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Capítulo 6 - A chegada dos inimigos

Localização; Arcádia - Floresta

O silêncio era ensurdecedor enquanto Maeve e os outros esperavam a chegada do inimigo.

Não demorou.

Uma fera negra surgiu de longe.

O demônio estava só, tinha quatro patas, e andava apenas com as duas traseiras.

Pela distância, não era possível enxergar os detalhes, porém, Maeve com sua visão superior às outras, vislumbrou as garras enormes e curvadas, que paralisavam aqueles que eram cortados por elas.

Os seus dentes gigantes, densas lâminas amarelas, que lembravam os caninos fortes de um leão, pareciam muito mais perigosos e cortantes do que era visto.

A criatura avançava devagar, envolta em uma aura esquisita, e no lugar de seus olhos existia apenas um oco negro, desprovido de qualquer sinal de vida ali, apenas morte. Seus cabelos longos eram ralos, com inúmeras falhas em sua cabeça.

Foi a coisa mais horrenda que Maeve havia visto na sua curta vida, mas ela nunca esperou muito dos demônios.

Por um instante a fera pareceu olhá-la, paralisando o tempo e avaliando-a minuciosamente, fazendo um frio súbito percorrer pela espinha da princesa. No instante seguinte, o demônio, cujo sorriso era macabro, estava correndo desesperadamente até eles.

A respiração de Maeve parou, seu sangue gelou, mesmo com o seu peito batendo freneticamente, e naquele momento, a pequena princesa sentiu medo.

Sor Ichirro, que estava na dianteira das serpentes, não parecia nada impressionado ou medroso, e guiou seus passos decididos para fora da barreira, com tanta facilidade que Maeve o observou de boca aberta.

Ele olhou para a princesa sobre o seu ombro, e disse com repreensão.

— Medo não combina com você princesa. Ele só serve para os fracos.

O comandante valente, voltou sua atenção para o perigo, posicionando a sua espada exposta no seu ombro, e correndo em seguida até o demônio violento que vinha atacá-los.

Em pouco tempo, os dois corpos colidiram, um comum, e o outro o oposto de humano, se assemelhando a troncos de árvores descascadas e espessas, que se enroscavam umas nas outras quando não tinham para onde ir.

Sor Ichirro golpeava o demônios nos braços, fazendo-o sangrar negro na presença de todos, que gritavam contentes com o banho de sangue.

A fera fez um grunhido insuportável ao ser atacado, e buscou se defender habilmente com o seu rabo, que Maeve não havia visto antes, mas agora o analisava de relance, era pontudo e longo, e facilitava em momentos como esse, onde o demônio poderia chicoteá-lo no rosto do comandante com facilidade, porém, o homem foi mais ágil, e abaixou-se rapidamente para desviar do golpe.

— Não fiquem parados! Lutem! — Drazhan ordenou em urgência. — Soldados, em posição! Preparem os cavalos! — O rei brandiu a sua espada, e a levantou aos céus. — Serpentes não se curvam nas suas batalhas!

Os homens repetiram um grito de guerra, sem nenhuma palavra dita, e montaram nos seus animais com presteza, deixando a barreira com coragem, e cavalgando com as suas armas até a floresta, em busca de mais inimigos por ali.

— Papai. — Maeve sussurrou, temendo pela vida do rei.

— Irei lutar querida. Fique bem, — Drazhan se virou para Zion, com o rosto inundado de preocupação. — Maeve e Hiro ficarão sobre o seu cuidado, majestade.

O rei dos magos acenou sem dizer nada.

Não precisava de palavra alguma ser acrescentada naquele momento, quando protegeria as crianças de bom grado, não seria Zion se ele não fizesse.

Mais demônios apareceram enquanto a tarde se estendia, e as serpentes seguiam até eles com as espadas erguidas e com os sorrisos no rosto ao encararem a morte velada.

Maeve assistiu sem querer um dos homens do seu pai ser atingido pelas garras da fera, de longe ela pode ver através do enorme buraco no seu peito, as árvores atrás dele, e tampou sua boca com sua mão quando testemunhou o mesmo cair no chão sem vida, e o animal rasgar os seus braços com os dentes.

Haviam vinte criaturas, contou.

O que atacava Sor Ichirro antes, havia sido abatido, e o comandante lutava novamente com outros dois, que tentavam incansavelmente devorar o seu rosto. Drazhan, em algum momento aproximou-se deles e cortou a cabeça de um por trás.

O animal rugiu um som engasgado ao cair na terra firme, e o outro teve as pernas cortadas por Sor Ichirro que aproveitou a ajuda.

Um único golpe de espada foi suficiente para desmembrá-lo, e Drazhan finalizou a morte do demônio, espetando a espada na sua garganta exposta.

As serpentes batalhavam bravamente, e alguns soldados estavam jogados no chão lutando pelas suas vidas, outros já estavam mortos, com algumas partes do corpo perdido pela terra ou na boca dos demônios, onde três deles brigavam para comer um único membro estirado na grama.

O rosto de Maeve estava pálido, e os seus músculos ficavam tensos a cada instante que se passava, e apesar de estar desnorteada, ainda assim gritou sem pudor com o rei Zion.

— Mande os seus homens fazerem algo!

Os olhos do rei se abriram amplamente com espanto, e logo ele se recompôs, deixando sua postura ereta. — Estamos fazendo algo, a barreira é um exemplo, princesa.

— Não é o suficiente!

O rei dos magos estudou a princesa, compreendendo sua ansiedade em agir naquela situação, mas ele era velho demais para pensar da mesma maneira que a menina. O nervosismo não salvava os que corriam perigo, e sim prejudicava os que tentavam a todo custo se salvar.

Por isso explicou. — Estamos protegidos desse lado da floresta princesa, e mais do que suficiente.

— Não, não é! O meu povo está lutando e fazemos o quê? Apenas assistimos na barreira como se fosse um espetáculo?

— Não há mais o que fazer princesa! — sua voz seguia calma, mesmo em meio às falas rudes da princesa. — O combinado foi esse. Não posso jogar os meus homens em batalhas que eles não vão ganhar. Eles são inexperientes.

— Então apenas afaste eles com a sua magia!

O rosto de Maeve voltava a cor, ficando avermelhado à medida que sua raiva crescia, por ver tudo, e não poder fazer nada, e o rei dos magos parecia querer tentar ensiná-la.

— Altez...

Bem antes do rei terminar suas palavras, seu filho Guia o interrompeu jogando uma corrente de ar púrpura em um demônio ameaçador que estava prestes a se alimentar de uma serpente.

O disparo foi tão veloz que passou da barreira e lançou o inimigo para longe, fazendo a princesa olhar admirada para o que acabava de ver, e seu sorriso se tornar largo para o mago. Guia apenas ergueu os ombros, parecendo contente em ajudar.

Maeve queria agradecê-lo, mas virou-se para Hiro primeiro. Os demônios eram um assunto mais importante para serem resolvidos do que agradecimentos.

— Nós não podemos ficar aqui parados, Hiro.

O humano franziu o cenho. — Há um tempo atrás era para fugirmos, agora vossa alteza quer enfrentá-los?

Ele parecia calmo demais dada a situação, e fez Maeve repensar no que havia dito ao seu pai antes sobre os pássaros, mas agora não dava mais para eles fugirem.

— Sim! — Ela disse firme. — Mas agora não temos escolha, nós somos treinados para lutar.

— Não temos armas, é burrice entrar numa batalha sem uma.

Maeve olhou para os soldados lutando. — Tem muitas sobre a terra.

Eram daqueles que morreram.

— Certo, alteza.

A princesa jurava ouvir um alto suspirou de Hiro quando ele concordou, mas ela não o encarava para ter certeza. Sua visão era fixa na batalha infernal diante dela.

Seu rápido incentivo fez Hiro correr para lutar sem uma aviso antes, e ela não pensou quando fez o mesmo que ele, sentindo finalmente o ar puro voltando em seus pulmões ao deixar a barreira.

Depois disso, tudo aconteceu rápido demais, o rei Zion gritou de longe para eles voltarem. Sua voz preocupada e impaciente diminuía conforme eles se afastavam e o mago não obtinha sucesso algum com seus chamados.

Maeve completamente perturbada e perdida deixou seus olhos dançaram pelo campo sujo de sangue e agora apertado pelo número de corpos que ocupavam o chão.

Parada, a princesa buscava alguma orientação naquele momento, pois apesar de estar disposta a lutar, não sabia exatamente o que fazer primeiro. Ela pegaria uma arma e depois ajudava os homens? Ou caçava os que estavam se alimentando?

A dúvida pairava no momento errado, e ela só soube como agir quando sentiu uma pontada no peito ao ver dois demônios se aproximando nada sutilmente de Hiro, que havia se separado dela quando correram.

Ele estava envolvido em sua própria luta, já com sua própria arma e lutando para salvar uma serpente ensanguentada, aparentando ser muito mais preciso nessas situações do que ela.

Maeve então ficou em alerta, pegando o cabo de uma espada com urgência, o material estava coberto de uma umidade nojenta que grudava seus dedos, e ela só ignorou o sangue do demônio, porque depois sentiu o peso do aço que fora forjado, e pensou em Hiro que corria perigo.

Seus pés tomaram atitude e foram até ele, seus braços sendo difíceis de carregar pelo peso que levava em suas mãos.

Enquanto isso Hiro se movia para manter distância dos demônios e assim ganhar tempo sem ser atingido.

Maeve chegou neles como uma flecha, e gritou com o demônio para chamar a sua atenção.

O rosnado ameaçador que recebeu da criatura fez suas mãos tremerem, e quando olhou para aqueles ocos negros no lugar de olhos só sentiu vontade de golpea-lo, e assim fez, dirigindo a lâmina para o pescoço da criatura.

No entanto, por alguma sorte, o ataque parou no ar, sendo pego pelas mãos ossudas e sujas da criatura antes.

Maeve ainda tentou usar toda a sua força contra o demônio, para assim conseguir soltar seu aperto da arma, e rangeu os dentes furiosamente quando não teve sucesso com suas tentativas.

A criatura horrenda e cruel lutava pela sua vida, e Maeve pela dela, e o impasse só terminou quando ele foi partido em dois bem na frente da princesa. A parte debaixo do seu corpo caindo de vez sobre o chão, e a outra parte perdendo o seu vigor ao soltar a arma dela lentamente e despencar logo depois nos seus pés.

Maeve tentou processar o que aconteceu com a fera, piscando e respirando ofegante, e só encarou Hiro quando um instante passou.

Ele tinha muito suor na sua testa, e agora segurava um enorme machado em suas pequenas mãos, que deveria ter achado quando ainda lutava.

No meio tempo, Maeve pensou em agradecê-lo por tê-la salvado, mas as palavras não saíram de sua boca ao olhar por cima do ombro dele, onde vinham três demônios na sua direção.

As criaturas corriam até eles com uma sede de sangue que fez Maeve ter mais um arrepio por todo o corpo enquanto os encarava.

Sem pensar, ela agiu, e empurrou o humano tomando assim sua frente. Muito mais que disposta a receber o primeiro baque que os demônios iriam causar se fosse para defender Hiro.

Por isso firmou a sua espada com a cabeça erguida e o nariz empinado, mesmo com os dedos trêmulos e as pernas bambas como uma vara verde.

Um suor frio escorria pela testa de Guia ao ver a princesa e o menino Hiro sofrendo perigo, em meio a uma batalha que não era deles, ambos inconsequentes por terem saído da barreira, fazendo o mago encará-los com julgamento, mas ao mesmo tempo com temor, pois não queria a morte dos dois.

— Salvem eles!

Agindo de boa vontade, e ignorando os berros perturbadores de seu pai contra seus homens, Guia criou rapidamente uma esfera gigante, quase de seu tamanho, era púrpura misturada com um azul cor do céu a noite, e brilhava como as estrelas, bem diante dele.

O disparo foi rápido, empurrando pro ar as criaturas, e as afastando das duas crianças indefesas e tolas que estavam encurraladas e prometidas a uma morte certa.

Sua boca abria e fechava conforme respirava, e seu coração seguia um ritmo ainda mais rápido.

— Guia, esses meninos querem me mata e se matar.

Seu pai puxou seu ombro enquanto ainda gritava nervoso com ele e com tudo, mas o mago apenas o ignorou, e seguiu concentrado ao pressionar muito mais os inimigos das serpentes no chão.

Andando sem parar e esquecendo que ao mesmo tempo que tentava chegar na princesa, se afastava da proteção.

A sua mágica se desenvolvendo ao mesmo tempo em uma barreira para proteger as costas de Maeve e Hiro, e continuando a se formar em golpes para destruir o inimigo das serpentes. Os demônios, que agora até Guia abominava a existência irrelevante deles.

Maeve ainda tinha a mão em seu peito ao ser salva de novo por Guia, e não sabia ainda se amava ou odiava magia, mas estava claro em seu sorriso genuíno que já se simpatizava pelo príncipe feiticeiro.

Sem tempo para pensar, ela abruptamente foi puxada pelo seu braço, o aperto de mãos calejadas esmagaram seus ossos enquanto foi forçada a seguir seu capturador, que quando pode analisar viu um outro mago que o rei Zion trouxera com ele.

As ações repentinas, fizeram Maeve deixar Hiro infelizmente para trás. Como resposta a princesa tentou se soltar puxando seu braço para si, mas o mago não a deixou, e a sacudiu como um pedaço de pano.

— O que pensam que estão fazendo? Voltem para a barreira agora!

O mago ordenava aos gritos, puxando Guia também com a mesma coragem, e interrompendo o príncipe de fazer o feitiço de proteção em volta deles.

Ambas crianças correram, ou pelo menos tentavam acompanhar os passos largos do homem para longe da violência que ocorria na clareira.

Acontecia tudo tão rápido.

Maeve tropeçava em seus próprios pés, sendo erguida pelo mago impaciente várias vezes enquanto corria, e seus olhos continuavam se dirigindo para trás, tentando agora fugir de um demônio que vinha em disparada.

Ele já estava próximo, como se fosse guiado pelo seu cheiro, e ela soltou um grito pavoroso quando a criatura saltou, e pareceu voar no ar para alcançá-los.

As garras paralisantes cravaram nas costas do mago alto, e de repente todos eles foram derrubados em um instante em meio a berros e barulhos em volta.

Maeve sentiu a terra dura impactar com seu rosto quando caiu de vez, suas mãos inutilmente tentando amortecer a queda, segurando pedras cortantes no processo e sua pele arranhando à medida que se mexia.

Sua testa franzia e seus dentes cerraram em meio a dor latejante que permaneceu depois do choque, e ela procurava respostas se erguendo com seus braços pequenos.

Guia já estava estirado sobre a terra, seu peito subindo e descendo, pois cada um deles estava de um lado do mago desfalecido, que tinha uma baba de sangue que escorria de sua boca.

Maeve entrou em desespero, ao perceber que o golpe foi mais direcionado a ele, e sua primeira reação foi procurar com seus olhos sua espada perdida, que para seu azar estava distante, bem acima da sua cabeça.

Seus braços tentaram alcançar a arma, mas o movimento foi interrompido quando a fera gritou nos seus ouvidos, fazendo o corpo de Maeve encolher, e o seu coração disparar em pânico. Temendo pelo fim.

O rosnado horripilante do demônio continuou, assombrando tanto Maeve quanto Guia, e de repente ele calou-se, deixando para trás apenas um zunido de espada, e seu corpo pesado desabando sobre eles em um baque.

Mesmo ofegante e tremendo, Maeve teve curiosidade de se virar devagar, e observar o que tinha acontecido. Para sua surpresa, o demônio derramava sangue sobre eles, já sem sua cabeça e sem sua vida.

Brotou água de seus olhos com um breve alívio, e ela se arrastou e se afastou, querendo ficar o mais longe daquilo, considerando-o repugnante demais para tocá-la, e ficando então de frente para a figura do comandante, que estava em pé e furioso encarando ela.

O homem tinha em suas mãos a espada cheia de sangue podre e fedido que havia a salvado.

— Vocês não deveriam estar aqui! Vão para perto do rei mágico! — Sor Ichirro ordenou.

Suas palavras com desaprovação eram ditas diretamente para Maeve.

Embora a princesa sabia que ele tinha razão, seu julgamento agora estava falho, e ela só pensava em lutar, salvar, e proteger quem pudesse.

Por isso ignorou seu comando, e observou Hiro, que ainda batalhava de longe. Cuidando sozinho dos inimigos mesmo após ter sido deixado por ela.

Em sua volta havia poucos soldados e poucos demônios, porém, havia uma criatura que pegaria o humano de surpresa. Um que estava indo até ele com tanta pressa que fez Maeve agir.

Ela se arrastou até a sua espada, levantando o material pesado e erguendo-se rapidamente sobre os cotovelos.

O vento que batia em sua pele recentemente ferida, fazia a mesma arder duramente, e ao estar de pé olhou para o comandante irritado.

— Cuide do príncipe Sor Ichirro. — Ela disse ofegante e com uma determinação que não estava acostumada.

Maeve então empurrou com toda sua força Sor Ichirro da sua frente, e saltou Guia que ainda estava caído, parecendo recobrar suas forças lentamente.

A princesa correu em direção a uma luta, desconsiderando totalmente os protestos que ficaram para trás, e preparou-se para golpear o demônio que vinha de repente atacá-la.

Quando a criatura estava perto, ela abaixou-se e desviou do seu ataque, então aproveitou o erro dele e posicionou a sua espada na altura do seu peito cortando as pernas do demônio.

Maeve teve que firmar a arma para não escapar da sua mão quando a lâmina afiada passou pelos ossos finos e resistentes do inimigo. Admirando com gosto a fera que estava sentindo faltas dos membros.

Maeve o fez sangrar, e a sensação que tinha sobre isso era nova. Era uma satisfação, acompanhada de tranquilidade que ela nunca havia sentido em sua vida, e que só se intensificou mais quando arrancou os braços do demônio com apenas dois golpes.

Matá-lo era o certo, pensou, e assim fez quando separou a cabeça do inimigo de seu corpo.

Sua testa estava suada e sua boca abria e fechava enquanto respirava profundamente em meio ao caos.

Maeve olhou para os lados, analisando como a briga se desenrolava entre seu povo e os inimigos. Num relance, avistou a fera que antes atacara Hiro, prestes a atacá-lo novamente.

A princesa reagiu com determinação, correndo como nunca. Ao se aproximar, escalou em uma pedra gigante que ofereceu impulso para o seu salto em direção a eles.

O demônio e Hiro a olharam espantados, o menino se tornando pálido com sua ação, e a fera rosnando quando ela acertou com sorte o seu olho.

Maeve não teve tempo de acompanhar o que aconteceu em seguida, apenas viu o mundo girando sobre seus olhos enquanto o seu ombro recebia o baque do chão firme. Ela rolou nas pedras, e sentiu a dor fina em seu braço que havia amortecido toda a queda. Sua cabeça latejava, e suas costelas doíam tanto que ela queria gritar de dor, pois o demônio parecia ter batido bem acima do seu umbigo para se defender.

Em meio aos choramingos, ela notou Hiro jogado um pouco próximo, e esse foi o incentivo para se recuperar brevemente.

Quando se levantou com a mesma rapidez que caiu, observou a criatura chorar enquanto passava as suas garras pelo oco negro, a espada ainda cravada na sua face.

Maeve com muita pressa procurou outra arma, dessa vez um machado, e andou até o animal cerrando os punhos na madeira dele.

A criatura fazia sons que arrepiava seus pelos do corpo, e Maeve parou qualquer um dos seus lamentos quando enfiou nas suas costas o machado de uma vez só, o partindo em dois por atravessar o outro lado da fera.

O calando para sempre naquele momento, e impedindo que o mesmo ferisse mais alguém.

Hiro a olhava paralisado, descrente de sua coragem e ajuda, e ignorando por completo a sua perna machucada que doía desde o momento que caiu.

Maeve aproximou-se dele, sua expressão preocupada enquanto encarava seus ferimentos.

— Você está bem, Hiro?

— A princesa me salvou... — Ele declarou, como se fosse algo que ela nunca faria por ele.

Maeve sorriu tristemente. — Você também fez por mim…

Não havia mais perigo para as serpentes, pois a maioria dos demônios sobre o chão estavam totalmente abatidos. Os seus corpos tornaram-se poeira e se desfizeram com o vento, deixando de existir diante dos olhos da princesa.

Zion correu até Guia, sua voz falhou enquanto perguntava ao príncipe com urgência.

— E-está bem?

— Sim.

O rei o abraçou calorosamente, mas não durou tanto, depois sua expressão mudou de preocupação para raiva, oferecendo algumas broncas e puxões de orelha para o mago mais novo.

Não foi o oposto de Drazhan que chegou até Maeve com uma carranca no seu rosto.

— Vocês queriam se matar? Entraram numa luta sem a minha autorização, os dois completamente despreparados e desarmados. Se fossem demônios mais rápidos eles teriam matado ambos com tanta facilidade... O que pensou Maeve, ao fazer tudo isso?

Drazhan cuspiu sem pensar as palavras duras na cara de Maeve, fazendo a mesma se encolher. Temendo enfrentar sua fúria, quando ele nunca havia falado assim com ela.

Os seus olhos ardiam, ameaçando as lágrimas de cair, e a culpa começou a nascer quando percebeu que Hiro tinha se ferido, ela era responsável por colocá-los em risco.

No entanto, a princesa não teve arrependimento ou culpa pelos demônios que exterminou.

Vê-los morrer a deixaram contente.

— Eu… eu… pensei q-que, iria ajudá-los. — Ela tentou se explicar, sua voz fina e baixa.

— Não! Vocês colocaram as suas vidas em risco… Nunca faça isso novamente, Maeve! — Drazhan gritou.

Ele parecia intimidador quando apontava um dedo diretamente para sua filha, e a fazia se sentir envergonhada na presença de todos os outros quando olhavam sua repreensão.

Mas ao mesmo tempo o rei estava aflito, e se arrependia amargamente de trazer Maeve para aquele lugar, ainda não era a vez dela de estar lutando.

— Querida, você ainda é uma criança, — ele olhou para Hiro. — vocês dois são… e estão despreparados para tudo isso. Não sei o que pensei quando concordei em vocês virem.

Drazhan agarrou Maeve, buscando ferimentos em seu corpo, ela tinha resquícios de sangue tanto de demônios quanto de serpentes, e alguns cortes nos joelhos e pernas que estavam cicatrizados.

Ele suspirou aliviado e depois a abraçou. — Me perdoe! Parte disso é minha culpa.

Maeve desabou nos braços de seu pai, se sentindo tão cansada que deixou os seus ossos descansarem ali mesmo, a sensação de estar segura novamente fez lágrimas caírem dos seus olhos.

— Devemos regressar majestade. — Sor Ichirro disse-lhes enquanto guardava a sua espada na bainha, ele deveria ter a limpando em algum momento pois estava como nova.

O comandante e o rei não aparentavam ferimentos, e pareciam as únicas serpentes ilesas.

— Está tudo limpo?

Drazhan perguntou, segurando a mão de Maeve.

O comandante acenou — Os demônios foram totalmente abatidos, não há mais nada na floresta.

— Certeza?

— Sim, majestade.

— Sor Dragomir?

— O velho estava com os outros na área leste, mas ainda não tenho notícias.

O rei suspirou, suas rugas da testa franzindo mais do que o normal. — Não vimos eles chegando e não fomos avisados…

— Não! Eles nos pegaram de surpresa, porém, estamos acostumados a lidar com eles mesmo assim.

O comandante apertou os ombros de Drazhan num gesto amigável e sorridente.

O rei apenas assentiu, e disse para os que restaram quando se levantou. — Reúna os homens, ou o que sobrou deles. Estamos voltando.

***

Quando anoiteceu, somente as serpentes se encontravam no Palácio Escarlate.

— Dos nossos que foram para a caminhada apenas quinze resistiram, o restante foi derrubado na luta enquanto os outros foram encontrados pela floresta sem vida.

Maeve ouviu atentamente um soldado sobrevivente contar a Drazhan.

Mais cedo ela verificou Hiro, que parecia não ter se machucado tanto quanto pensou que teria. Ele caminhava sem ajuda, mas mancava um pouco, infelizmente.

Já Guia não tinha sido ferido, porém, usou tanta magia que o deixou fraco e exausto. Os magos também pareciam estar com os mesmo problemas, relatando a morte de quatro deles que ousaram sair da barreira.

O rei Zion que havia feito o anúncio, e o mesmo conversou com Drazhan um pouco antes de ir embora com seus homens.

Por não estar presente na discussão, Maeve não tinha conhecimento de como seguiria a aliança feita por eles. Talvez o mago quisesse repensar sua decisão, após ver o que acontece com quem luta contra os demônios.

No entanto, eram apenas especulações da princesa, que estava em pé nas calçadas, com um manto novo jogado nos seus ombros.

Hadrya, sua mãe, e Andreas seu tio estavam ao seu lado. Ambos pareciam nada abalados com as adversidades que aconteciam ao redor, e Maeve teve certeza quando pegou o seu tio bocejando mais cedo ao ouvir uma serpente falar sobre as barreiras feitas pelos magos, e a sua mãe apenas olhar indiferente para os homens machucados.

Já deveria estar tarde lá fora, e mesmo consciente disso, o rei não se importou em estender a conversa sobre o fatídico dia que eles viveram.

Fazendo assim uma pergunta, que já sabia a resposta. — Os que sobreviveram, estão todos feridos?

— Sim, majestade.

A expressão de Drazhan pesou, da mesma forma que sua coroa de ouro pesava em sua cabeça, e então, sentando no alto do trono, ele ordenou a todos com autoridade, mascarando a dor das perdas.

— Podem se retirar, menos os que estão no Conselho.

Várias serpentes deixaram a sala com passos altos, que ecoavam de volta para o local.

— Sor Ichirro.

O comandante curvou-se e disse — Sim, meu rei?

— Agradeço por salvar Maeve hoje, foi um ato de heroísmo que me lembrarei eternamente.

— Sirvo alegremente aos meus senhores. — O homem não escondeu o seu sorriso enquanto Drazhan permanecia sério.

— Encontre outros homens para ocupar os lugares dos que não lutarão mais. Por hoje descanse. O senhor trabalhou muito.

Sor Ichirro parecia relutante e confuso com a ordem, mas assentiu.

Maeve se revoltou brevemente com a facilidade que o seu pai dispensou os seus homens que deram a vida por ele.

Mas o que ela poderia dizer?

Os que perderam os seus membros na batalha não lutariam mais como antes, e iriam atrapalhá-los, não ajudá-los se lutassem. Isso a fez pensar em como a vida era injusta.

— Sor Dragomir. — O ancião aproximou-se, e Drazhan continuou com um olhar severo. — O senhor fez o que te pedi outro dia?

— Sim, majestade, investiguei os ataques que ocorreram a uma época atrás, e não vi sinais de demônios. Repito o que disse antes, foram sacrifícios.

Drazhan levou dois dos seus dedos na sua têmpora, e fechou os olhos, a exaustão era evidente. — Estava convicto de muitas coisas hoje. Uma delas seria que aquela floresta era tranquila porque o senhor a patrulhava. O senhor tem certeza que não viu as feras chegando?

Maeve se chocou ao entender que o seu pai estava o acusando.

— Majestade, quando fomos para o leste estava tudo calmo enquanto os homens caçavam. — Sor Dragomir se defendia. — Foi de repente que os demônios apareceram e nos pegaram de surpresa. Estendi a luta enquanto pude, e mandei algumas serpentes avisarem aos outros, porém, era tarde demais.

O ancião parecia triste ao relembrar, mas Drazhan estava irredutível.

— É complicado, pois só quando vou ao local, que o senhor alega ser seguro, com outro rei que me fornece ajuda, me deparo uma legião de demônios. É um tanto estranho, não?

— Vossa majestade julga que armei contra os reis?

Drazhan não respondeu, sua postura ereta, mas ao mesmo tempo rígida, ao encarar o rosto do seu antigo amigo empalidecer com as acusações.

A rainha, no entanto, não tinha o mesmo pudor que seu rei. — Sor Dragomir, o senhor armou?

O ancião piscava incrédulo. — Nunca faria isso, minha senhora! O q-que… ganharia em troca?

Seu último olhar desolado foi para Drazhan, em busca talvez de uma reavaliação sobre o assunto.

— Talvez o senhor queria se vingar do rei. — a rainha lançava as palavras sem medi-las.

— Não tenho motivos para isso, somos amigos há séculos… — ele estava indignado, seus punhos cerrados e a mágoa em sua voz. — O meu pai serviu ao senhor Drazhan I enquanto vivo. Pretendo seguir o mesmo caminho servindo o meu rei até os meus últimos dias. É claro se vossa majestade permitir.

Drazhan ainda estava calado, uma mão alisando seu queixo, permitindo que Hadrya continuasse.

— A inveja corrompe os homens. Sabia disso, ancião?

Sor Dragomir então pediu confuso. — Diga-me o que quer dizer com isso, minha senhora.

— Como Sor Dragomir mesmo disse, vocês são amigos há séculos, mas não é o senhor que é o braço direito do rei. É o comandante. Ele é o homem que se mostra sempre efetivo e salva a nossa família quando precisamos. Já o senhor, não podemos dizer o mesmo.

O ancião a olhou com olhos arregalados, e piscou com a ofensa, quase cambaleando para trás.

— Basta, Hadrya.

Drazhan interveio com um grito, e se levantou do seu assento para caminhar até o homem barbudo que gritava velhice e desapontamento.

Quando ambos ficaram frente a frente, o rei disse. — Sempre me lembrarei dos que estiveram comigo, porém, não posso deixar que a nossa amizade fique à frente dos seus erros. Deixarei alguém mais capacitado para tomar o seu lugar, tanto nas patrulhas quanto no Conselho.

A princesa sentiu o peso das palavras jogadas em Sor Dragomir e entendeu porque Hadrya e Andreas não se retiraram antes, eles iriam substituir o ancião.

Maeve ficou espantada quando o seu pai tirou o brasão das serpentes do peito do homem que antes ele disse ser seu amigo.

— Sor Ichirro o envenenou bastante? — Sor Dragomir conseguiu dizer.

— O comandante não fez nada.

— Imagino… — um alto suspiro foi ouvido do ancião. — Espero que a sua decisão o deixe tranquilo, majestade. Igual estou por saber que não fiz nada do que me acusam. Com a sua licença.

Drazhan suspirou, e o ancião saiu envergonhado e chateado com apenas um aceno de despedida aos que restaram.

Que foram o rei, a rainha, e Andreas, que os observava em silêncio e com os braços cruzados.

Maeve se segurou para não dizer ao seu pai que ele estava equivocado, e que o ancião era bom, generoso e justo, mas apenas se limitou a perguntar quando desceu das calçadas e aproximou-se de Drazhan.

— Pai, eu não entendo... isso é realmente necessário?

A princesa estava na sua frente, ele ainda mais alto que ela.

— O que sabe sobre necessidade, criança? — a sua mãe questionou, e Maeve se virou para a rainha furiosa. — Você pensou se era necessário se jogar numa batalha contra demônios?

Cerrando os punhos, respondeu a sua mãe. — Pensei que iria ajudá-los.

Hadrya sorriu com sarcasmo. — Eram vinte demônios. Você matou apenas dois e quase morreu no processo. Como isso conta com ajuda?

Ela se controlou para agir devidamente.

— Foi o meu instinto que me guiou e me disse para correr e fugir, mas depois vi que não adiantaria. Então lutei.

Hadrya não escondeu a decepção no seu rosto.

— Como tenho uma criança tão tola e ingênua? Não percebe o quanto foi imprudente da sua parte, se jogar numa batalha e quase se matar? — a sua mãe também não mediu as palavras para ela quando continuou a dizer. — Sabe quem também agia assim? As suas tias, e a sua avó. E sabe o que aconteceu com elas? Estão todas mortas. Porque cometeram o mesmo erro que você.

A sua língua foi como um chicote que açoitou tanto Maeve quanto Drazhan que se intrometeu irritado.

— Já falei para se calar, Hadrya! Não diga coisas que não tem conhecimento, sobre a minha família. — O rei gritou, mas logo se recompôs, com as palmas sobre o rosto e um suspiro longo. — Maeve é jovem demais para entender muitas coisas. O errado fui eu em levá-la.

— Não discordo.

A princesa suspirou chateada, tentando não absorver as palavras duras de sua mãe, enquanto o rei olhou para a rainha com raiva. Hadrya apenas devolveu um olhar frio a ele, permanecendo assim até Andreas dizer.

— Acalmem-se, os ânimos estão aflorados demais, não se esqueçam que a princesa está presente. — Andreas pediu num tom suave e aveludado. — Minha linda sobrinha, o que mais você ouviu antes do ataque?

O seu tio parecia curioso, e por não ser tão próximo dele, conversar com o mesmo a deixava envergonhada, desejando se esconder atrás do corpo grande de seu pai. Porém, Maeve não fez, apenas respondeu colando suas mãos em suas coxas.

— Só isso, e… e senti o cheiro. O cheiro dos demônios! E… quando os matei, pareceu certo fazer, foi estranho, mas fazia sentido, como se fosse bom e aquecesse o meu peito. — ela então perguntou a Drazhan. — Isso é porque sou a escolhida, pai?

O rei a encarava com uma careta. — Acredito que sim filha. Você ouve outra voz, a não ser a dos pássaros?

— Não, só a deles.

Todos se mantiveram calados, a rainha olhando para o chão mais calma agora, e seu irmão apenas assentindo, como se estivesse satisfeito em ouvir as respostas da princesa.

Drazhan, bastante incomodado, quebrou o silêncio e questionou Andreas. — Quando o senhor irá retornar para a cidade?

— Em uma semana, majestade. — Ele continuou com um sorriso, parecendo feliz com a mudança de assunto. — Quando retornar trarei alguns senhores comigo para virem visitar o Palácio.

A princesa sonolenta, bocejou, chamando a atenção de seu pai.

— Vá dormir querida. — ele apertou seu ombro ossudo pela magreza. — E.. Sei que não lhe disse hoje, mas você se saiu bem, do seu jeito torto e errado… você matou eles. Estou orgulhoso.

A princesa sorriu ao ouvi-lo, acenando para Drazhan, e se despedindo com um abraço reconfortante. — Bom descanso papai. Boa noite a todos.

Quando saiu, eles ainda conversavam em sussurros na sala, mas ela não pensou em ouvi-los, e se dirigiu aos seus aposentos, tão cansada, que quando se deitou na sua cama, não demorou para adormecer

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