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A Herança Saiyajin e a Solidão do Guerreiro

Lettie nunca entendeu o porquê se sentia diferente das outras mulheres. Por que adorava lutar e treinar? Por que conseguia sentir a força das pessoas ao seu redor? E, sobretudo, qual era o objetivo de tudo aquilo? Pelo que estava lutando? Sua vida muda completamente quando ela é raptada, descobre que possui dois irmãos mais velhos chamados Goku e Raditz, um pequeno sobrinho chamado Gohan, e de que faz parte de uma raça alienígena quase extinta conhecida como Saiyajin. No meio de tudo isso, ela se vê na presença de Piccolo, um Namekuseijin ranzinza e impaciente que treinará Gohan para se tornar um exímio lutador para defender a Terra contra uma terrível ameaça, e encontra ali a oportunidade de também ser treinada e reconquistar sua herança há muito perdida de uma guerreira Saiyajin. Porém, com o passar do tempo, Piccolo começa a suspeitar que tudo o que sabe sobre o seu passado está errado quando aquela estranha mulher e criança Saiyajin despertam nele um lado no qual nunca imaginava que poderia ter. Conseguirá Piccolo deixar tudo para trás ao ver que suas diferenças com Lettie são mínimas comparadas à conexão que sentem, e que a pior coisa que pode fazer é esconder um sutil, mas poderoso sentimento que cresceu entre os dois? Ou será que ele deixará o medo superar a vontade de realizar o sonho que secretamente tem com ela?

Nathalia_Croft · Tranh châm biếm
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36 Chs

Capítulo 10

PICCOLO

Fazia uma semana que Gohan havia desaparecido.

É seguro dizer que Lettie meio que… surtou. É seguro dizer que eu quase surtei, porque simplesmente não conseguíamos encontrar o garoto em lugar algum.

Passávamos o dia inteiro o procurando, sobrevoando por toda aquela região, chamando pelo seu nome e tentando rastrear seu Ki. Parecia que estávamos presos num labirinto, pois sentíamos o Ki de Gohan, mas sua localização era muito incerta e confusa.

Nós dois não treinamos durante aquela semana. Nossa rotina era apenas procurá-lo e voltar ao Acampamento para tentar comer alguma coisa. Digo tentar, porque Lettie não conseguia comer nada, e só ficava fitando a fogueira com um olhar vidrado e cheio de pavor por achar que havia perdido seu sobrinho para sempre.

E depois, ela se deitava ao meu lado, como fizera na primeira noite que o perdemos, mas, quem disse que ela conseguia pegar no sono? O pior era que eu a ouvia chorar baixinho durante a madrugada, de guarda no meu canto ao lado da fogueira, e me sentia o mais inútil dos homens.

Eu tentava esconder que eu me preocupava com o bem-estar de Gohan tanto quanto ela. Ele podia ser um Saiyajin, podia ser um garoto com poderes e forças espetaculares, contudo, a imagem que eu tinha dele era daquela pequena criança a qual afligi nos dois primeiros meses do Treinamento; aquela a qual vi os hematomas e machucados marcando todo o seu corpo pequeno, e um medo me invadia ao pensar que ele estava perdido por aí, sozinho e sem amparo.

Era impossível não pensar nas palavras de Lettie, de que eu era praticamente um pai para Gohan. Eu tentava afastar esta constatação, porém, quanto mais eu evitava, mais nítido eu percebia como, durante esses oito meses de convivência, um profundo sentimento paternal para com aquele garoto aos poucos me preencheu.

Eu me sentia muito estranho. Gohan era filho do meu arqui-inimigo, filho do homem que, há pouco tempo, eu desejava superar, mas que agora, já parecia uma ambição tão… sem sentido.

Tudo isso me fazia pensar em Lettie, que sofria em silêncio, no fundo se culpando por perder Gohan, e dia após dia do seu sumiço, começava a entrar num intenso estado de letargia depressiva.

E vê-la naquele estado doía mais em mim no que nela, mas eu precisava me manter forte. Por mim, por Lettie, e por Gohan.

A exatos sete dias desde o seu desaparecimento, nós dois estávamos de volta ao Acampamento na hora do almoço, após tê-lo procurado pela madrugada inteira. O dia estava frio e nublado, como se refletisse os nossos espíritos, e Lettie se sentava na frente da fogueira que eu havia acendido, enrolada no cobertor de Gohan enquanto eu enchia uma cumbuca com uma sopa que eu havia preparado.

Seus olhos estavam inchados e vermelhos, com filetes de lágrimas silenciosas marcando o seu rosto pálido e magro.

Me agachei ao seu lado com a sopa.

— Lettie… — Tirei uma mecha de cabelo dos seus olhos com delicadeza. — Vamos lá, você precisa comer. Ainda iremos procurá-lo mais um pouco hoje.

Devagar, ela virou-se para mim com um olhar vazio e sem vida, e meu coração doeu. Senti um forte desejo de abraçá-la, de aninhá-la em meu peito e dizer que tudo ficaria bem. Mas não o fiz. Eu não tinha coragem.

O que restou foi nós dois ficarmos nos olhando por intermináveis segundos, com nossas mentes num turbilhão cheio de preocupação e cansaço.

Foi então que, de repente, arregalamos os olhos e nos empertigamos.

Lettie tirou o cobertor e levantou-se num pulo.

— V-V-Você sentiu isso?!?! — Ela procurou ao redor.

— Sim! — Coloquei a cumbuca no chão e me levantei com ela. — É o Ki de Gohan! Está… se aproximando!

Trocamos olhares atentos e alarmados, e então, ouvimos:

— TIA LETTIE!!!!!!!!! SR. PICCOLO!!!!!!!!!

Alguém voava rápido em nossa direção.

— GOHAN!!! — exclamamos em uníssono.

Ele voou direto nos braços da tia, a atingindo com tanta força que ela caiu para trás com um baque no chão.

Seguiu-se uma sequência de choro, risos e lágrimas, vindas de Lettie e Gohan, enquanto eu os assistia, sentindo o peso de uma montanha sair das minhas costas.

Gohan então virou-se para mim, e voou para o meu colo, também chorando em meu pescoço.

— S-Sr. Piccolo! — soluçou ele. — Eu fiquei com t-tanto medo!

De início, não tive reação, com as mãos erguidas na lateral do corpo. Mas não consegui mais aguentar. Entrelacei o pequeno Gohan em meus braços e caí de joelhos, o apertando forte.

Lettie deliberadamente o arrancou de mim, para inspecioná-lo de cima a baixo. Não gostei muito da sua atitude, mas fazer o quê? Era compreensível.

Quando Gohan ficou de pé entre nós dois, pudemos ver a real situação do seu estado. Ele estava todo imundo, descabelado e com as roupas rasgadas e desgastadas.

Entretanto, tinha algo de diferente nele. Eu não conseguia dizer bem, mas, parecia que, de alguma forma, ele havia crescido um pouco. Só então me dei conta de que no período em que ficou perdido, ele completara cinco anos. Agora, mesmo ainda com um aspecto infantil de criança pequena, seu olhar e postura demonstravam uma certa… maturidade e determinação que outrora não existia.

O que aconteceu com aquele garoto?

Lettie externalizou minha pergunta.

— Depois que fugi do dinossauro lá na floresta — começou Gohan —, encontrei uma brecha nas árvores e saí voando de medo. Me desculpe, Tia Lettie...

— Tudo bem, meu amor… — Ela limpou seu rosto, ainda ofegante pela emoção. — Mas, aonde você foi?! Estamos te procurando há dias!

— Estava muito escuro, então não conseguia encontrar o Acampamento, e fiquei voando por aí até que… — Ele baixou a cabeça. — Me perdi.

— Por que não rastreou nosso Ki? — perguntei.

— Eu estava com muito medo, Sr. Piccolo… — Gohan me olhou com vergonha. — Não consegui…

Lettie o sentou em seu colo.

— Você sabe onde foi parar? Foi aqui por perto?

— Não… — negou ele. — Só sei que minhas energias acabaram e precisei pousar num deserto de areia. Foi aí que fui engolido pela terra.

Engolido pela terra?! — exclamamos.

— Sim! — confirmou ele, veementemente. — Eu caí dentro do Templo Nemurien.

Eu e Lettie trocamos olhares confusos. Para mim (e pelo visto, também para ela), Gohan falou outro idioma. Ao ver nossa cara, ele explicou:

— É um sítio arqueológico subterrâneo de um Templo muito antigo, escondido debaixo da areia. Eu fiquei apavorado, porque era um lugar escuro e quieto, mas tive a ajuda do Sr. Robô!

— "Sr. Robô"? — repetiu Lettie.

— Isso mesmo! Dentro do Templo, tinha um robô protótipo da série 3-S, mas ele estava meio enterrado na areia, porque foi abandonado pelos pesquisadores e não conseguia sair de lá há muitos anos. Era tão ranzinza quanto o Sr. Piccolo! — Ele me deu uma risadinha travessa.

Revirei os olhos enquanto os dois riam de mim. Pelo menos, Gohan não havia mudado numa coisa: continuava um nerd.

— Devo ter ficado mais de um dia preso lá, e tive muita pena do Sr. Robô por estar sozinho naquele lugar por tanto tempo. Quis tirá-lo dali, só que quando fui desenterrá-lo, as paredes do Templo se enfraqueceram e começaram a desabar em cima da gente. Assim que o Sr. Robô viu uma brecha na parede, me jogou com força pelo buraco e todo o Templo desabou nele.

Lettie cobriu a boca em espanto.

— E o que aconteceu com o Sr. Robô?! — indagou ela, tão investida na história como se assistisse a um filme de drama.

— Ele… — Gohan ficou cabisbaixo, de olhos marejados. — Ele não sobreviveu.

Sua tia lhe deu um olhar triste e acariciou seus cabelos para consolá-lo.

— Depois disso — ele suspirou —, fui dormir numa caverna, e quando acordei, tinha um dinossauro dormindo do meu lado!

— Era aquele T-Rex?! — replicou Lettie, assustada.

— Não... Era uma espécie mansinha e não parecia bem... Foi daí que percebi que ele estava com um galho imenso enfiado na barriga... Deve ter sofrido algum acidente e foi dormir na caverna para se recuperar.

— Pobrezinho! — lamentou Lettie. — Você ajudou ele?

— Sim! Fiz um emplastro que meu papai me ensinou uma vez, para curar feridas, e o deixei se recuperando enquanto buscava algumas frutas para ele comer. — Gohan se virou para mim com um sorriso. — Escolhi as melhores frutas, Sr. Piccolo, igualzinho o senhor me ensinou!

Me peguei sentindo uma sensação de orgulho.

— Bom trabalho, Gohan. — Pisquei, devagar.

— Espero que o seu amigo dinossauro tenha se recuperado bem. — Lettie afagou suas costas.

Gohan de repente demonstrou um profundo abatimento e tristeza.

— O que foi, querido? — preocupou-se Lettie. — Por que essa cara?

— Q-Quando eu voltei… — Gohan engoliu o choro, soluçando baixinho. — Aquele T-Rex do mal que nos perseguiu... E-Ele... Ele devorou o meu amigo dinossauro!

Lettie escancarou a boca e buscou o meu olhar. Mas, o que eu podia dizer? Gohan, feliz ou infelizmente, havia aprendido a dura lei da natureza. Faz parte…

— Puxa… — disse ela. — Sinto muito…

— Obrigado, Tia Lettie… — Ele limpou o nariz com o dorso da mão.

Permanecemos em silêncio por um momento, até que perguntei, procurando manter uma entonação serena:

— E o que aconteceu com você depois disso?

— Eu saí voando, mas me perdi mais ainda, e fiquei sem energia de novo quando cheguei numa praia, e desmaiei por lá. Quando acordei, eu estava numa casa muito velha e acabada, e descobri que era uma cidade deserta habitada apenas por crianças órfãs que perderam seus pais num terrível maremoto que aconteceu há alguns anos.

Lettie colocou a mão no peito, visivelmente tocada.

— Me lembro de ter ouvido sobre esta catástrofe nos noticiários… — Ela me olhou, e, com um aceno de cabeça, confirmei que eu também tinha. Ela voltou-se para Gohan: — Mas, esses órfãos viviam… sozinhos? Não tinha nenhum adulto cuidando deles?

— Bom… — respondeu Gohan. — Todos os dias, uma mulher com um bando de homens ia até essa cidade abandonada tentar capturá-los e levá-los para orfanatos, mas as crianças sempre conseguiam fugir, porque me disseram que, quando eram levados para esses lugares, apanhavam, sofriam castigos e ficavam sem comer!

Percebi que Lettie ficou bastante perturbada com o que ouviu, e perguntei se ela estava bem.

— Desculpem, é que… — Ela fez uma expressão de dor. — Isso me faz lembrar de alguns momentos da minha infância... — Ela deu um meio sorriso encabulado. — É certo que existem muitos orfanatos bons e que ajudam as crianças, mas... também existem alguns horríveis como esses... — Ela olhou para baixo. — Entendo o medo delas, mais do que gostaria.

Me senti mal, e o clima entre nós ficou um pouco estranho. No entanto, Lettie limpou a garganta e desfez aquele semblante de antes, e perguntou:

— E o que você fez quando esteve com aquelas crianças, Gohan?

— Bom, eu… hã… — Ele ficou sem jeito. — Passei aquele dia com elas e... as ajudei a roubarem comida da outra cidade... — Ele a olhou de baixo, receoso.

Eu jurava que Lettie lhe daria uma bronca por roubar comida, mas ela não disse nada, apenas adquiriu uma feição soturna e sombria. Foi então que pensei... Será que ela própria não fizera aquilo quando morou nas ruas em algum momento que passou fome?

Não consegui evitar criar tal imagem em minha cabeça; Lettie, tão nova, sozinha e faminta, jogada nas ruas, tentando sobreviver.

Meu mal-estar só piorou.

— Depois — prosseguiu Gohan —, aqueles caras do orfanato conseguiram pegar as crianças, mas eu fugi com o menino mais velho e líder da turma com um carro que ele roubou dos homens. — Ele virou-se para Lettie, com os olhos cheios de lágrimas. — Aí, ele me contou que, no final das contas, aquelas crianças teriam um futuro melhor no orfanato, do que vivendo sozinhas naquela cidade abandonada, pois, bem ou mal, poderiam ter uma chance de ganhar um novo lar e uma família.

Vi Lettie engolir saliva, nitidamente segurando um choro entalado na garganta, e decidi acabar logo com este assunto.

— E como foi que você nos encontrou, Gohan?

— Por um milagre, o líder das crianças me contou nossa localização, e descobri que era muito perto da minha casa, e decidi ver a minha mamãe!

— O quê?! — repliquei.

— Você voltou pra sua casa?! — acrescentou Lettie.

Gohan nos deu um pequeno sorriso, o que só nos deixou mais confusos.

— Sim, eu voltei pra casa. Fui até a orla da nossa floresta e cheguei a ver a mamãe parada perto da janela do meu quarto, mas fui embora.

Lettie pareceu ler minha mente quando fez a pergunta que passou pela minha cabeça:

— M-Mas, por que não foi falar com ela?

O sorriso de Gohan aumentou, carregado de confiança.

— Porque aquilo era errado. Eu queria muito ver a minha mamãe... Queria tanto que até chorei. Mas, não sou mais um bebê chorão. Sou um futuro guerreiro e tenho uma missão: derrotar os Saiyajins e proteger a Terra, com minha Tia Lettie e o Sr. Piccolo! Depois que fui embora, passei o resto dos dias procurando vocês até encontrar nosso Acampamento de novo! S-o-z-i-n-h-o!

Uau. Aquilo, sim, me pegou de total surpresa.

Agora estava explicado o porquê Gohan aparentava estar diferente de quando o perdemos.

Lettie tinha lágrimas nos olhos, mas não eram mais de tristeza, mas sim, de orgulho, e pegou no rosto dele, o acariciando com os polegares:

— Meu garotinho… está crescendo!

Em resposta, ele se jogou em seu pescoço e a abraçou com força, e eu os analisei por um tempo. Gohan pode ter crescido e amadurecido um pouco durante essa semana que viveu sozinho, mas, no fundo, era nítido o quanto gostava do cuidado, carinho e acalento de sua querida Tia Lettie.

Estendi a mão, afaguei seus longos cabelos negros desgrenhados, e disse:

— Bom trabalho, pequeno.

Gohan virou-se para mim, com seus olhos brilhando.

— Obrigado, Sr. Piccolo!

Lettie então o afastou e o analisou de cima a baixo com um semblante reprovador e brincalhão.

— Bom, acho que chega de aventuras por hoje. — Ela se levantou, pegando na mão dele. — Venha, Gohan, vamos tomar um banho para tirar toda essa catinga!

— Podemos ir às Águas Termais? — perguntou ele.

— Claro… Depois de uma semana tão conturbada, merecemos um momento relaxante, não é? — Lettie virou-se para mim com um sorriso cheio de alívio.

Retribuindo seu sorriso, concordei com a cabeça e também me levantei, os observando se afastarem até a borda do Acampamento e levantarem voo para às Águas Termais. Coloquei as mãos na cintura e refleti nas mudanças que aquele garoto havia demonstrado.

Entretanto, quando parei para analisar, de todas as mudanças que Gohan sofreu, houve uma que me chamou muita atenção:

Ele não falava mais errado.

***

Naquela noite, voltamos à nossa rotina de jantar ao redor da fogueira, como se nada tivesse acontecido.

Bom, Gohan estava mais carente da tia e só conseguiu comer sentado entre suas pernas, elogiando sua sopa como se fosse o melhor banquete do mundo, pois sentiu muita falta da sopa da Tia Lettie nos dias em que precisou providenciar a própria comida.

— Não esqueça de também agradecer ao Sr. Piccolo — disse ela. — É ele quem traz a comida. Eu só junto tudo na panela. — Ela me deu uma piscadela divertida e retribuí, tomando uma colherada da minha cumbuca.

— Obrigado pela comida, Sr. Piccolo! — Gohan ergueu sua cumbuca num brinde imaginário. Ele então soltou um bocejo alto, piscando devagar os olhos vermelhos.

— Xii, estou vendo que alguém vai dormir cedo hoje. — Lettie afagou seus braços. — Assim que terminar sua sopa, já para cama, está bem?

— Escuta, Tia Lettie… — Gohan bocejou outra vez. — Lá na cidade abandonada das crianças, eles tinham o costume de contar histórias ao redor da fogueira. Me conta uma história?

— Vish! — Riu ela. — Eu não sou boa com isso.

— Sr. Piccolo — ele virou-se para mim —, conta uma história?

— Não.

— Ah… — Os ombros de Gohan caíram. — Tia Lettie, sobrou pra você.

— Puxa… Uma história? — Lettie ajeitou os cabelos. — Bom… Hã… Acho que tenho uma, que ouvi daquela senhora que me ensinou a cozinhar.

Ficamos em silêncio. Até o típico som noturno pareceu se aquietar naquele momento, todos atentos às suas palavras.

— Havia um homem, dono de um campo, que, um dia, saiu para semear suas sementes. — Sua voz calma e suave preenchia o ar ao nosso redor. — Uma parte delas caiu à beira do caminho, e as aves vieram e a comeram. Outra parte delas caiu num terreno cheio de pedras, e logo brotou, porque a terra não era profunda. Porém, quando saiu o Sol, as plantas se queimaram e secaram, porque não tinham raiz. Uma outra parte caiu entre espinhos, que cresceram, mas foram sufocadas. Contudo, algumas sementes caíram em uma terra boa, geminaram, cresceram e deram uma boa colheita; trinta, sessenta e até cem vezes mais.

Com um sorriso, Lettie tocou a ponta do nariz do sobrinho.

— Agora, me diga, Gohan, que tipo de terra você é? Uma que deixa as aves devorarem suas sementes; uma terra pedregosa e rasa; uma cheia de espinhos sufocantes ou... uma terra boa, fértil e que dá muitos frutos?

— Quero ser uma terra boa, Tia Lettie! — respondeu um empolgado Gohan.

— Então — ela acariciou seus cabelos —, precisa trabalhar duro para isso.

Gohan ficou pensativo por um tempo, até que indagou:

— Mas, se eu sou uma terra boa, o que são as sementes e os frutos?

— As sementes são todas as habilidades e ensinamentos que você está aprendendo para lutar contra pessoas que praticam o mal, como estes Saiyajins que estão chegando. Já os frutos, são a Bondade, a Justiça e a Verdade, resultados da prática de todas essas habilidades e ensinamentos que adquiriu.

— Ah… Entendi! — replicou ele, mas franziu o cenho em seguida. — Espera… Então, quem é o semeador?

— Quem você acha que é?

Gohan pensou por alguns segundos, até que, lentamente, se virou para mim com um enorme sorriso.

— É o Sr. Piccolo! Ele é o semeador!

Parei com uma colherada a meio caminho da boca ao ver os dois sorrindo em minha direção.

Lá estavam eles de novo, me olhando com aquela intensidade de um respeito o qual até o momento eu não conseguia entender de onde vinha, e a única pergunta que rondava minha cabeça era: por quê?

Por que eles gostavam tanto de mim assim?

Por que enxergavam em mim esta pessoa admirável?

Por que Gohan me olhava como se eu fosse um super-herói?

E por que Lettie me olhava como se eu fosse o homem mais honrado que já conhecera, sendo que nunca em minha vida fiz algo digna de honra?

Sustentamos nossos olhares por longos segundos, enquanto meu peito queimava com uma sensação estranha, mexendo comigo desde as profundezas do meu âmago, até que Lettie ergueu Gohan do seu colo e disse:

— Chega de histórias por hoje. Dê boa noite ao Sr. Piccolo e vamos para cama.

Gohan correu até mim e me abraçou bem apertado, quase me fazendo derrubar a sopa.

— Boa noite, Sr. Piccolo! Mal vejo a hora de voltarmos a treinar amanhã! — Ele flexionou os bracinhos. — O senhor vai ver como fiquei mais forte!

Lhe respondi com um sorriso amarelo, ainda me recuperando daquele abraço repentino, e os observei se distanciarem. Antes de entrar na barraca atrás de Gohan, Lettie olhou para trás e me deu outra piscadela, e enfim me deixou ali, sozinho com a fogueira, a sopa e meus conturbados pensamentos.

Até quando eu iria me martirizar pelos erros do meu passado?