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Doença do Ódio

As aranhas-piratas são notórias por seu comportamento canibalístico e invasor. Sendo incapazes de produzir teias como as outras espécies, essas invasoras atacam as teias de outras aranhas e as devoram, tomando seu território para si. Era assim que V se sentia agora.

Aquela mulher, alguém da sua espécie...

Os cabelos lisos cabelos negros passavam dos ombros balançando com o vento que entrava pela janela, algumas mechas dele eram de um roxo escuro, seu corpo era bem mais robusto e alto que o seu com um negro exoesqueleto que parecia bem mais resistente, até mesmo seus braços eram diferentes tendo um par a mais que ele, suas roupas eram as mesmas túnicas que um tecelão da realeza usava e a sua máscara era bastante parecida com a sua antiga máscara tudo com uma coloração negra com detalhes roxo-escuros, era surreal ter ela a sua frente.

Mas diferente de outras aranhas, os tecelões são territoriais e aquela mulher era como uma aranha-pirata invasora, querendo roubar sua "teia". O motivo era simples, ele ainda se lembrava da história dos dois reinos, de como as Spiranas eram tiranas e ditadoras, ele não gostava de julgar as pessoas sem conhecê-las, mas também não lhe daria a chance de matá-lo, ainda mais com uma arma nas costas, V podia ver que era uma arma de haste, mas não podia identificar que tipo era por conta da falta de luz do local.

—Não sei quem você é, mas só há lugar pra um V nesse navio.—Ele diz já se preparando para brandir Orenmir.

—Também te chamam de V?—Apesar da hostilidade, ela parecia não o levar a sério. 

—Sim? E isso importa? 

—Sei lá, é que faz tempo que não achei que estaria viva pra ver um macho da nossa espécie, ainda mais um que se parecesse tanto comigo...

—Ela não parece estar te levando a sério senhor V.—Inko apareceu atrás dela.

—Não me diga...—V rolou os olhos por detrás da máscara e finalmente baixou a guarda.—Pelo visto as Spiranas mudaram bastante, ela não parece nem um pouco com as crápulas que me foram descritas.

—As pessoas mudam bastante quando estão desesperadas, quando os humanos em Spiralla mostraram resistência quanto à sua tirania elas perceberam que estavam cometendo os mesmos erros que as levaram à quase extinção, depois disso, um dos líderes humanos se casou com uma das novas rainhas e isso deu início à paz entre eles.

—Olha só pra gente!—V atrapalhou a conversa dos dois, dando um abraço de lado no outro tecelão e o fazendo olhar para os dois em pequeno espelho.—É quase como se você fosse meu irmãozinho! Eu sempre quis ter um irmão! Ainda mais um tão fofo assim, olha só pra você, tão pequenininho que dá vontade de apertar!

—Escuta...—Ele diz tirando a mão dela de seu ombro.—Quem diabos é você exatamente?

—Meu nome é Victória Valentine mas todos me chamam de V, sou herdeira do trono de Velodealion.

—Inko?—V olhou para o cientista em busca de respostas.

—Velodealion é a capital de Alleistar, um dos cinco reinos de Spiralla, é conhecido por ter um vulcão em constante erupção no meio do continente e por ser a terra natal dos tecelões em Spiralla.

—E eu achei que meu pai era o único rei tecelão.

—Você é o herdeiro de um reino nesta terra também?

—Minha irmã é, mas não de uma terra, ser um rei neste mundo é mais uma posição de status, nós somos apenas representantes do nosso povo e quem realmente governa são os humanos.—V deu essa explicação com um nó na garganta, ele se lembrava de que seu avô lhe explicava as coisas da mesma forma que ele fazia agora.

—E quem são os reis da sua terra?

—O mundo não usa mais a monarquia a muito tempo, hoje em dia a maioria dos regimes são democráticos, o povo escolhe quem vai governar.

Victória baixou o olhar ao ouvir isso e deixou escapar um suspiro triste.

—Eu queria que fosse assim lá em casa, aí ninguém ligaria de eu me casar com o Ragnar...

V podia sentir tristeza nela, uma tristeza profunda e angustiante, tão angustiante quanto tudo o que ele passou, como alguém poderia passar pelo o que eles passaram e ainda sim...

—Como você consegue?—V soltou as palavras sem nem perceber.—Como consegue passar por tanto sofrimento quanto eu, e ainda sim consegue sorrir com tanta sinceridade? Como consegue...—V não pensava mais em suas ações, ele tirou sua máscara e revelou suas íris douradas cobertas pelo negro das suas órbitas.

O rosto de Victória se enche de horror ao encarar aqueles olhos, memórias distantes que ela nem sabia que tinha voltaram com tudo, podia ouvir o som dos gritos, o calor intenso das chamas a claridade, a expressão de pavor que ela tinha ao presenciar o massacre era a mesma que ela tinha agora, V estava infectado...

—Por Odin... O ódio...

Victória teve que tirar sua máscara também, seus olhos eram diferentes dos dele, eles não estavam escurecidos pelo poder do ódio, suas íris lilases como ruas lindas ametistas enfeitavam o branco de suas órbitas como dois únicos pingos de tinta roxa suave embelezavam a tela branca de uma pintura.

—Você está doente, esse ódio... Vai acabar te matando...—Suas mãos cobriram sua boca instintivamente, ela não podia acreditar que aquela praga assolava aquele mundo também.

—Do que você tá falando? Como o ódio vai me matar?

—É uma doença, uma que destruiu o meu lar, ela ataca aqueles que têm ódio demais guardado no coração.

—Doenças deixam as pessoas fracas, isso só me fortaleceu.

—É isso que ela faz, ela fortalece e alimenta o seu ódio, quando perceber que está doente já vai ser tarde demais!

—Eu não tô entendendo nada, explique isso direito! Se estou doente eu preciso saber!

Victória respirou fundo e se sentou em uma rede próxima à grande mesa onde Valery possuía um atlas aberto com coordenadas e informações importantes. Ela precisou de algum tempo para se recompor mas logo tornou a falar.

—Quando eu era pequena vivia em um orfanato...

"Era uma cidadezinha pequena, as outras crianças e eu sempre nos demos bem e as pessoas me conheciam como uma criança sorridente e agitada, éramos afastados de qualquer outro reino o que nos tirava da mira de qualquer conflito, eu era feliz apesar de não ter um pai ou uma mãe pra cuidar de mim como a maioria dos meus amigos. Um dia, um estranho apareceu na nossa cidade, ele era todo coberto por um manto rasgado e sujo mas dava pra ver uma longa barba no seu rosto, ele não parou pra falar com ninguém, se alguém lhe dirigia a palavra ele continuava caminhando sem nem olhar pra trás, ele foi direto pra taverna da cidade e pediu um quarto pra passar uma noite, eu não pensei muito sobre isso até que a noite chegou. Eu acordei com gritos, com calor extremo e com a claridade, a cidade estava em chamas..."

—O homem misterioso estava infectado com a doença do ódio, bastou apenas uma pequena desavença na taverna pra ele perder o controle...—V ouvia tudo calado, então o que ele tinha era uma doença...—Ele matou homens, mulheres e crianças inocentes, não polpou nem os animais da cidade, eu tive sorte de não ter sido outra vítima, ele morreu logo após descontar todo o seu ódio na cidade, uma espécie de líquido negro escorreu dos seus olhos e boca, antes dele agonizar no chão. Eu fui adotada por uma família nobre logo depois e me tornei princesa, eu tentei esquecer tudo isso mas seus olhos trouxeram todas de volta.

Victória tinha a voz trêmula ao final de sua história e V estava em choque, qualquer um ficaria se descobrisse que eram uma bomba relógio ambulante, prestes a explodir.

—Inko...—Ele sussurrou com a voz fraca.

—Tudo o que ela disse é verdade senhor V...

—Apesar de tudo o que eu passei, nunca me entreguei ao ódio, essa doença é a mais mortal de todas, ela acaba com todos a sua volta antes de te finalizar de vez, eu lutei por anos antes de encontrar uma cura mas leva tempo e esforço pra se livrar do ódio, infelizmente esse é o único jeito de se curar, é deixando de se levar pelo ódio.

—Não consigo... Não sou forte o bastante, tudo o qur eu tenho feito desde os quatorze anos foi alimentar meu ódio, eu não consigo me livrar dele...—V sentia sua visão ficar cada vez mais turva com as lágrimas se formando em seus olhos.

—Tá tudo bem...—Victória o abraçou, de repente toda a tristeza que sentia se esvaiu quase instantâneamente, ele afundou o rosto no peito da maior até sentir que tinha se acalmado.—Não vou deixar que mais ninguém sofra com o ódio, eu vou te ajudar a se livrar dessa doença custe o que custar.

V sentiu seu coração ficar mais leve naquele momento, quem quer que Victória fosse, ela parecia ser alguém com uma inabalável confiança, ele sentia felicidade só de estar perto dela e vê-la agir como uma criança energética, ela passava a certeza de uma coisa: Depois de seu avô, ele havia achado seu novo pilar, alguém em que ele queria se inspirar.