webnovel

O Outro Mundo

Arthur é um rapaz comum que, durante uma noite de sono, tem sua consciência transportada para outro mundo, para onde diversas criaturas, de muitos lugares diferentes, também foram transportadas há muito tempo. Neste mundo existe magia e criaturas com poderes sobre-humanos lutam pelo poder. Esse é um lugar hostil, onde um descuido pode significar a morte. Ali, a chegada desse solitário novo habitante carrega muito mais significado do que a existência de apenas mais um morador. Significa a chegada de mudança para a ordem estabelecida e agitação na magia de maneiras que podem abalar as estruturas desse planeta. É o primeiro sinal de mudança naquilo que se pensava ser imutável.

Serjento · Kỳ huyễn
Không đủ số lượng người đọc
11 Chs

VIII.

Existem armas mágicas espalhadas por todos os continentes. Armas capazes de comandar a vida e a morte. O céu e a terra. O mar e o fogo.

São os antigos totens das entidades, largados sobre esse mundo, esquecidos após sua partida para trás da Barreira Mágica, onde não podemos alcançá-las. São essas as armas que elas deixaram para trás e que, um dia, surgirão entre nós, empunhadas pelos grandes guerreiros e usadas nas maiores guerras.

Serão sinais do fim dos tempos.

E também sinais do começo de tudo.

-As Entidades e o Nosso Mundo – Garneg Murvald Babilosche-

*

Os braços enormes de Barsen estão cruzados em frente ao seu peito, interceptando a entrada do quarto em que está Arthur. À sua frente está um soldado elfo, magrelo e jovem, que encara o ogro com olhos que não vacilam, apesar da figura imponente à sua frente.

-Devo avisar que a ordem para prisão do rapaz nesses aposentos foi emitida pela própria rainha Aetna. Se não sair da minha frente, terei que usar outros meios.

-Outros meios, hum? - Barsen retém o riso que quer saltar-lhe dos lábios.

-Sim. - Ele mantém a postura, embora um leve tremor denunciasse seu nervosismo. - Como pode ver, viemos preparados para um conflito.

O corredor exterior do quarto está preenchido por soldados. A comoção nas ruas anexas era causada pela visão de mais e mais pessoas armadas que circulavam a estalagem. Embora ninguém tivesse entrado pela janela do quarto, o ogro estava ciente de que não o tinham feito por mera cortesia, uma vez que existem soldados prontos para isso do lado de fora.

-Qual a acusação foi utilizada para emitir a ordem de prisão? - Yvanna forçou passagem entre os soldados, exibindo o brasão de Fiandel em suas roupas, com as mãos erguidas para mostrar que não portava nenhuma arma.

-A ordem de prisão foi emitida pela rainha. - O soldado fala devagar, como se conversasse com dois imbecis. - Não há necessidade de justificativa ou acusação formal.

-Não acredito nisso. - A ironia era latente na voz da vampira. - Até mesmo na terra da razão prevalece a ordem de obediência cega? Onde motivos não são necessários para as ações? - Ela se volta para o ogro. - Quem diria, não é mesmo?

Barsen, sem saber o que fazer, dá de ombros.

-Pois saiba, senhora, que os motivos existem. - O ego do elfo fora atingido pela frase. - Porém, não nos convém sabê-los.

-E a quem conviria? Afinal, vocês estão invadindo o quarto de soldados estrangeiros, convidados em suas terras. Se suas palavras fossem dirigidas a criaturas menos civilizadas, seria o suficiente para causar um incidente internacional, sabia?

O rosto do jovem soldado empalideceu.

-Isso foi uma ameaça? Senhora, devo lhe alertar que-

-Não, sou eu que devo lhe alertar, garoto. Ou melhor, vamos pensar nessa situação. Que tal começarmos com o fato de que vocês esperaram a saída da nossa comandante para trazer a ordem de prisão? Ou então que vocês não apresentam um bom motivo para suas ações e, ao invés disso, marcham para dentro da estalagem com um destacamento inteiro de soldados? Que lhes falta sequer a etiqueta de uma visita formal feita por um superior hierárquico e que, ao invés disso, me trazem um palhaço vestido de soldado para entregar a ordem? Um pivete que deve ter adquirido a patente através da influência de algum parente? Pois saiba que o seu alerta vale para mim o mesmo que a bosta de um cavalo ou os beijos de um traidor. E deixe de brandir essa ordem real como se ela fosse mais forte do que os meus punhos ou que o machado do meu companheiro. O número de seus soldados não me valem como ameaça e as nossas ordens são de manter esse garoto nesse quarto. Você pode esperar o retorno de nossa comandante ou então pode lutar conosco. Mas eu lhe aviso: Se escolher lutar, esteja preparado para as consequências.

O brilho nos olhos castanhos de Yvanna fez com que o soldado recuasse outro passo. Confuso, ele não sabe o que fazer. Suas ordens eram de entrar na estalagem, recolher o prisioneiro e levá-lo à prisão. Se houvesse resistência, o número dos soldados intimidaria e a ordem real persuadiria os guardas para que deixassem o garoto ir.

Além do mais, ainda que pareçam perigosos, o elfo sabe que tem apenas dois inimigos. Ao sacar sua espada, os demais o acompanhariam e ele poderia subjugá-lo. Seria um problema, certamente, porém, contanto que não os matassem…

-Vocês ousam contrariar as ordens reais? - Ele tenta, uma última vez.

Yvanna fecha os punhos. Sabe que não tem outra saída. Apesar das suas palavras, não queria de fato iniciar um combate, uma vez que tal atitude envolveria Barsen. Seus olhos estão presos nos olhos do elfo e ela não diz uma palavra, aguardando seu próximo movimento.

O jovem soldado leva a mão à cintura, onde sua espada está presa. Ele passa a mão sobre o pomo, reflexivo. Seu rosto se volta para os soldados em redor, buscando aprovação, mas ninguém esboça reação.

Yvanna funga uma vez e faz uma careta. No ar, pode sentir um leve cheiro de morte.

Como sempre, ela deseja que seja o cheiro da morte dos inimigos.

-Já chega. - A voz vêm da janela, às costas deles. Yvanna se vira imediatamente e vê Rinlia passando pela moldura. - E eu pensava que era Barsen quem começaria uma guerra se eu não fosse rápida o bastante.

*

Arthur acorda com o som de uma porta batendo. O choque da madeira é forte o bastante para assustá-lo, mas seu corpo não tem forças para reagir de imediato. A fraqueza que o abate adormece seus membros e torna mais lento até mesmo o movimento de sua cabeça.

A sua perna, fraturada durante a batalha, não dói de imediato. Conforme a consciência é recobrada e os cinco sentidos lhe retornam, uma comichão se inicia em seu quadril e desce em direção ao joelho. Pequenos impulsos elétricos transmitem ao cérebro a notícia de que algo está errado e, em pouco tempo, pulsações mais fortes parecem emitir da área.

Ainda ocupado em despertar depois do longo período de sono, Arthur confunde as sensações, sem entender imediatamente que aquilo em sua perna é dor. Uma dor pungente, que repuxa os músculos e contrai todos os nervos, desde o pé até o crânio.

Ele tenta mover o corpo e ficar em pé, mas não consegue sequer puxar a perna para perto de si sem que um gemido dolorido escape por entre seus dentes. Faz algumas tentativas, com base unicamente em teimosia, mas desiste, ofegante, ao perceber que está próximo de desmaiar novamente.

"Quantas vezes eu já desmaiei desde que acordei nesse mundo?"

Ele acaricia a coxa, tentando suavizar a dor em sua perna.

"Antes de vir para cá, nunca tinha desmaiado na minha vida. Eu pensava que a sensação seria parecida com dormir, mas não é nem perto disso. É desconfortável e a cabeça parece desligar de uma só vez. É muito diferente de dormir. Parece que eu estava… Morrendo? Sim, deve ser isso."

"Então, quantas vezes eu já passei perto de morrer desde que cheguei a esse lugar?"

Um riso nervoso sai por entre seus lábios. Ele olha em redor e vê os contornos de uma cela precária. As suas costas estão apoiadas em uma das paredes de pedra e, acima de sua cabeça, na mesma parede, está moldado um buraco pouco maior que a palma de sua mão, por onde entra a iluminação do sol. O chão sobre o qual está sentado é feito de pedras irregulares. Ao seu redor, as demais divisórias de sua cela são formadas de pedras retangulares e bem moldadas, fortificando uma prisão ampla, de alguns metros quadrados.

Olhando em redor, ele percebe que trocaram suas roupas enquanto ele estivera desacordado – depois que as suas próprias foram destruídas durante o ataque do urso. Sua camisa, agora, era feita de uma espécie de algodão resistente e tingido de preto. Sua calça não passava de couro trançado de modo bastante arcaico. E, por qualquer que fosse o motivo, ninguém se incomodou em lhe fornecer algum calçado.

Pelo som vindo do exterior de sua cela, ele consegue perceber que está alguns metros acima da movimentação de cavalos e pessoas. Uma torre? Talvez.

-Ei, tem alguém aqui?

À sua frente, ele vê uma grande porta de madeira. Mesmo sem tê-la visto se abrir, é perceptível que aquela porta possui ao menos um palmo de largura e que seria necessária a força de um homem grande para abri-la.

-TEM ALGUÉM AQUI?!

A porta não responde. E, mesmo que ela tenha tentado abafar o som da sua voz, naquela altura, qualquer um além dela tinha que ter o escutado.

-Tem alguém aqui?! - Ele tenta outra vez.

Ninguém responde.

De onde está, ele se arrasta um pouco, evitando ao máximo o movimento da perna – que, ainda assim, causa-lhe dores. A porta continua fechada. Ele não vê ninguém, mas escuta o som de movimentação daqueles que guardam sua saída. Da sua cela, ele não pode nem ao menos distinguir os sons exteriores ou enxergar algo que possa ajudá-lo a entender onde está ou o que está acontecendo.

Ele continua se arrastando em direção à entrada, resmungando de dor enquanto avança, desinibido pela ausência de qualquer companhia.

Sua perna, em contato com a pedra da prisão, parece romper a cada novo movimento. Ele xinga e choraminga, mas continua avançando. Sua boca está seca e seu estômago está vazio. Razões o bastante para que ele se mova na direção da entrada da cela, onde o cheiro apetitoso de uma refeição grita o seu nome.

"Mas que porcaria é essa?"

Seu olhar é de desprezo ao encarar o cozido de peixes e legumes reunidos em um pote de barro, numa mistura malfeita que não favorecia os peixes, tampouco os legumes. A atração gerada pela fome é o único motivo para que ele não hesite em continuar. Arthur leva o pote à boca e deixa o conteúdo fluir pela garganta. A mistura ainda está quente e ele sente o prazer da fome saciada em meio ao gosto duvidoso da comida servida.

Ao lado do cozido está outro pote, menor, com água. Pouca, mas o bastante para que seus lábios deixem de ressecar por conta da sede.

-Onde será que eu estou?

Ele fala sozinho, sem esperar resposta. A falta de companhia nos últimos dias lhe incomoda e a constante perseguição, lutas e desmaios fazem com que a solidão aumente.

-Eles disseram… O que foi que aquela mulher disse? - Seu cérebro não se acostuma à ideia de que Rinlia é uma elfa. - Ela disse que eu estou em outro mundo. - Ele olha em redor. - Bem, acho que as esperanças de que isso fosse um sonho acabaram há muito tempo.

Ele dá as costas para a porta, apoiando-se na parede ao lado e encarando o lugar onde despertara. No alto da parede está a entrada retangular de luz, por onde os poucos raios de sol passam. Uma substância transparente flutua através dela e paira próximo ao chão da cela. Sentindo-se cansado e com sono, Arthur não a percebe de imediato e continua murmurando sozinho.

-Então eu vim para um mundo de fantasia, uh? Não consigo nem mesmo ficar irritado com isso. Já passei raiva demais. O que eu deveria fazer agora? Será que existe algo que eu possa fazer?

A substância adquire forma e cresce dentro da cela. Arthur, inicialmente chocado, assiste atentamente à criatura que se transforma e adquire uma aparência familiar. O medo, que o tomou de início, esvaece diante da imagem de contornos humanos. De cabelos negros. De olhos amendoados e atentos.

-Você. - Ele diz. - Acho que te devo um agradecimento. Desde que cheguei, você foi a única que me ajudou nesse mundo amaldiçoado. Veio me fazer uma visita?

Ele reconhece nela a figura de uma garota de cabelos negros e rosto de traços asiáticos.

Ela não lhe responde.

-O que veio fazer aqui? Se me lembro bem, sempre que nos encontramos, eu desmaio. É isso que vai acontecer?

Ela parece sorrir. Com a cabeça, faz um gesto negativo e se aproxima, estendendo a mão. O gesto lhe é familiar.

-Tem certeza que eu não vou desmaiar?

O sorriso dela se expande.

-Muito prazer. Meu nome é Arthur.

Ele aperta a mão à sua frente. Dessa vez não desmaia, mas sente algo que vêm da mão dela. Uma força que lhe invade o interior e o preenche. A mesma sensação que sentiu na praia, ao despertar pela primeira vez.

É como uma luz que acende em seu peito e se expande para todo o corpo, onde cada pedaço iluminado pela luz se fortalece e desenvolve.

Sem perceber, os olhos dele se abrem e sua feição se torna atenta. Ele põe a mão na parede às suas costas e, com a perna boa, começa a levantar. A imagem à sua frente enfraquece e parece perder o brilho, mas a constituição do corpo dele parece fortalecer e ganhar forças.

Sem perceber, ele dá um passo à frente, na direção dela. Então outro. A figura dela recua e enfraquece. Ele dá outro passo.

Então a luz em seu peito dissipa e ele cai para frente, sua perna cedendo ao peso do corpo e desmoronando sobre o chão de pedras.

-O quê? Ai!

A dor o toma de assalto e ele se arrasta na direção da parede, apoiando as costas e massageando a coxa. O lugar fraturado mal tinha sido arrumado por quem o tratou. A tala mal feita quase não deixava o osso no lugar e a queda deveria ter piorado sua situação.

Mas isso não aconteceu.

No lugar da fratura, apesar da dor, Arthur conseguiu perceber que sua perna já não estava no mesmo estado crítico de antes. Apesar de não conseguir se levantar novamente, ele pôde notar que a ferida externa não estava aberta, por baixo das ataduras. E, internamente, o osso e os nervos responderam, de forma fraca, à sua tentativa de movimento.

A dor o inibiu de novas tentativas, mas aquele certamente não era o desenvolvimento normal de uma fratura exposta recente.

-O que você fez? - Ele encara a imagem, quase impossível de enxergar, da garota à frente.

Ela parece abatida e seu tamanho diminui, seus contornos desvanecendo.

-Espere, você está bem?

Ela acena de modo positivo.

-Mas você está desaparecendo. O que está acontecendo?

Ela faz um gesto negativo. Ele pensa, mas não consegue chegar a lugar algum.

-Isso é magia? O que você usou em mim? - Ela concorda. Sua forma parece se estabilizar, embora a cor não retorne ao seu corpo.

"É claro que é magia." Ele pensa. "Isso mesmo. Esse não é o meu mundo. Esse lugar onde estou agora é diferente, mas isso não significa que não há nada que possa ser feito."

-Aqui as regras são diferentes… - Ele encara a imagem à sua frente. A garota parece uma figura etérea, caminhando em seu redor, explorando os limites da cela.

"Esse não é o meu mundo. Esse mundo quer me prender, caçar e matar. Quantas vezes eu desmaiei? Quantas vezes eu cheguei perto da morte? Se eu não fizer nada, quanto tempo mais até que a minha sorte acabe?"

A garota caminha dentro da cela. Sua imagem não pode ser vista.

-Ei. Você. - Ela se vira para ele, seus olhos negros são apenas sombras dentro de seu rosto transparente. - Essa magia que você usou. Você pode me ensinar?

A garota de olhos amendoados sorri.

E balança a cabeça num gesto positivo.

*

*

Gostou da história? Adicione à sua coleção!

Tem alguma ideia ou pensamento sobre a história? Comente!

Serjentocreators' thoughts