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O Invasor

Com algumas batidas na porta era imediatamente aberta, Tyranus era aquele que abria.

"Então veio mesmo." Sobrevoava os olhos de Tyranus sobre Ness que estava ofegante e com as bochechas coradas: "Entra aí." Convidava-o com uma entonação neutra, diferente de como o tratava horas atrás.

Adentrava a casa deslizando uma mão sobre o braço, numa tentativa minuciosa de se abraçar.

O ambiente não era tão grande quanto a sua casa, mas condecorada em paredes de concreto, pisos com grandes cerâmicas brancas, cômodos separados em um banheiro, um quarto espaçoso e uma área sem divisórias contendo uma cozinha em conjunto com a sala de jantar, que se separa da sala por um simples espaço vazio.

"Wooh!" Se impressionava Ness, em como a casa foi bem aproveitada apesar do tamanho.

Depois que devorava todo o ambiente para dentro da cabeça, percebia Naty, sentada na cadeira que dava para uma mesa redonda de 2,40 metros de diâmetro. Quando notara que Ness tinha entrado, dava um curto aceno enquanto mantinha a cabeça estática, já que logo atrás Maia fazia suas tranças com maestria.

De algum modo, Maia notava o jeito que o rapaz entrava na sua casa, com os ombros acuados, movimentação inquieta nas mãos e o mais surpreendente, seu coração: "Pode ficar à vontade. Se quiser comer alguma coisinha antes da janta, a geladeira é logo ali." Tentava confortá-lo.

Ainda não falando nada, Ness assentia com a cabeça e partiria ao sofá, sentando próximo da borda sem encostar suas costas no acolchoado. Os 3 notavam sua insegurança, se entreolhando rapidamente. No entanto, a porta se abriria com velocidade, arremessando Tyranus que ainda estava próximo para longe como um boneco de pano.

"Boa noite!." Dizia um homem muito energético, de estatura média, com cabelos verdes e sobrancelhas grossas: "Olha só, temos um novo integrante?" Dizia ele sorridente para Ness.

"Calma ae, pai!" Tyranus se levantava esfregando a cabeça: "Ele é muito fraco ainda. Olha ele. Só a tilápia." Gargalhava caçoando de Ness, retornando para sua persona normal, antes neutra.

"Chegou tarde, meu bem. Aconteceu alguma coisa?" Falava Maia com uma entoação passiva.

"Só foi muito corrido mesmo." Dizia ao mesmo tempo que se aproximava de Ness: "Como estão vocês crianças?" Estendia a mão para o pequeno ainda olhando Tyranus e Naty, depois se voltando ao que estava sentado no sofá.

"Eu tô muito bem! Ficar ainda melhor quando a tia terminar meu penteado." Sem olhar para o adulto ela respondia, onde logo depois o pequeno esmeralda falava com o pai: "Em parte foi legal, mas aquelas crianças do outro lado da vila são uma porra..."

"Olha a boca." Reclamava a mãe.

"Foi mal! Enfim. Mas agora com o Ness no grupo, podemos bater de frente com o trio deles." Continuava Tyranus fechando firme o punho.

Ness atencioso a conversa, veria a mão daquele que acabara de chegar sendo estendida para cumprimentá-lo. Era uma mão grossa e calejada, mas o que puxava sua atenção eras as marcas avermelhadas nas costas da palma dele, no segmento de ossos que se ligam aos dedos.

"Pra-pra-azer em conhecer vo-você senhor! Me chamo Ness." Gaguejava levantando a mão.

De fundo, as outras crianças estavam rindo da situação, enquanto os adultos apenas transpareciam um conforto por um sorriso leve - algo que Ness rapidamente via por parte deles.

Quando o pequeno encaixava sua mão, sentia um formigamento engraçado: "Meu nome é Elyot, mas me chame de Ely." Se apresentava esticando ainda mais seus lábios.

Ely reparava o movimento dos olhos de Ness, girando habilmente o aperto das mãos para que as marcas avermelhadas ficassem para baixo, deixando as costas da palma do garoto para cima e dando um beijinho na região para despistá-lo.

"Alguém tão novo sendo um Desperto." Alegava Ely, cortando a cena engraçada de Ness se tornando uma princesa pelo beijinho na palma.

"DESPERTO!!" Gritavam as crianças: "Você foi treinado por quem? O que você despertou? O que ele despertou, pai?" Tyranus inundava o cômodo de perguntas.

Ness começava a ficar assustado pelas ações deles: "Eu? Desperto? O que quer dizer?"

Para tranquilizar sua agitação, Ely mantinha o mesmo semblante sereno enquanto soltava o aperto de mão e levava a canhota até o ombro do garoto: "Não é algo a se temer pequeno Ness. Na verdade, é de se muito orgulhar."

"Bem que eu havia visualizado algo diferente. Não se mexe garota!" Falava Maia finalizando as tranças de Naty, e prosseguia: "São os olhos. Não é?"

"Os mesmo que o seu, mãe?"

"Nenhum desperto sempre terá a mesma dinâmica de habilidades. Talvez um mais forte que outros, mais aperfeiçoados que outros, ou até mais fracos que o comum." Parava um pouco de fazer as tranças e olhava para todos: "Se sinta especial apenas por despertar sem treino, mas não se sinta especial por ser um despertado."

"Isso pode nos ajudar pra car--..." Notava o olhar afiado de sua mãe antes de completar: "...ajudar pra caramba. Se você desenvolver mais, podemos acabar com a raça daqueles 3."

Ness estava tão perdido entre pensamentos e informações que nem conseguia perceber a animação de Tyranus. Continuava em reflexões até se remeter a Aliora, indagando para si se tal habilidade tinha a ver com ela. Mas por que ela nunca citou ou explicou sobre essas coisas? Pela reação de Tyranus esse tipo de coisa parecia comum de se saber. Então por que ele não tinha esse ensinamento? Eram as questões que sobrevoavam sua mente por um simples acontecimento.

Para Ness todo o barulho externo estava abafado, concentrado em consumir o que acabara de ser dito a ele: "Vocês também são...despertados?" Perguntava com um tom melancólico, perfurando a repercussão instalada no lugar.

O debate, as animações, e outras ações eram cessadas da maneira em como foram abordados. Maia encerrando o penteado, caminhou até se sentar ao seu lado: "Eu e meu marido somos, de segmento diferente, mas somos. Tyranus e Naty continuam sendo ensinadas por mim quando posso. Não é mal algum ter isso. Isso só lhe tornará diferente se você permitir se tornar diferente."

"Cara!" Tyranus o chamava: "Se você quiser que a gente te explique melhor essas coisas, amanhã a gente vai pro campo, posso te mostrar."

Mergulhado em várias emoções, sendo predominante as dúvidas, começava a manifestar um entusiasmo no olhar diante o convite. Em seguida permitia cair a visão até as próprias mãos que vibravam em, ansiedade, sobre o que pode fazer, medo, do que desconhece, e euforia por finalmente se sentir um pouco mais especial apesar do que Maia pontuou.

Retomando a atenção a todos, assentia com a cabeça para Tyranus: "Por favor!...me ensine." Dizia com brilho no olhar.

Todos em volta se empolgavam, principalmente as crianças: "Vamos acabar com a raça daqueles arrombados!"

"Eu já falei com você sobre isso, Tyranus!" Reclamava Maia.

"Qual é mãe! Nesse momento não teria como falar outra coisa." Retrucava ainda exaltado. Enquanto seu pai gargalhava da situação.

....

O horário já beirava a madrugada. Da casa, a porta se abria com Ness saindo, com Tyranus e Naty lhe seguindo parando quase do lado de fora: "Que horas você pode sair amanhãããã? Questionava Tyranus, bocejando.

De fora, Ness lançava olhares rápidos até sua casa, que sutilmente era iluminada pelas luzes que saiam da casa dos vizinhos: "Eu não sei. Minha mãe vai à cidade cedo. Não sei se ela vai me deixar sair andando pelo vilarejo com a casa vazia." Avisava com desânimo.

"Ela vai pra cidade? Eu sempre quis ir visitar. Dizem ter muitos brinquedos por lá." Naty se animava: "Qualquer coisa a gente fica por perto da sua casa, assim ela não vai reclamar."

Sua íris traziam luz novamente ao ouvir a garota: "Você é bem inteligente!" Falava alegremente.

"Claro que eu sou seu palerma. Hum!" Respondia com nariz empinado, mas pendia para um semblante sereno, como se tivesse gostando de interagir o novato: "Te vejo amanhã."

Bufava na soberba de Naty, porém sentia sua intenção brincalhona, exibindo uma expressão leve e divertida olhando os dois a sua frente: Vejo vocês amanhã." Se despedia já correndo.

"Vê se não se esquece dá gente Onuur!" Gritava Tyranus, que no mesmo instante recebia um tapa atrás da cabeça por sua mãe: "Não vê que já é tarde moleque!"

"Ai ai! Da onde a senhora veio?" 

Correndo, Ness ria da situação, escutando ao longe: "Mamãe...eu tenho amigos agora." Dizia para si um pouco ofegante.

....

As dobradiças rangiam, o rapaz abria até o limite sem se preocupar. Sua visão percorria da direta à esquerda, vendo primeiramente o fogão de barro com panelas tampadas e logo depois a mesa com uma das cadeiras sendo ocupada por Aliora: "Vejo que está animado."

Tentara esconder a emoção, mas as covinhas na sua bochecha já revelavam tudo. Fechando a porta e se aproximava da mesa, em cima estavam dois copos artesanais também de barro, liberando um leve vapor quente.

"Beba um pouco." Aliora arrastava um dos copos sobre a mesa até próximo do filho.

O cheiro que o vapor liberava era muito agradável, proveniente de um chá feito com planta típica do país, sendo muito útil para prover um relaxamento profundo e uma boa noite de sono: "Brigado mamãe." Agradecia com a caneca nos lábios.

Lentamente tomava o chá para não queimar a boca, durante o tempo que olhava para Aliora sobre o copo, relembrando das coisas que havia descoberto mais cedo. Sua mente queria tirar todas as dúvidas, e talvez questionar sobre o porquê dela nunca ter lhe dito nada sobre os Despertos. No entanto, seu coração o estagnava em qualquer iniciativa sobre o assunto, principalmente por notar as pálpebras pesadas de sua mãe quase se fechando.

"Vamos pra cama mamãe. Tô bastante cansado." Terminava rapidamente seu chá para levar Aliora para cama.

No quarto havia uma cama de casal e depois da bacia de água uma cama de solteiro, apesar disso os dois dormiam juntos, abraçados fortemente como se um dia algo pudesse levar um dos dois em meio a noite. Já deitados, Ness demorava um pouco a dormir, pois acariciava o longo cabelo da mãe com suas curtas mãos até que a mesma adormecesse.

....

No início da manhã, onde nem mesmo os raios de sol conseguiam pular o horizonte. 2 guardas, em um dos pilares que conectam os enormes muros, conversavam fora de vigia, minutos antes de toda a segurança sofrer uma troca de turnos. O que não percebiam que da pequena abertura dessa sala circular, onde só seria suficiente passar um livreto de pé, adentraria uma criatura de 6 centímetros de comprimento de cor totalmente preta.

Conversa vai, conversa vem, de maneira abrupta, ao ouvir algo se partindo, como um barulho de um caranguejo sendo despedaçado, interrompera o dialogo daqueles que já entravam em guarda.

"Você escutou isso? Foi aqui dentro ou fora?" Perguntava para o colega.

Antes de responder abria as portas laterais, utilizadas para andar no interior dos muros: "Deve ter sido algum animal do lado de fora." Acalmava-se ao se certificar que não havia algum avanço por ali.

"Realmente, deve ter sido um animal." Ratificava uma terceira voz, de timbre grave.

A sala ainda era escura pela falta de iluminação natural, mas algumas movimentações eram perceptíveis para os olhos acostumados dos dois vigias. O intervalo para uma atitude de algum deles foi de frações de segundos, tendo apenas o curto tempo para planejar um jeito eficiente de abater o invasor.

Aqueles designados a servir de olheiros nos enormes pilares, sempre eram equipados com alabardas ou lanças curtas, pois podiam lançar na estreita e pequena abertura para abater quem tentasse escalar ou retardar o avanço de alguns outros que pudessem ser visto. No entanto, embainhadas no lado esquerdo da cintura, estavam espada curtas. A sala circular possuía 3 metros de raio, um tanto espaçosa, mas não para dois indivíduos que portavam na mão armas de longa distância e poderiam machucar mutualmente.

Eles estavam de lado para a janela em lados opostos, então caso aquele que estava com a destra para abertura não fosse canhoto ou ambidestro, sacaria a espada de maneira desleixada. Por sorte, seu companheiro estava espelhado, podendo retirar a arma à esquerda com a destra, largando a alabarda que estava na canhota, deixando a gravidade guiar até o chão.

A espada então riscava a bainha e clareava suavemente a sala com faíscas. Orientando a lâmina deitada, levando da esquerda à direta horizontalmente a fim de cortar o peito do invasor com a ponta dela, já que seu braço somado com a lâmina curta chegava a 1,5 metro.

Ele escapava com um único passo para trás, deixando a arma continuar com a velocidade e colidir com a parede. O segundo guarda, percebendo que se movimentar apenas para sacar a arma só os traria problemas, decidiu em atacá-lo com uma estocada, já que a alabarda estava em sua mão, sobre um avanço descuidado sem se preocupar com uma base firme. O invasor avistava tal descuido e soltava um curto sorriso de deboche, ao mesmo tempo que torcia a cintura para estar de lado enquanto a ponta da alabarda passava a frente de seu rosto, refletindo no metal um de seus olhos reluzindo em meio a mechas bagunçadas.

"Matar sem derramar sangue é mais difícil que imaginei." Pensava o invasor, adiantando as mãos nuas até o cabo, torcendo para que o atrito nas luvas brancas do guarda auxiliasse, e o puxava, desequilibrando sua postura de ataque, por ter não montado uma base firme com os pés. 

Vendo seu adversário cambalear até si, com as mãos grudadas na alabarda pela adrenalina, empurrava de volta fazendo uma curva acentuada no final, mirando na garganta, que com brutalidade torcia sua traqueia pelo impacto. Finalizando o movimento jogando a ponta da lâmina no chão, para que o corpo pendesse ao chão pendurado pelo próprio pescoço.

"Desgraçado!" Gritava o guarda restante, que havia contornado a sala até ficar na sua retaguarda, já com a espada quase perfurando sua nuca com precisão. No entanto, o inimigo girava sua cintura ainda permitindo que a espada cortasse suas costas, mas tal movimento trazia seu cotovelo atingindo com violência a lateral da mandíbula do guarda, o desmaiando no mesmo momento.

Então o som da queda da mesma alabarda, solta no início do confronto, caindo e quicando, ecoava na sala, sendo seguida do baque seco do que estava agonizando pelo pescoço fraturado e do que acabara sendo apagado, demonstrando que tudo aquilo não tinha passado meros segundos.

"Os militares estão mais treinados do que imaginei." Resmungava aquele até então desconhecido, porém naquele segundo os raios de sol invadiam a sala pela miúda janela. Exibindo sua face com os olhos tapados por mechas escuradas de um cabelo bagunçado, um grande manto preto e detalhes brancos rastejando o chão, revelava aquele mesmo capitão da noite anterior.

Ainda acordado, o guarda que sofria colocava a mão no pescoço tentando puxar o fraco ar que podia, enquanto olhava para o homem de pé que se aproximava: "Acho que não poderá falar nada por um bom tempo... eu não sou nenhum assassino, então estou lhe dando uma oportunidade de viver caso o achem antes da dor te levar." Sinalizava, o capitão.

Aquele que estava desmaiado era rapidamente despido pelo capitão, com suas roupas sendo espremidas pela curta passagem para cair nas mãos daquela que esperava fora das muralhas: "Agora deixa comigo capitão." Sibilava com o rosto corado, após agarrar o traje militar.

Era uma mulher com cabelos pretos que ficavam na linha da mandíbula, 190 centímetros de altura, corpo magro e membros largos, pele branca, olhos verdes e lábios carnudos. E com as roupas em mãos, corria retornando para o bosque que ficava na redondeza da grande cidade.