis por suas responsabilidades e uma forma de conservar a autoridade da família imperial.
Ainda que não fosse das melhores, o importante era o resultado.
Brandon se escondeu, de forma que não fosse perceptível para quem abrisse a porta da entrada, mas ele também mal via seus companheiros, dependendo de sua ótima audição. O som de passos se aproximando com a batida de Ferion na porta de madeira foi contínua pela sequência que foi o girar da maçaneta e os gritos das dobradiças. Ele não conseguia vê-lo, mas pensava que no rosto velho e enrugado, havia um sorriso gentil, com o propósito de esconder a verdadeira face daquele homem.
"É você de novo. Não esperava que você viesse tão cedo." A voz alegre do homem foi ouvida. "Normalmente, os visitantes demoram uma semana para virem com o intervalo entre as visitas, mas você até que foi rápido."
"Eu quis vir logo." Assim como da primeira vez, Ferion foi curto e grosso. De maneira que não tem como ser mais claro.
"... Claro." O homem pausou. Brandon queria ver como estava o rosto do homem ao receber palavras que poderiam ser consideradas rudes por outros, mas ele não podia. "Por favor, me sigam. Eu deixei as crianças preparadas para caso vocês viessem mais cedo, de qualquer maneira."
Terminando tais palavras, ele ouviu os primeiros passos seguindo para dentro da entrada. Três pares de pés e seus sons seguiam na mesma direção e ele conseguia ouvir tudo com clareza. Não havia uma única conversa entre o grupo e o homem que os guiava. Cada momento eles estavam ficando mais e mais longe, até que se tornassem tão distantes que não pudesse ser facilmente escutado.
Brandon, percebendo que esse era o momento certo dele entrar, saiu de seu esconderijo e caminhou com passos leves e sem fazer um único ruído até a entrada, abrindo-a de forma completamente silenciosa também. Ele andava com cuidado, como um ladrão que ia roubar algo de uma casa. Ele desenvolveu tal habilidade a alguns anos quando James fugiu para algum lugar e tinha que ser pego ou quando algum bicho de estimação havia escapado, apesar de ser um pouco desleixado e fazia alguns barulhos.
O clique da porta foi escutado quando ele desceu a maçaneta e empurrou para dentro. O corredor que tinham andado estava à frente e a escada que levava ao primeiro andar estava praticamente ao lado. Como da primeira vez, não conseguiu ouvir um único som de crianças rindo ou de algo se movendo. Era incrível que ele não conseguia escutar, pois sua audição era muito melhor que a das outras pessoas.
Com todo o cuidado, ele fechou a porta e a luz de fora parou de iluminar adentro pela entrada. O ambiente estava claro, pois estava de dia. Os quadros ainda estavam em posições estranhas e os móveis continuavam velhos. Não parecia haver nenhuma mudança no local depois que eles partiram e expressaram que voltariam. Brandon achava que o homem tentaria, ao menos, melhorar a decoração para quando eles voltassem com o dinheiro que ele havia desviado. Mas isso, aparentemente, só fora seu pensamento.
Ele olhou para o corredor e não parecia que ninguém estava vindo, ele tinha certeza que todos estavam na sala de recepção do orfanato. Virando-se, seus pés foram em direção às escadas. As escadas eram feitas de madeira e eram gastas, mas sua construção combinava com o interior do prédio. Se fosse nova, poderia dizer que é até bela. Brandon via algum senso estético de quem projetou o lugar.
'Por favor, não ranja.'
Bem, ele subiu. Apoiando sua mão no corrimão, ele pisou cada degrau com medo de que fizesse algum barulho de madeira frouxa e de atrair atenção indesejada de uma sala específica. Porém, contra seu receio, ele conseguiu chegar ao final sem nada ruim ter acontecido. Um suspiro de alívio foi feito por seus lábios vermelhos.
'Agora… Tenho que achar o escritório.'
De acordo com as informações que Nott deu durante a montagem do plano e as instruções que Ferion havia lhe ordenado, ele deveria ir primeiro ao escritório do diretor e pegar as chaves que ficariam no chaveiro em cima da mesa. Ela é usada para trancar os "delinquentes" em um quarto vazio e sem luz. O homem não andava com elas, pois se dizia ser um incômodo, além de achar que nenhuma daquelas criaturinhas que ele era obrigado a cuidar iria se rebelar contra ele. Arrogância pura o tornava imprudente, e isso era um bom fator a ser explorado.
O corredor era do mesmo jeito que o amigo de Brandon havia descrito. As paredes eram brancas e havia algumas decorações penduradas de maneira correta nelas. Não havia quase nenhum móvel nela e os que tinham eram ainda mais velhos do que os do andar debaixo. Também havia uma escada próximo de onde subiu, levando para o segundo andar, onde, de acordo com Nott, era utilizado como depósito e entulho.
Porém, diferente do andar inferior, Brandon conseguiu ver divergências entre elas. As paredes estavam descascadas e havia arranhões e uma cor amarelada nelas. Tão mal-cuidada e suja que chegou a lhe dar um pouco de nojo. Também havia alguns detalhes que discordavam do que Nott havia lhe falado. Uma raiva silenciosa cresceu um pouco em seu peito ao pensar que crianças viviam ali sob o comando de um homem horrível em tais condições. Sua simpatização com elas havia subido e a determinação de achar logo o escritório aumentou.
'Maldito desgraçado. Onde está o escritório para terminar logo com isso e prendê-lo?'
Ele parou em frente a terceira porta ao virar para a direita ao subir as escadas. Era o local que Nott havia dito ser o local que o antigo diretor e o atual trabalhavam. A porta era a única que viu em excelentes condições desde que pisou naquele local. Ele achava que caso tentasse arrombar alguma, ela cairia antes mesmo dele tocá-la. Havia também uma placa com o nome de "Diretor" escrita em letras maiúsculas. Representação clara de que era o local certo e não mudou com o passar dos anos.
Bem, ele abriu e o interior foi revelado. Tão bem cuidado que poderia ver o chão brilhando de tão limpo que ele estava. A sala não continha nenhum grão de pó ou qualquer partícula de sujeira. Também estava bem organizado, como se o dono do cômodo se importasse tanto com aquele local. A mesa pouco próxima ao centro continha papéis e livros bem posicionados e um papel dobrado em frente à cadeira também estava lá. O chaveiro que ele procurava não estava lá, mas ele viu umas chaves sob um pote em uma das estantes com livros, então supôs que seriam as certas.
'Encontrei.'
Com um aceno de cabeça, ele pegou as chaves. Ele deu uma última olhada na sala, para ver se havia algo que possa servir como evidência durante a investigação que eles abriram contra ele, mas não havia nada. Sequer o papel na mesa era algo importante. Ele estava totalmente em branco, possivelmente para que pudesse ser escrito em algum momento.
Saindo da sala, ele foi de encontro até uma das últimas portas do corredor que ele passou. Era a entrada para onde os "delinquentes" ficavam no castigo quando não obedeciam às ordens ou as regras que o diretor havia estipulado. A "Sala da Reflexão". Esse cômodo era para ser a área de isolamento, uma das que Nott havia contado, e uma outra era usada para punição, para as crianças não verem o que ele fazia, apesar de que não vissem diretamente, sempre viam os roxos surgindo na pele da vítima das agressões.
Ela também estava desgastada, mas parecia resistente de alguma maneira. Brandon rapidamente pega as chaves que ele conseguiu e procurou qual funcionaria na fechadura. Felizmente, não havia muitas e era o chaveiro certo, assim como Nott havia dito. Foi um milagre que ele não teve que voltar e procurar outro molho de chaves.
A porta foi aberta e a luz do corredor iluminou o ambiente envolto em escuridão. Estava tão escuro que se fosse Brandon quem estivesse dentro, ele não veria um palmo de sua mão à frente, nem se colocasse ela em seu rosto. Um cheiro estranho e desagradável chegou até seu nariz, enrugando-o. Suas mãos automaticamente puxaram sua camisa para cima e apoiaram a parte do tecido, tampando e filtrando um pouco daquele mal cheiro.
'Além de ser muito escuro, cheira muito mal também…'
Deixando tal cheiro de lado, agora que seu olfato está devidamente tampado, Brandon vasculha a sala com um olhar, procurando alguém que se parece uma criança. Ele estava procurando um menino de onze anos. O garoto deveria estar de castigo, de acordo com as informações de Ferion.
O homem nobre havia suspeitado no dia da visita ao orfanato. Quando as crianças estavam todas enfileiradas à sua frente, era fácil deduzir quantas eram, no entanto, o livro de registros comprovava que havia mais uma que ele não conseguiu encontrar. Ele não poderia saber quem era, mas os números de crianças paradas ali para serem adotadas e o número de crianças que estavam registradas não se igualaram.
Por isso, quando estava prestes a sair dali e ir na outra sala para verificar com a testa franzida levemente em desagrado por não consegui-lo achá-lo, ele viu de relance uma figura imersa naquela escuridão. A presença da figura era tão tênue que parecia que ela não estava ali em momento algum e que se materializou magicamente. Era incrível, e ao mesmo tempo triste, que tal pessoa conseguiu se tornar quase um com o estado do ambiente.
A figura foi ficando um pouco mais clara com o passar do tempo que os olhos verdes de Brandon se acostumaram com a escuridão adentro. Ele viu o garoto encolhido na parede, com os braços amostra e os joelhos no rosto. Não dava para ver se a criança estava acordada ou dormindo daquela forma, já que não viu nenhuma cama ou sequer um colchão naquele espaço grande. Ele ainda não conseguiu conter o espanto ao perceber que as janelas estavam todas cobertas, que não eram cortinas, e que nenhuma luz conseguia entrar através delas.
'Não, não vamos pensar nisso. Foque na criança, Brandon.'
Os sons de seus passos ecoavam naquele quarto escuro e silencioso. Ciente da presença que se aproximava e os ruídos que se tornavam cada vez mais próximos, o corpo pequeno começava a tremer e Brandon conseguia sentir a ansiedade do menino a sua frente.
Movido pela curiosidade, o garoto virou lentamente a cabeça para ver o homem que viria para espancá-lo ou entregar-lhe a refeição do dia. Se fosse um dia comum, o diretor teria começado a gritar ou falar de maneira tão rude antes de ameaçá-lo ou menosprezá-lo. Contudo, o homem não havia falado nada, somente se aproximando dele; era ainda mais assustador. O silêncio e a tensão de ser subitamente espancado era o suficiente para que uma inquietação começasse pelo corpo inteiro e água começasse a juntar nos olhos. Ele ainda tinha lágrimas para derramar.
A criança olhou para a sombra do homem que estava se aproximando, até que ele viu a cor avermelhada em seus cabelos e os olhos verdes que lhe davam um olhar de simpatia. Ele estava confuso como ele havia chegado, abrindo e entrando ali, além do que ele pretende fazer. Seu corpo tencionou, com medo de que ele também lhe agredisse e rapidamente se afastou um pouco dele, fazendo com que os passos de Brandon.
Os olhos verdes que se destacavam nas sombras das luzes em suas costas estavam em direção a criança. Brandon se abaixou, ficando na mesma altura que a criança que o olhava com desconfiança, suspeita e medo. O pequeno corpo tremia com os próximos atos do desconhecido que entrou no quarto que deveria ser um local sem chance de entrada além do diretor. Se ele estava ali, queria dizer que poderia ser a mando daquele homem que o jogou ali.
'Como eu o abordo?'
Nenhum dos dois falou nada, além de se encararem durante alguns instantes. Brandon foi o primeiro a romper o silêncio entre eles.