A luz da manhã entrava pela janela do meu quarto, iluminando cada canto da mesa onde a história estava espalhada. O envelope repousava ao lado, já com meu nome e o título da obra escrito. Mas antes de colocá-la ali dentro, meus olhos passavam por cada linha, cada palavra, como se tentassem gravar tudo na memória.
Minha voz ecoava pelo quarto enquanto eu lia em voz alta, procurando qualquer erro, qualquer incoerência que pudesse ter escapado.
— Essa frase… será que tá clara o suficiente? — murmurei para mim mesmo, ajustando levemente o tom de um parágrafo.
Rabisquei algumas palavras no caderno ao lado, mas hesitei. Não era o momento de reescrever. Respirei fundo, tentando acalmar o aperto no peito. Não era só o concurso em jogo, mas tudo o que aquela história representava para mim, para os meus amigos, tudo...
Olhei novamente para o envelope, mas parecia cedo demais para selá-lo. Peguei as folhas da história de novo, revisando a última página com atenção redobrada. Cada detalhe parecia importante demais para deixar passar.
O som de passos rápidos no corredor me tirou do transe. Hana apareceu na porta com as mãos na cintura, uma expressão que misturava impaciência e animação.
— Shin, sério, você vai se atrasar para a escola! Já tá na hora de ir!
Suspirei e, finalmente, empilhei as folhas com cuidado, deslizando-as para dentro do envelope. Selar aquilo foi como prender uma parte de mim.
— Tá bom, tá bom. Já tô indo.
Levantei-me, pegando a mochila enquanto minha mente ainda tentava se desprender da história.
Quando desci, o som da cozinha me trouxe um breve alívio. A voz animada de Kaori enchia o ambiente enquanto ela ajudava Hana a alcançar algo no balcão. Minha mãe terminava de arrumar a mesa, e o cheiro de café fresco dominava o ar.
— Finalmente, Shin! — Kaori me encarou com um sorriso provocador enquanto colocava um copo na mesa. — Tá parecendo que vai pra um campo de batalha, não entregar uma história.
— Não tá tão longe disso… — murmurei, tentando disfarçar o nervosismo.
Hana, com seu jeito enérgico, correu até mim, me empurrando levemente pelo braço.
— Boa sorte, mano!
— Obrigado, Hana — Peguei uma torrada da mesa, colocando-a na boca, e fiz um gesto para minha mãe e Kaori. — Tô indo.
Kaori pegou a mochila e me seguiu, com aquele brilho animado nos olhos que sempre parecia iluminar qualquer ambiente.
— Vamos nessa. Não quero ouvir você reclamando depois que perdeu o prazo porque ficou maluco com vírgulas.
Eu ri, ainda nervoso, mas sentindo o peso na minha mente se aliviar, mesmo que só um pouco, enquanto saíamos para o dia que estava só começando.
Seiji e Rintarou já nos esperavam do lado de fora da minha casa, ambos de bom humor. A energia deles parecia contagiante, contrastando com o nervosismo que ainda pesava sobre mim, mesmo que eu tentasse disfarçar.
— Shin, seja honesto. Tá mais confiante ou mais apavorado? — Seiji perguntou, colocando as mãos nos bolsos e exibindo aquele sorriso malicioso que ele parecia ter reservado só pra me provocar.
— Confiante… eu acho. — Respondi, tentando soar firme, mas a hesitação na voz entregava mais do que eu queria.
Kaori, ao meu lado, riu baixinho e balançou a cabeça.
— Ele passou a manhã inteira relendo a história, como se isso fosse mudar alguma coisa. Pra mim, tá mais pra paranoico do que confiante.
— Não é paranoia, é revisão! — protestei, mas minha tentativa de defesa só fez ela rir mais.
— Relaxa, Shin. O que você tá sentindo é normal. — Rintarou interveio com seu tom calmo, lançando um olhar de compreensão. — Você trabalhou duro. Agora é só confiar.
Kaori apontou para ele, como se Rintarou tivesse acabado de dizer algo genial.
— Exato! E, além disso, você tem a gente aqui. Não esquece disso!
— Hmm, não sei, não… — Seiji comentou, com um tom exagerado de dúvida. — E se o Ryuuji te esmagar? Aí vai ser complicado…
Ele me deu um leve tapa nas costas, claramente esperando uma reação.
— Que bom ouvir isso, Seiji. Um apoio incrível mesmo — Suspirei, olhando para ele com falsa reprovação.
— Relaxa, cara — Ele riu. — Mesmo que você perca, a gente inventa alguma desculpa incrível. Tipo: "O júri tava comprado!" ou "Foi tudo uma conspiração literária!"
Kaori revirou os olhos, mas não conseguiu segurar o riso.
— Ou melhor ainda: "A história do Shin era tão boa que foi desqualificada por ser emocionante demais!"
— Ah, sim. Isso faz muito sentido... — Respondi, sarcasticamente, mas um sorriso acabou escapando.
Rintarou olhou para nós, um leve sorriso no rosto, antes de comentar.
— Brincadeiras à parte, acho que o mais importante agora é você acreditar na sua história. Se ela veio de algo sincero, os jurados vão sentir isso.
As palavras dele me atingiram de um jeito diferente, e assenti, sentindo a pressão diminuir só um pouco.
— Valeu, Rin. Eu vou lembrar disso.
Continuamos a caminhada, o tom da conversa alternando entre provocações, brincadeiras e outras conversas triviais. Mesmo com a leveza deles, o peso do envelope na minha mochila parecia mais real a cada passo que dávamos.
As aulas começaram, mas minha mente parecia estar em outro lugar. Enquanto o professor falava sobre as provas finais com um entusiasmo que a sala inteira parecia ignorar, eu me encontrava absorto em um turbilhão de pensamentos. Minha história. Cada cena, cada linha, cada vírgula. Era como se tudo estivesse se repetindo em minha cabeça, me questionando, me testando.
Será que o final era bom o suficiente? Será que a transição entre as cenas fazia sentido? Ou havia algo que eu tinha deixado passar? Cada dúvida surgia como uma onda que me empurrava para mais longe da concentração.
Meus dedos se mexiam inconscientemente sobre a mesa, como se estivessem tentando escrever no ar. A imagem do envelope na minha mochila parecia gritar para mim, pedindo para ser revisado mais uma vez.
— Yamamoto! — A voz do professor me chamou de repente, cortando meus pensamentos.
Pisquei, tentando me situar. Olhei para ele, que parecia me observar com uma mistura de expectativa e leve impaciência.
— Hã… desculpe, professor. O que era mesmo? — perguntei, sentindo os olhares de alguns colegas caírem sobre mim.
O professor cruzou os braços, apontando para o quadro com o giz.
— A questão dois. Pode resolver pra gente?
Olhei para o quadro, mas a combinação de nervosismo e distração fez com que tudo ali parecesse confuso. Eu sabia que deveria saber aquilo, mas a resposta parecia escapar da minha mente.
— É... eu... — comecei, hesitante.
— Três quartos... — uma voz sussurrou baixinho ao meu lado. Virei de leve, encontrando o olhar de Yuki, que apontava discretamente para o caderno dela enquanto sussurrava de novo: — Três quartos.
Respirei fundo e respondi, tentando soar confiante.
— Três quartos, professor.
Ele assentiu, satisfeito.
— Certo, está correto. Vamos continuar.
Voltei a me sentar, o coração ainda acelerado. Inclinei a cabeça para Yuki, sussurrando baixinho.
— Obrigado, Yuki.
Ela deu um sorriso leve, os olhos brilhando de diversão.
— Não tem problema. Mas tenta prestar atenção, tá? — disse, com um tom brincalhão.
Senti meu rosto esquentar, mas apenas assenti, desviando o olhar rapidamente para a frente da sala. A interação breve foi suficiente para me tirar um pouco da espiral de ansiedade, mas logo minha mente voltou para a história.
As palavras ecoavam na minha mente, cada frase que escrevi desfilando diante de mim como se estivesse sendo projetada. A dúvida não saía: será que os personagens eram cativantes o suficiente? Será que o impacto emocional do final era tão forte quanto eu esperava?
Mesmo com a aula correndo ao meu redor, era como se eu estivesse em um mundo à parte. O tempo parecia se mover mais rápido, mas, ao mesmo tempo, cada minuto se arrastava enquanto eu tentava organizar tudo mentalmente.
O som do sinal soou, indicando o fim da aula, e eu me levantei lentamente, sentindo o peso na mochila aumentar. As aulas tinham passado em um borrão, mas eu sabia que o verdadeiro desafio ainda estava por vir.
Enquanto eu andava pelo corredor em direção ao clube, Kaori se aproximou, com um sorriso que parecia carregar mais entusiasmo do que o necessário.
— Boa sorte, Shin. É daqui a pouco, né?
Assenti, tentando ignorar o nó no estômago.
— É, vou faltar no clube. Preciso chegar cedo para evitar imprevistos.
Ela inclinou a cabeça, franzindo levemente a testa.
— Entendi, vou avisar todos, mas... Tem certeza de que não quer que a gente vá com você?
Sorri, mas balancei a cabeça.
— Não precisa. Quero fazer isso sozinho. Mas… obrigado.
Ela hesitou por um segundo antes de dar um tapinha leve no meu ombro.
— Então vai com tudo. Estaremos esperando por você amanhã!
Após me despedir de Seiji e Rintarou, saí da escola com a sensação de que todo o peso do dia estava prestes a culminar. O concurso estava tão próximo que a ansiedade e a determinação se misturavam em doses iguais.
O envelope em minhas mãos parecia mais pesado a cada passo. Meu coração batia rápido, mas eu tentava manter o foco. O céu estava claro, o sol brilhando forte, mas minha mente estava em outro lugar, envolta em camadas de ansiedade e expectativa.
Depois de muito tempo, finalmente alcancei o prédio. Ele era imenso, com janelas que reluziam sob a luz, refletindo o movimento vibrante da cidade ao redor. Pessoas entravam e saíam, algumas carregando pastas ou envelopes como o meu, enquanto outras conversavam próximas à entrada.
Parei em frente à porta giratória e peguei o celular para confirmar o endereço. Mesmo que já tivesse certeza, precisava de algo que me ancorasse naquele momento.
— É aqui... — murmurei, como se precisasse ouvir a confirmação em voz alta.
Respirei fundo e entrei.
O interior era ainda mais impressionante. O saguão tinha um pé-direito alto, com lustres modernos e um ambiente organizado, mas lotado. O som de vozes e passos ecoava pelo espaço, preenchendo o ar com uma energia inquieta. Escritores de todas as idades estavam ali. Alguns sentados, outros em pé, mas todos com a mesma expressão: uma mistura de concentração e esperança.
Me aproximei do balcão de recepção, onde uma mulher com expressão profissional digitava algo rapidamente em um computador.
— Nome? — perguntou ela, sem desviar os olhos da tela.
— Shin... Shin Yamamoto — respondi, tentando soar mais confiante do que me sentia.
Ela fez um gesto rápido, indicando um formulário sobre o balcão.
— Assine aqui, por favor.
Peguei a caneta com dedos levemente trêmulos e assinei meu nome. Quando entreguei o envelope junto ao papel, ela o colocou em uma pilha organizada de outros envelopes.
— Boa sorte! — disse ela, com um sorriso profissional, mas que carregava um toque de sinceridade.
— Obrigado — murmurei, me afastando.
Por um momento, fiquei parado, como se algo ainda estivesse preso dentro de mim. Mas, enquanto via o envelope desaparecer entre tantos outros, uma onda de alívio começou a tomar conta. Era isso. Eu finalmente tinha entregado. Todo o trabalho, o esforço, as dúvidas, agora estavam ali, fora das minhas mãos.
Não era mais algo que eu pudesse mudar ou controlar.
Respirei fundo, sentindo o coração desacelerar um pouco. A sensação de responsabilidade ainda estava lá, mas agora havia algo novo: a realização. Eu tinha feito a minha parte.
Enquanto me virava para sair, deixei meus olhos vagarem pelo saguão novamente. Era impossível não me sentir um pouco pequeno naquele lugar. Cada rosto ali parecia carregar uma história, uma luta, um sonho.
Alguns pareciam relaxados, como se já estivessem acostumados a competições desse nível. Outros, como eu fiz antes, seguravam seus envelopes com firmeza, com os olhares carregados de expectativa e nervosismo.
A ideia de competir com tantas pessoas me deu uma pontada de insegurança, mas a lembrança do apoio de todos que me ajudaram trouxe um pouco de alívio.
Foi quando o vi.
Ryuuji estava do outro lado do saguão, encostado em uma coluna com a mesma postura e olhar confiante de sempre. Por um instante, pensei que ele não me notaria, mas nossos olhares, infelizmente, se cruzaram.
Seu rosto se iluminou com um sorriso que não era exatamente amigável. Ele se afastou da coluna e começou a andar em minha direção, o som de seus passos parecendo mais alto do que o ambiente ao redor.
Meu corpo ficou tenso, quase como se cada músculo estivesse travado. Podia sentir meus dedos apertaram a alça da mochila, como se aquilo fosse a única coisa que me segurava no lugar.
— Ora, ora… se não é o Shin. — O tom dele era casual, mas carregado de provocação. — Parabéns por não desistir. Confesso que achei que você ia desistir no meio do caminho.
Respirei fundo, tentando manter a calma, mesmo que fosse difícil.
— Claro que não desisti. Esse concurso significa muito pra mim — respondi, com a voz firme, ainda que o nervosismo começasse a surgir.
Ele deu uma risada curta, cheia de desdém.
— Ah, claro. Mas "significar muito" não é o suficiente nesse lugar. — Ele gesticulou ao redor, indicando o saguão cheio. — Aqui, só importa quem é o melhor.
As palavras dele cutucavam minhas inseguranças, mas eu sabia que ceder naquele momento seria o mesmo que admitir derrota. Respirei fundo novamente, deixando as provocações dele passarem como vento, e foquei no que realmente importava: minha história.
— Eu sei do esforço que coloquei. Estou confiante no que escrevi — falei, a voz saindo mais estável do que eu esperava.
Por dentro, a dúvida ainda pairava, como uma sombra insistente. E se ele estivesse certo? E se eu não fosse bom o suficiente? Mas essa insegurança se dissipou quando lembrei de todos que me ajudaram até aqui.
Eu precisava acreditar, por mim e por eles.
Ryuuji inclinou a cabeça, com um sorriso que era metade interesse genuíno, metade escárnio.
— Confiança? É bom ter. Vamos ver se a sua história passa da primeira triagem. Mas, sinceramente, espero que sim. Gosto de uma boa competição. — Ele deu um passo mais perto, os olhos avaliando-me com atenção. — Boa sorte, Shin. Você vai precisar.
Ele se virou e começou a caminhar para longe, mas o impacto de suas palavras ficou.
Saí do prédio, a mente ainda girando com as últimas provocações dele. Não era fácil ignorar o nervosismo que começava a se acumular, mas, ao mesmo tempo, algo dentro de mim se fortaleceu.
Aquele confronto não era apenas sobre competir com Ryuuji. Era sobre provar para mim mesmo que eu podia chegar até aqui e ir além.
Olhei para o prédio uma última vez, a silhueta imponente contra o céu limpo.
— Eu vou vencer. — As palavras saíram mais firmes do que eu esperava, e um pequeno sorriso determinado surgiu em meu rosto.
Com passos mais firmes, comecei o caminho de volta para casa. Amanhã começava a próxima etapa, e eu estava pronto para encarar o que viesse.