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Vozes de Apoio

O som do despertador ecoou pelo quarto, mas o peso no meu peito me manteve colado à cama. A aposta que Kaori fez ainda girava na minha cabeça como um redemoinho, carregando meus pensamentos para um lugar que eu não conseguia controlar.

"Ele desiste de escrever."

Essas palavras ecoavam na minha mente como uma sentença de morte. Eu olhei para o teto, incapaz de afastar a imagem de Ryuuji. Ele tinha tanta confiança... de onde vinha essa certeza? Como ele conseguia caminhar como se o mundo estivesse ao seus pés, enquanto eu mal conseguia colocar os meus no chão?

Eu me arrastei para fora da cama, as pernas pesadas como chumbo. Cada passo até a cozinha parecia um esforço monumental, e o silêncio da casa só amplificava a minha ansiedade. A mesa vazia à minha frente era como um reflexo da minha mente, e o café amargo que escorria pela garganta não conseguia preencher o vazio que eu sentia.

— Será que eu posso vencer mesmo? — murmurei para mim mesmo, com o pensamento se tornando quase insuportável.

A escola parecia um pesadelo que eu não conseguia evitar. As palavras do professor eram um borrão, as vozes ao meu redor apenas ruído de fundo. Tentava focar na lição, mas cada vez que abaixava a cabeça para anotar algo, a imagem de Ryuuji surgia, implacável, como se já soubesse do resultado final.

Rintarou, sentado ao meu lado, percebeu o estado em que eu estava.

— Shin, tá tudo bem? — Sua voz era calma, mas carregada de preocupação. Ele me observava como se tentasse decifrar um quebra-cabeça complicado.

Eu queria responder com um "sim", mas não consegui mentir para ele.

— Só cansado... — murmurei, forçando um sorriso que mais parecia uma careta.

Antes que ele pudesse insistir, Seiji entrou na sala com sua energia de sempre, jogando a mochila de qualquer jeito na mesa à minha frente.

— Desculpa o atraso, pessoal! — disse ele, com aquele sorriso despreocupado. — Oh, Shin, você tá parecendo um zumbi. O que tá pegando?

Ele sempre tinha essa energia que contrastava com qualquer ambiente, e naquele momento, parecia fora de lugar, como se o mundo ao meu redor estivesse em câmera lenta, e ele estivesse se movendo rápido demais.

Mas dessa vez, nem a energia dele conseguia me tirar do peso que sentia.

— Só uma semana difícil... — murmurei, sem vontade de entrar em detalhes.

— Cara, hoje é segunda. A semana mal começou. — Ele soltou uma risada leve, tentando quebrar o clima pesado. — Mas sério, cara, o que aconteceu? Fala aí.

Respirei fundo, sabendo que seria impossível esconder por mais tempo. Eu sabia que Seiji ia insistir até descobrir.

— É sobre a aposta que a Kaori fez com o Ryuuji — confessei, minha voz baixa, como se cada palavra me drenasse um pouco mais.

Seiji ficou em silêncio por alguns segundos, absorvendo o peso do que eu havia acabado de dizer.

— Ah... isso. Honestamente, eu não entendi muito, mas... — Ele parou por um segundo. — Cara, Kaori tem coragem, hein? Mas sendo sincero, não acho que ela te colocaria numa roubada se não acreditasse em você.

Eu queria acreditar nas palavras dele, mas a verdade era que, por mais que Kaori acreditasse em mim, eu não sabia se conseguia retribuir essa confiança.

— Ela pode acreditar em mim, mas... e se eu não conseguir? — minha voz tremeu. — Se eu perder, vou ter que desistir. Não sei se consigo lidar com isso.

Seiji parou de brincar e ficou sério, algo raro para ele.

— Shin, escuta... você é muito mais do que essa aposta. Escrever é o que você ama fazer, não importa o resultado do concurso. Não é isso que define o seu talento. Lembra por que começou a escrever. Isso vai te trazer de volta. Não a pressão de uma competição.

— Silêncio aí atrás, por favor — dizia o professor, olhando para Seiji.

As palavras dele me atingiram fundo, e por um breve momento, algo em mim queria acreditar. Escrever sempre foi mais do que apenas uma competição. Mas a sombra da aposta ainda estava lá, me perseguindo.

— Valeu, Seiji — murmurei, olhando para ele com um pouco mais de esperança. — Talvez você esteja certo. Eu preciso lembrar disso.

Ele me deu um leve soco no ombro e sorriu.

— Isso aí, cara. E depois da escola, eu e o Rin vamos pra sua casa e vamos jogar um pouco, sem pensar em nada. Vai te ajudar a relaxar!

Eu sabia que ele estava tentando ajudar, e, por mais que a pressão continuasse, a ideia de ter algo para tirar minha mente desse caos parecia uma boa ideia.

As aulas arrastaram-se em um borrão interminável, cada minuto parecendo durar uma eternidade. Quando o sinal final finalmente tocou, ainda estava imerso em meus pensamentos.

Enquanto guardava meu material na mochila, senti um frio na barriga ao lembrar que ainda precisava ir ao clube de literatura.

O peso da conversa que teria me assombrou a cada passo pelo corredor, e as vozes dos estudantes ao meu redor se tornavam ruído distante. O eco dos meus passos era o único som claro na minha cabeça.

Ao abrir a porta do clube, o ambiente já parecia mais denso do que o habitual. Kaori, Mai, Takumi e os outros estavam reunidos ao redor da mesa, com expressões sérias, como se esperassem que eu chegasse para dar início a uma discussão que ninguém queria ter. Senti o olhar de Kaori encontrar o meu, e o ar na sala ficou ainda mais pesado.

Eu sabia o que estava por vir.

Kaori foi a primeira a falar, seu tom firme, mas preocupado.

— Eu preciso contar uma coisa pra vocês. — Ela começou, olhando para cada um de nós. — Fiz uma aposta com o Ryuuji ontem. Se Shin vencer o concurso, ele vai parar de incomodá-lo. Mas se ele perder... — ela fez uma breve pausa. — ele terá que desistir de escrever.

O silêncio na sala foi palpável. Takumi foi o primeiro a reagir.

— Kaori, isso é sério? — Ele se inclinou para frente, com as sobrancelhas franzidas. — Você não acha que foi... longe demais?

— Foi, mas eu precisava fazer alguma coisa. Ryuuji estava passando dos limites! — Kaori cruzou os braços, seu tom de voz firme, mas havia uma pontada de culpa.

Antes que eu pudesse falar algo, Takumi falou mais alto, olhando diretamente para mim.

— Shin, eu sei que isso parece uma pressão absurda, mas... cara, se tem alguém que pode superar o Ryuuji, é você. Já li sua história. Você tem uma visão que ele nunca terá. Não deixa ele te fazer acreditar que isso é impossível.

Essas palavras me atingiram de forma diferente. Takumi não era de fazer muitos elogios, e ouvir isso dele... me fez sentir um pouco mais leve. Um sentimento de orgulho tímido começou a surgir, como se algo em mim estivesse pronto para resistir.

— Isso coloca uma pressão enorme no Shin, coitado — Mai disse, sua voz suave mas firme, olhando para mim com preocupação. — Mas, você sabe que estamos aqui para te apoiar, né?

Assenti, dessa vez com um pouco mais de firmeza.

Não era só sobre mim contra Ryuuji. Meus amigos estavam ao meu lado, e eu sentia isso com mais clareza. Talvez eu não estivesse tão sozinho nessa luta como eu pensava.

Taro esfregou os olhos suavemente, e olhou para mim.

— Vamos te ajudar com o que precisar, Shin. Desde ler seus rascunhos até te dar ideias. O concurso é seu, mas a gente pode estar aqui pra te apoiar.

As palavras de Taro e Mai, junto com o elogio inesperado de Takumi, acenderam uma faísca de esperança. A aposta ainda era assustadora, mas, por um momento, a sombra que ela projetava parecia um pouco menor.

Mas mesmo com todo esse apoio de meus amigos, meu medo ainda estava lá. E se eu acabasse perdendo e desapontando todos?

Depois da reunião, as palavras ainda giravam na minha mente enquanto eu caminhava em direção ao trabalho na biblioteca. O céu já estava tingido de um laranja suave pelo fim de tarde, mas nada disso me distraía da pressão que sentia no peito.

Ao entrar na biblioteca, o calor reconfortante do ambiente e o cheiro de papel deveriam ter me acalmado, mas meu corpo estava rígido como pedra.

Arata olhou para mim e acenou, com sua leveza de sempre.

— Shin! — Ele me chamou quando me viu. — Achei que ia faltar hoje, cara.

Dei um sorriso fraco, sem muita energia.

— Sem chance, não podia fazer isso com você.

Ele riu, balançando a cabeça enquanto se aproximava.

— Ainda bem, eu fico entediado sem você por aqui.

Arata, com sua energia sempre leve, parecia imune ao peso que eu sentia no peito. Mas, enquanto ele organizava alguns livros no balcão, percebi que ele me observava de lado, com um olhar que mesclava preocupação e curiosidade.

— Sabe, Shin... — ele começou, parando o que estava fazendo e virando-se para mim. — Ryuuji passou aqui mais cedo.

Meu coração disparou e meu corpo enrijeceu. Eu olhei ao redor, como se esperasse que ele surgisse das prateleiras, mas não havia sinal dele.

— Ele... estava sorrindo — continuou Arata, seu tom de voz agora um pouco mais sério. — Me contou sobre a aposta...

Engoli em seco. Claro que Ryuuji falaria disso. Claro que ele usaria isso para me provocar, mesmo quando eu não estava por perto.

— Ele parecia confiante, sabe? Como se já tivesse vencido — Ele fez uma pausa, e então, seus olhos se fixaram nos meus. — Mas, Shin... não coloca tanta pressão em você mesmo, cara.

Fiquei em silêncio, sem saber como responder. Parte de mim queria rir daquela sugestão, como se fosse possível simplesmente deixar de sentir a pressão que estava me esmagando.

— Eu sei que Ryuuji não facilita as coisas, e ele é um oponente difícil, não vou mentir — Arata continuou, e por um momento, sua expressão se suavizou. — Mas você pode vencer. Você tem algo que ele não tem.

Levantei os olhos, encontrando o olhar dele.

— Eu? — perguntei, a incredulidade transparecendo na minha voz.

Arata assentiu com seriedade, mas ainda mantendo seu jeito descontraído.

— Sim, você. Ryuuji é talentoso, mas ele confia tanto nisso que subestima os outros. Você, por outro lado, trabalha duro. E é isso que pode fazer a diferença, Shin. Não se deixa levar pelo medo, pelo que ele falou ou pela aposta. Lembre-se por que você começou a escrever em primeiro lugar. No final das contas, é você contra você mesmo.

Por mais que fosse difícil acreditar, as palavras que saíam de sua boca tinham um efeito tranquilizador. Ele parecia ver algo em mim que eu mesmo não conseguia enxergar.

— Valeu, Arata — murmurei, sentindo uma leve onda de gratidão.

Ele sorriu, dessa vez de um jeito mais genuíno e alegre, como de costume.

— É pra isso que os amigos servem, né? Agora, vamos voltar ao trabalho antes que o chefe apareça.

Quando cheguei em casa depois do trabalho, Seiji e Rintarou já estavam esperando por mim, prontos para a noite de distração prometida. Passamos horas jogando jogos, rindo, e por um breve momento, consegui esquecer a pressão que pairava sobre mim.

Mas, mesmo entre as risadas e o conforto que aqueles momentos de distração me traziam, a realidade não desaparecia. Ela estava sempre lá, à espreita, como uma sombra que me seguia em silêncio.

Quando a noite terminasse, eu sabia que a aposta voltaria a me assombrar — como um peso que eu ainda não sabia como carregar sozinho.

Ainda assim, algo dentro de mim começava a mudar. Por mais que a pressão estivesse crescendo, meus amigos estavam lá por mim, cada um à sua maneira. Suas palavras de apoio ecoavam, mesmo quando eu duvidava de mim mesmo. Eles acreditavam em mim, e por mais difícil que fosse, eu não podia decepcioná-los.

Eu precisava vencer. Não apenas por mim, e pela aposta feita por Arata, mas por todos que estavam ao meu lado. Afinal, não era só uma questão de ganhar ou perder — era uma prova de que eu podia lutar pelo que amo, pelo que sou.

Com essa nova convicção, mesmo que frágil, prometi a mim mesmo: eu iria dar tudo de mim.

Eu iria ganhar.