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Prólogo

O mundo é tedioso... A vida é tediosa... Eu me sinto entediada... 

 

 

— Já pensou que esses sentimentos que você sempre fala podem ser por causa da sua rotina rígida? — A mulher falou se arrumando em sua cadeira, os óculos redondos sendo arrumados tirando da ponta de seu nariz — Se você resumir sua vida apenas trabalho e casa realmente tudo vai ser chato e sem sal. 

 

— E o que eu deveria fazer? Já tentei fazer tantas coisas que você falou — Relembrei nossos fracassos durante as seções de terapia. Certa vez, me pediu para desenhar e eu sequer conseguia me focar naquelas pinturas terapêuticas, outra, sugeriu dança e o fracasso veio com um atestado de quinze dias. 

 

— Podemos ter fracassado em desenho ou dança, MAS não tentamos nada envolvendo jogos até agora. 

 

— Jogos? — Arqueei uma sobrancelha diante de sua ideia questionável imaginando que estaria se referindo a caça palavras ou tabuleiro. 

 

— Isso mesmo! Esses dias eu vi que um jogo muito conhecido estava completando um ano de lançamento... Qual o nome mesmo? Nexo... Ah isso não importa — Não deu sequer tempo para que eu pudesse responder antes de me atropelar — Seria bom jogar algo de realidade aumentada. 

 

— NÃO! NÃO, NÃO, NÃO, NÃO! Eu definitivamente não vou me dar bem — Falei em desespero, a euforia não somente em minha fala, mas as mãos que balançavam freneticamente. Estava exagerando então, suspirando, retomei minha compostura — Eu não sirvo para essas coisas, desculpe, mas a resposta será não. 

 

— Mas você sequer tentou! Anda garota, esse medo bobo vai te fazer perder coisas incríveis! — Um pouco ansiosa, talvez inspirada, acabei me recordando daquele pedaço de sucata que eu chamava de computador, agora jogado em um canto. 

 

— Eu tenho um computador... Mas ele é velho demais, nem tenho certeza se ele liga — Suspirei. 

 

— Sei que é antiético, mas tenho um cliente meu que trabalha com tecnologia — Ela pescou em sua bolsa um pequeno panfleto me entregando. Observei o anúncio, alguns computadores da última geração sendo expostos com autos valores, no entanto, mesmo o bolso doendo só em ver aqueles milhares de zeros, lá estava o jogo que talvez minha terapeuta tenha falado: Nexus New World — Talvez ele dê um descontinho camarada para você... Mas não é necessário nenhum desses top de linha para esse jogo, talvez um mais baratinho dê conta do recado. 

 

— E se não der certo? Vai ser dinheiro jogado fora. 

 

— Pior do que sua vida está, creio que mais nada supere — E com um sorriso, como se não tivesse espetado meus sentimentos com uma agulha, escutou o agudo som de seu pequeno relógio digital anunciar o fim de nossa sessão de terapia — Mais alguma coisa minha flor? 

 

— Não, por hoje é só — A humilhação já foi o suficiente, obrigada — Te vejo na próxima semana. 

 

Me levantei sendo acompanhada pela pequena mulher de vestimentas formais e um andar já sem muita energia. Sempre suspeitava de que era a sua última consulta do dia e quanto antes eu sumir de sua frente, melhor. 

 

— Espero que dessa vez tenha algo de interessante para me contar — E novamente sorrindo, abanou a mão com um tchauzinho antes de fechar a porta do escritório na minha cara. 

 

Com o panfleto em mãos, dei uma última analisada no endereço e concluindo que era caminho para meu pequeno apartamento, iria dar uma passadinha antes. 

 

 

 

 

 

Ainda não acreditava na decisão questionável e idiota que havia tomado apenas por uma boba impulsividade! A visita aquela loja foi aparentemente a pior decisão que havia tomado e como consequência, uma sacola pesada em mãos e uma nova fatura em meu cartão. 

 

Destranquei a porta entrando em meu apartamento, joguei os sapatos com salto alto para bem longe sentindo meus pés chorarem de alívio. Andei mais um pouco indo até meu quarto devidamente arrumado ligando a luz para iluminar melhor o ambiente antes de jogar aquela sacola enorme sobre a cama e seu lençol branquinho. 

 

Tirei de dentro a caixa minimalista com a logo da fabricante e o modelo do produto. Abri e puxei tudo que via pela frente colocando de maneira organizada para assim conferir as peças e onde cada fio iria se encaixar. 

 

O equipamento era realmente diferente de meu velho computador — versão antiga e semelhante ao capacete de uma moto — com um designer de óculos que vedava as laterais em uma cor platinada. Ele tinha uma camada de tecido macio e duas entradas para os fios onde mesmo na teoria ser algo prático, tive de ler o manual para ter certeza de que nada errado seria feito. 

 

Primeiro, coloquei os fones que vinham com ele — uma versão de condução óssea — os ligando antes de ajeitar agora aquele objeto suspeito sobre meu rosto encaixando bem. Me deitei em uma posição confortável como era pedido e novamente conferi com a ponta dos dedos se tudo estava completo. 

 

Se o vendedor não tiver passado a perna em uma pobre trabalhadora como eu, o jogo estaria acoplado já no sistema e eu só necessitaria executar ele. Nexus New World, esse nome era muito estranho e não me impressiona nunca ter ouvido falar, o designer e proposta de mundo antigo com seres mágicos me era totalmente fora de minha realidade. 

 

— Sistema NY ligar — Falei escutando primeiro um ruído, antes do corpo formigar e eu ser jogada ao total breu. 

 

Uma luz começou a se aproximar e o que era um ponto se tornou uma vastidão luminosa me rodeando. Era ausente de qualquer sensação como frio ou calor, apenas o vazio perturbador. 

 

Seja bem-vinda ao sistema NY! Gostaria de iniciar sua conexão com a internet? 

 

— Sim — Com meu comando uma enorme tela se abriu diante de meus olhos mostrando as redes fechadas de meus vizinhos e claro, a minha, que mesmo sendo a mais próxima, parecia ser a pior — Conectar à rede "lar". 

 

Demorou alguns segundos até próximo de minhas mãos surgir um teclado virtual. As teclas formadas por luz azulada. Digitei minha senha vendo ser conectado à rede de minha casa. 

 

Conexão com a rede "lar" feita com sucesso. 

 

— Abrir documentos — Uma pasta foi aberta, mas ela estava vazia — Fechar documentos. Abrir instalação. 

 

Nada, nenhuma resposta ou execução foi realizada desta vez. Apenas o vasto vazio branco que feria os olhos com o passar do tempo. 

 

— Abrir jogo — Nada. Suspirei frustrada — Abrir instalador. 

 

Sem respostas! Aquilo estava me irritando tanto! Estava praticamente admitindo minha derrota, se nada pior havia acontecido... No entanto, tinha algo que eu poderia tentar e estava no manual. 

 

— Abrir configurações — Sucesso! — Ativar comandos de acessibilidade. 

 

Deseja ativar o comando de acessibilidade? 

 

— SIM! 

 

Comando executado com sucesso. Prazer, serei sua guia inicial, como posso ajudar? 

 

— Eu quero baixar um jogo que comprei, falaram que está acoplado ao sistema. 

Nada aconteceu novamente e imaginando que novamente falhei para uma tecnologia dita como simples, me assustei com sua voz. Encontramos em seu HD o jogo Nexus New World. Deseja instalar? 

 

— SIM! — Me animei. Finalmente havia conseguido e dando o que seria pequenos pulinhos sem sair do lugar, cai novamente em um completo breu assim que a porcentagem de instalação chegou a cem por cento. 

 

 

 

Breu e mais breu. Aparentemente esse era o resumo de todas as conexões que essa coisa fazia, ou isso era apenas por ser minha primeira vez o utilizando? Sem imaginar, uma onda de informações invadiu minha mente junto de uma forte luz que desta vez me cegou e doeu. 

 

Abri e fechei os olhos várias vezes me acostumando com a luz antes de soltar um berro. Abaixo dos meus pés, nuvens eram levadas pelo vento com tranquilidade, os bandos de pássaro voando e bem abaixo uma cidadezinha que parecia mais peças de brinquedo de tão longe. 

 

— OH MEU DEUS! OH MEU DEUS! EU VOU CAIR! SOCORRO! Oh... — Eu não estava caindo, dei dois passos vendo que era como estar sobre um vidro — Ufa, pensei que dessa vez eu iria morrer. 

 

Seja bem-vinda ao mundo de Nexus New World — Uma voz robótica disse não muito longe, ao observar a figura notei se tratar de uma cópia exata minha. Que tipo de magia é essa? — Sou sua guia de criação de avatar. Deseja começar a personalização? 

 

Uma tela se abriu, duas opções presentes nela sendo "manter minha aparência" ou "começar a customização de meu avatar". Olhando para minha versão robótica e o quanto eu era entediante e sem sal, imaginei quem seria o narcisista que iria apertar para manter a aparência no lugar de criar algo do jeito que deseja. 

 

Iremos começar pelas raças: fique à vontade para escolher entre todas as 32 opções — E assim que a máquina falou, uma vastidão de corpos diferentes surgiu ao meu redor. O avatar apenas fechou os olhos me deixando sozinha. 

 

Andei por cada fileira, os olhos vasculhando cada corpo me sentindo até um pouco estranha quando os tocava. Seria algo inadequado? Eu não estou tocando em nada impróprio! Eu não pareço uma tarada, certo? Oh Deus! 

 

Espero não estar demorando muito, mas quando terminei de vasculhar o último personagem, parei e pensei. Ponderei qual combinava comigo..., mas eu não queria um personagem parecido comigo, então vou eliminar a raça humana. 

 

— Elfo não é muito comum? Então esse também não vai ser bom... — Queria algo diferente. Se era pra me divertir, que fosse sem me preocupar com pessoas me reconhecendo ou pegando alguma raça tão comum. Bestiais seriam bons? Nada contra, mas quero algo ainda de aparência humana. 

 

Demônios? Anjos? Eles são legais..., mas os "filhos da noite" ... Oh! Esse, está entre humanos e demônios, algo místico e encantador... 

 

—Filhos da noite — Falei vendo meu personagem mudar para a mesma raça que escolhi — É... Eu gostei... 

 

Deseja continuar com a raça "filhos da noite" — Apertei em sim — Qual será a cor de seus olhos? 

 

Vendo aquela pele acinzentada e cabelos tão escuros quanto a noite, pensei em uma cor que iria combinar com aquela forma esbelta e misteriosa. Vermelho seria muito comum e até chato, os olhos do avatar estavam no padrão de raça com uma cor azulada, mas não manteria ela também. 

 

—Roxo — Apertei em continuar. 

 

Qual a cor e comprimento do cabelo? 

 

Eu não iria mudar a cor do cabelo se escolhi a cor dos olhos o usando como referência... Certo, continuaria sendo esse tom de preto, mas onde eu deveria deixar o cabelo ir? E se eu não gostar? 

 

— Posso mudar depois? — Questionei. 

 

As ferramentas de mudança de cor e tamanho estão disponíveis. 

 

—Quero manter a cor — Então sem saber como falar até qual parte do meu corpo deveria ir, coloquei minhas mãos sobre os quadris tendo o personagem copiando as exigências. 

 

Os fios cheios tinham como luz um tom azul, boa parte do corpo da personagem sendo escondido por todo aquele cabelo. Se existia algo para prender, com toda certeza eu iria passar horas fazendo penteados e enfeitando. Um luxo! 

 

Gostaria de acrescentar tatuagens? — Confirmei vendo aquele boneco ficar nu enquanto uma janela cheia de opções aparecia em minha frente. 

 

Filtrei pela raça que escolhi vendo as opções disponíveis. Todas seguiam um padrão, espirais que cresciam e tomavam espaço com seus espinhos e símbolos — luas e olhos com pupilas fendidas — Espalhados como videiras que tomavam conta e consumiam cada pedaço de pele. Escolhi uma que ia do meu pé esquerdo até o começo da cintura onde os fios de cabelo tocavam, combinava com a pele e toda a aparência daquele avatar. 

 

As orelhas pontudas, os dedos finos de unhas afiadas, o corpo esguio e com leves curvas. Ela era linda! Espera, essa seria minha personagem! Como eu estava linda! A personagem abriu a boca mostrando os caninos afiados o que me fez questionar quais misturas de raças eles usaram para criar os "filhos da noite". 

 

— Confirmar personagem — Falei quando finalmente estava satisfeita. 

 

Qual será o nome da personagem? 

 

Pensei um pouco, olhando bem para aquela figura que dançava perfeitamente entre a beleza e o mistério — Raven. 

 

Confirma o nome Raven? — Apertei em sim — Escolha a classe. 

 

E mais coisa para escolher. Que confusão! Parecia que eu havia gastado mais do que duas horas apenas para começar esse jogo. Droga, eu vou ter tempo ainda para fazer algo? Só faltava eu ter de sair assim que terminar essa criação de avatar..., mas não quero fazer de qualquer jeito! 

 

Vasculhando cada detalhe das classes, notei a opção fusão e novamente, a curiosidade me consumiu fazendo eu questionar o assistente de criação de personagem. 

 

— O que significa fusão? 

 

Ao escolher duas ou mais classes, a fusão irá separar características aleatórias de cada uma tornando em habilidades únicas. 

 

OH! Isso é algo bem legal e não vou ser obrigada a escolher apenas um. Li as habilidades de cada classe e finalmente escolhi as que queria fazer a fusão torcendo para vir o melhor de cada um: necromante, ladina e paladino. Por fim, apertei em fundir. 

 

Erro. Gostaria de tentar novamente? — Apertei em sim e novamente uma tela lenta e quase sem resposta carregou parecendo agora estar concluído. Meu corpo mudou para o de meu personagem, mas a minha classe ainda estava carregando — Erro 258

 

Mas sem aparecer um botão, o breu me consumiu.