Após a conversa com Kaz, minha mente vagou nas próprias memórias e andamos até a cidade quase em absoluto silêncio e apenas trocando trivialidades quando falava Kaz, imagino que ele tente nos fazer parecer tão normal quanto o possível. Trabalho difícil.
Quando entramos na cidade não perdemos tempo e procuramos por uma pousada que possa nos oferecer quartos separados, quando achamos nos separamos no mesmo instante e cada um foi ao seu quarto.
Dentro do meu quarto, fecho a porta atrás de mim e me atiro na cama arrumada, não mais, e me esprguiço quase como um gato, uma cama macia é uma raridade na vida de uma fugitiva então, aproveito sempre que tenho a chance.
Ainda aproveitando o conforto da cama me ocorreu que faz um tempo desde meu último banho, agora que pensei nisso me sinto suja, droga. Os quartos que pegamos tem banheiras e assim como a cama algo que devo usar quando posso.
Sem perder tempo vou para a banheira e, sem água quente, mas eu só quero tomar um banho mesmo, nos primeiros instantes a água fria parece me dar um choque, eu devo estar parecendo uma gata assustada, mas logo consigo superar o frio e entrar na banheira.
Dez minutos depois, eu tenho que aproveitar quando posso, finalmente me sinto limpa e calma, infelizmente. Normalmente estar calma seria o ideal mas no momento estar calma significa pensar com clareza e pensar com clareza, ao menos para mim, se iguala a lembrar com clareza.
Lembrar de quando fui selecionada como a herdeira da minha linhagem, lembrar da minha família meu pai de quem herdei meus cabelos ruivos, minha mãe de quem herdei os olhos verdes, Yanan que era leniente com as minhas travessuras. Então a fuga, a traição do líder dos Su, e os bastardos dos Braigthe que se aliaram a eles, como eles venderam informações que colocavam em risco os outros três clãs, espalharam rumores que basicamente colocaram alvos em nossas costas e assistiam nossa destruição.
E finalmente lembrar de como eu vim parar aqui, Kaz, Yanan apostou nele como minha chance de contra atacar os traidores, mas até agora só vejo um velho ranzinza num homem de meia idade quando interajo com ele.
Mas o poder que ele tem é bem real, considerando o que me lembro da conversa dele com Yanan, imagino que a chance de contra ataque se refira a uma dessas duas coisas: fazer de Kaz um aliado que lutaria junto com a Ordem, parece impossível... ou aprender com ele e me tornar forte o suficiente para liderar o contra-ataque por mim mesma, continua difícil e desegradevel, mas é possivel.
Após ordenar meus pensamentos, o quanto possível, sei o que preciso fazer: convencer o bebé galões a me treinar, seriamente.
Só tem um problema no caminho, eu não faço ideia de como convence-lo.
Devo simplesmente conversar até chegarmos a um acordo? Não, com personalidade dele ele provavelmente vai me dar uma condição vai se revelar uma tortura psicológica.
Impressiona-lo? O que infernos impressionaria essa aberração?
Espera, acho que eu um consigo um acordo decente na verdade.
Em meio aos devaneios de como melhorar minha situação uma ideia me ocorreu, meus lábios se curvam pra cima, em um sorriso travesso. Espere, Kaz tudo o que você sabe, vai ser usado para me fazer mais forte logo. Mas agora vou sucumbir a outro luxo o conforto de uma noite bem dormida.
Yawn, com um bocejo que desconsidera elegância, quem é elegante assim que acorda? Não eu, gostaria? sim.
Em marcha lenta vou me arrumando, cabelo, roupas esconder o olhar de moribunda, nota mental: dormir demais é tão ruim quanto dormir pouco.
Finalmente pronta, saio do quarto, e desço até o térreo lá está Kaz tomando um café da manhã improvisado com pão, suco e alguma fruta redonda que eu não conheço, ele gesticula para eu me aproximar.
O cheiro da comida faz que meu estomago roncar, apesar de Kaz não mostrar nem uma reação minhas bochechas ainda assim ficaram vermelhas, em sequencia me sento em frente a ele e começo a comer sem fazer contato visual.
"Assim que chegar ao meio dia a gente começa a viagem para próxima cidade, entendido?" Ele pergunta assim que acabo minha refeição.
" Entendido." Respondo ainda evitando olhar o rosto dele, dessa vez pra tentar suprimir a ansiedade do que estou prestes a fazer, por favor de certo.
"Kaz, o acordo era só pra ser sua assistente certo?" Pergunto sem evitar olhar prá ele, o que me fez perceber que ele deve ter dormido muito mal ou nem dormiu essa noite.
"Sim, por que?" Ele responde, a voz o faz parecer estar sempre entediado, os olhos cansados também contribuem para essa impressão, claro.
"Este acordo é para as três técnicas da Ordem e uma de Yanan, então imagino que seja possível trocar por lições específicas se eu puder fornecer algo de seu interesse, certo?" Eu pergunto, ainda preocupada que de alguma forma inconcebível eu possa estar dando um tiro no próprio pé.
"Não vejo razão para recusar essa mudança no acordo, você já tem algo de interesse para mim?" Enquanto ele falava, o olhar cansado deu lugar a um olhar provocativo e arrogante, e é isso que vou usar para tirar vantagem deste negócio.
"Ainda não, mas tenho uma ideia de como realizar essa façanha." Digo com um sorriso confiante, escusado será dizer que a parte confiante é pura atuação, certo?
Agora já tenho a concordância dele, eu posso trabalhar nos detalhes desse acordo.
Já que cada subsequente transação me coloca em desvantagem, sou quem quer o produto mas o provedor não precisa vender pra ter lucro nesse caso.
geral da minha ideia é usar algo de baixo valor pra mim nas transações iniciais, já que ele não pediu por trocas equivalentes, vou pegar o que acho mais necessário.
"Bom, se já acabou seu pequeno questionário, vamos olhar a cidade."
"Por quê?" Perguntei um pouco surpresa pela mudança súbita de assunto.
"Pra matar tempo, ver se conseguimos informações sobre qualquer coisa parecida com um aliado para nós, ou sobre nossos inimigos para os evitarmos com precisão" ele falou com voz cada vez mais baixa até se tornar um sussurro "e por último é mais importante nos misturar a multidão como turistas normais."
"Okay, mas eu duvido que essa cidade tenha alguma atração turística descente." Expresso minha pequena dúvida com nosso plano.
"Provavelmente não, mas sempre existe algum charlatão tentando ganhar dinheiro fácil de um viajante desavisado" Então vamos passar o resto da manhã fingindo sermos viajantes ingênuos?
Com o bruto do nosso plano de fuga decidido Kaz vai até o balcão pagar alguma coisa, como fiquei na mesa não consigo ouvir que ele está perguntando, provavelmente um dos jeitos dele coletar informações.
Após sem voltar para mesa ele faz um gesto para eu o seguir, e saímos da pousada, andamos sem rumo pela cidade até encontrarmos um artista de rua.
Era um homem de pele morena, cabelo raspado e logo acima da sobrancelha esquerda uma tatuagem tribal dava a volta atrás da cabeça até acabar em um círculo estilizado no olho direito.
Ele fazia malabarismo com uma variedade estranha de objetos, pinos, bolas, martelos, facas, frutas e moedas.
Parece que eu estou vendo muitas moedas ultimamente, apesar do uso cada vez mais limitado que elas tem para um Synchroner.
Acho que essa é parte de mim que ainda vive no núcleo, onde ninguém se importava com moedas de troca de pessoas comuns.
Logo ele para os malabares, não recolhendo os objetos mas arremessando a maior parte para o ar, posicionando calmamente os que ainda estavam em sua mão no chão, guardando o dinheiro no bolso e continuava assim até guardar todo o equipamento.
"Ele tem uma talento." Kaz falou de repente.
"Como assim?" Pergunto surpresa.
"Talento talvez não seja a palavra correta, mas ele tem um conjunto de habilidades que todo Synchroner melhora aos poucos: tempo e ritmo. São o básico de todo Synchroner, e ele tem ambos de sobra."
Ele continua os elogios, o que faz com que uma parte infantil de mim se sinta incomodada de nunca ter ouvido um elogio, e a parte racional também sabe que eu não tive oportunidade de mostrar as minhas habilidades, e que discutir com ele por causa disso seria bobagem. Mas...
"É o suficiente pra você considerar aceitar ele como um discípulo?" eu não aguentei a curiosidade, de infantilmente querer conhecer qual é o patamar desse suposto talento e como eu me comparo a ele.
Kaz coloca os dedos no queixo, pensativo, e responde secamente.
"Não."
"Por que?" Eu pergunto, com a minha curiosidade em um crescendo constante.
"Esse conjunto de habilidade é útil e uma vantagem contra Synchroners no mesmo nível mas saber usar isso em batalha é outra história" Ele responde devagar com uma pausa aqui e ali para alinhar seus pensamentos com a explicação eu imagino "E acima de tudo é uma vantagem que se torna tão difícil de usar quando você e seu oponente alcançam um alto nível que é quase redundante."
"Porque essas duas habilidades crescem junto com o Synchroner, isso é igual para todos, e o quanto mais refinada essas habilidades menor o aumento, então com o tempo a diferença entre eles e outros sem esse talento se torna negligenciável, correto chefe?" Explico meu raciocino, com um pouco de sarcasmo no final.
Kaz ergue uma sobrancelha um pouco surpreso com a referencia ao nosso acordo, e logo começa a falar.
"Essa é verdade para a maioria das pessoas, mas Mingten eu vivi muito, o suficiente pra saber que sempre tem alguém cujo o crescimento é um ponto fora da curva, essas pessoas tem força fora de proporção com o seu nível ou formas de reverter resultados que antes eram dados como certeza de volta a incerteza."
Ele pausa parecendo pensar em algum assunto distante da nossa situação atual, e seus olhos demonstram algo parecido com preocupação.
"E também são os oponentes mais perigosos que já enfrentei, muitos deles foram as vezes que eu passei mais perto da morte mesmo como estávamos no mesmos nível, e outros eram capazes de me enfrentar até mesmo estando um nível abaixo de mim se tivessem uma boa estratégia."
Ouvi-lo falar dessas pessoas, existências que quebram o senso comum, me fez pensar nos membros da Ordem dos disjuntores.
Não somos tradicionalmente fortes, mas nossas armas são únicas porque podem anular a maioria das técnicas que dependem de Synchro tem algumas regras pra isso claro, mas apenas isso me faz pensar se um membro da Ordem se tornasse um Synchroner de maior calibre e ainda usasse as melhores de nossas armas, ele não se qualificaria como um desses destruidores de senso comum?
Ao que parece as conversas com Kaz tem acendido centelhas em minha mente, pois tenho uma ideia, tive muitas hoje, e essa tem o ver com o malabarista, Kaz parece que vou comprar sua primeira lição mais rápido do que eu esperava.
Quando multidão ia se dispersando, comecei a andar até o malabarista, Kaz claramente descontente com minha fuga súbita me seguia calmamente, quando chego na frente do malabarista paro dramaticamente e falo apontando para ele:
"Vamos fazer uma aposta!"