Pego minha pasta e jogo a folha de papel em meu bolso da calça.
- esses papéis - tento falar mas várias vozes começam a falar animadamente entre si, e nem percebem que estou tentando falar. Tento de novo. - pessoal! - percebo que meu tom de voz se eleva um pouco mais do que o normal, suspiro então prossigo:
- pessoal, estes papéis são os trabalhos de vocês. Anna - chamo, e logo uma menina de cabelos pretos se levanta. - venha aqui.
Ela caminha chutando umas bolinhas de papel, com um olhar desconfiado fixo em mim.
Toco a pilha de papéis quando ela para na minha frente, arrastando logo em seguida alguns centímetros da mesa em direção a Anna.
- entregue para eles tá bom? Aqui está os trabalhos e as provas.
- sim senhor - diz com um sorriso que cria uma leve covinha na sua bochecha esquerda. Seus cabelos são longos e escuros, e seus olhos são levemente puxados. Oque da um charme e a se faz destacar um pouco do resto da sala.
- obrigada Anna - falo dando as costas para ela enquanto vou em direção a saída.
Ao abrir a porta me vejo novamente em frente ao corredor gelado e vejo Alisson saindo de uma sala ao mesmo tempo que eu. Seus olhos apressados correm pelas suas pastas e anotações, enquanto seus cabelos ruivos e bagunçados se movem, dançando no ar a cada passo apressado que dá.
Essa cena me faz querer rir.
As vezes me pego perguntando, como ela consegue dar aula. Não duvidando de sua capacidade ou inteligência, ela é sem dúvidas uma das mulheres mais inteligente deste colégio. Mas ela é cômica.
Não tem como não reparar, em sua camiseta azul escura amarrotada e seus Jens escuros que me trazem uma sensação de leveza, em outras palavras, a sensação de que ela acabou de acordar e caiu de paraquedas nesse colégio.
Ela parece tão perdida em suas pilhas de anotações que passa por mim direto, deixando apenas um rastro de um doce perfume de cerejas e outras frutas vermelhas.
Um perfume francês?
Noto uma pequena folha do lado do meu pé, que tenho quase certeza de que não estava aqui antes. Me agacho para pegar, enquanto volto meus olhos para Alisson que dobra o corredor e some do meu ponto de vista.
No papel está escrito:
"Marie curie - 2° ano, questão 5"
Mordo meus lábios enquanto encaro o nome de uma física escrita por uma letra estranhamente agradável. O certo a se fazer é devolver a ela.
Sei que sou adulto, um homem de 31 anos não deveria ficar nervoso em falar com uma mulher. Mas a espectativa de ter uma conversa com Alisson faz meu coração bater um pouco mais rápido do que o normal, ao ponto de ele latejar no pé do ouvido. Enquanto caminho, seguindo o doce cheiro, meus pensamentos fervilha em minhas frustrações comigo mesmo.
Único momento que eu tive uma conversa longa com Alisson foi quando ela me apresentou o colégio. E isso foi a uns cinco anos. Apesar de que ela sempre me da bom dia com seu sorriso largo e caloroso, e tento, sempre, retribuir com o mesmo calor, nunca consegui sair disso. Quem estou tentando enganar?
Eu nunca tentei sair disso.
É de certa forma confortável essa estabilidade da rotina de somente bom dias calorosos. Isso me envergonha.
Quase que me choco contra ela. Não percebi que ela estava parada no meio do corredor.
-A... Alisson? - gaguejo deixando transparecer uma careta rápida, uma repreensão pela minha voz ter falhado.
Ela se vira afobada, acho que nem notou que eu quase me esbarrei com ela. Seus olhos verdes me inundam por meio segundo.
- oi, desculpa eu não ouvi você chegar - ela sorri, e nesse momento consigo reparar que ela tem sardas em suas bochechas e em baixo dos olhos - como você está?
- oi Alisson. Eu estou ótimo. Você deixou cair isso - entrego o papel e percebo no mesmo instante que falei rápido de mais, e não perguntei se ela estava bem
- Eu estava procurando por isso! Obrigada - ela pega da minha mão, seus dedos toca as palmas da minha mão suavemente.
- E você, como está? Me perdoe minha indelicadeza. Estou com os pensamentos atordoados hoje - confesso numa tentativa de pedido de desculpa.
Seu sorriso se alarga mais, mostrando todos os dentes da frente e alguns das laterais.
- não se preocupe, eu estou muito bem - ela olha para a porta marrom que está a alguns metros de nós - eu tenho que dar aula...
- claro, vai lá. Não quero roubar a professora deles - era pra ser humorado. Mas assim que saiu da minha boca me senti patético.
Ela da um passo mais e para, e me encara novamente com seu rosto mantendo uma expressão de uma criança que vai aprontar algo. Será que ela também achou patético?
- Espere. É... Você tá afim de jantar? Sabe - ela ri meio nervosa, amassando a mão uma na outra- me sinto envergonhada. Mas mamãe disse que iria ir lá em casa, comprei um monte de comida congelada pra mentir que eu que fiz... e eu sozinha não vou conseguir acabar com tudo aquilo. - ela encara os próprios pés que estão calçados com um baixo salto preto - eu não estou afim de comer o resto da semana estrogonofe congelado. Enfim, aceita?
Não sei o que pensar. Na verdade, meu cérebro trava com uma proposta tão surreal. Não posso dar uma resposta com voz falha. Engulo em seco então falo:
- obrigado pelo convite. Estrogonofe é uma das minhas coisas favoritas. Eu passo na sua casa as.. 19 horas?
Ela solta uma risada enquanto pega uma caneta e rabisca algo em um papel.
- você não sabe onde eu moro. Mas, eu resolvi - ela da uma pausa e me entrega o papel - o seu problema. As 19 horas. - ela caminha atrapalhada em seus próprios pés e abre a porta
- bom dia meus amores - fala para seus alunos que respondem animadamente seu bom dia enquanto ela fecha a porta, seus olhos encontrando os meus por uns segundos antes dela fechar totalmente, me deixando com uma corrente elétrica percorrendo pelo meu corpo.
Estou estagnado. Não sei nem oque aconteceu na verdade eu não faço ideia.