YANNA SCHANNY
Terra primordial
Em um ser a capacidade de construir e destruir, de ser anjo ou demônio, de ser...
Somando todos os seus tempos de serviço, a aposentadoria finalmente viera, como finalmente o departamento de robótica do governo, que tanto lutara junto ao ministério da ciência e tecnologia para que fosse criado, o fora. Isso já acontecera, tudo em cascata, há quase um ano. Apesar de ser um tempo pequeno, foi cheio de coisas, cheio de cicatrizes, que agora não doíam mais, cicatrizadas que estavam.
E cicatrizaram tanto que até pôde recusar a diretoria ou a chefia de qualquer secretaria do departamento de robótica, mesmo que da área de investigação, e ser apenas registrada em seus quadros como uma simples investigadora, porque era isso que gostava. Em muito pouco tempo, tal a paixão que empregava em seu trabalho, logo se tornou a mais renomada e eficiente de suas investigadoras, sendo seu nome referência tanto no planeta quanto nas colônias.
À primeira aparência não inspirava muita coisa, até que começasse a trabalhar, momento em que tudo se calava e começava a girar ao seu redor.
Yanna era uma senhora além da meia-idade, sempre muito bem cuidada na aparência e nas vestimentas. Ela não media mais que 1,60 m, e era bem gordinha, parecendo até um pouco quadradinha. Mas eram seus olhos, ferinos e perspicazes, que denunciavam todo seu poder. A inteligência era soberba, vívida, luminosa.
Essas estórias, escolhidas dentre seu vasto arquivo, são uma pequena mostra de todos seus feitos e realizações. Há casos memoráveis, pitorescos, emocionantes ou dantescos, aninhados nos arquivos, recentemente disponibilizados para consulta geral, excluindo-se, logicamente, os arquivos classificados.
Os anos dessa sua carreira, na verdade a sua verdadeira carreira, como gosta de dizer, foram longos e férteis.
Hoje Yanna Schanny está aposentada também dessa atividade, e reside, tranquila e em paz, numa pequena cidade no sul do estado de Minas Gerais, chamada Cristina, onde fundou uma ONG que é referência no trato e cuidado com os robôs, que recolhe e reabilita às centenas, abandonados ou marcados para destruição, por serem considerados obsoletos.
Os que não reúnem mais condições para reabilitação, ou por se mostrarem totalmente antieconômicos ou de difícil reinserção na sociedade, são totalmente reciclados, após as almas serem preservadas em arquivos próprios, capturadas através de capturadores de alma, compondo um dos maiores arquivos desse gênero no mundo.
Mas Yanna Schanny não está de todo afastada dessas atividades, pois trabalha atualmente como consultora para o governo e, de quando em quando, ainda assume alguma investigação, o que agora é raro.
Yanna completou no último dia, 21 de abril, 132 anos de idade, e está feliz, rodeada dos robôs que tanto ama.
Douglas Pan, arquivista chefe, biblioteca Almas.
Referência para consulta: IS 4389