Nos dias que se seguiram àquela conversa, Lucas se viu envolvido por uma mistura de excitação e angústia. O que antes parecia uma simples pesquisa para seu livro agora se tornava uma obsessão. Ele não conseguia parar de pensar em Miguel, na maneira como falava, na confiança que exibia, como se ele fosse um ser à parte, alguém que sabia tudo sobre o mundo das sombras e, ao mesmo tempo, estava distante de qualquer julgamento moral. Para Lucas, isso era o que tornava o garoto de programa tão fascinante: o controle sobre si mesmo, sobre a situação, sobre os outros.
O escritor não sabia se o desejo por escrever sobre aquele universo obscurecido por tabus estava tomando conta de sua mente ou se a atração por Miguel estava se transformando em algo mais profundo, mais insidioso. O fato é que ele começou a passar mais tempo com Miguel, encontrando-o com uma frequência que o próprio Lucas não imaginava ser capaz de alcançar.
Miguel nunca fez perguntas. Ele sabia o que Lucas queria. Sabia que, por mais que o escritor se convencesse do contrário, havia uma atração crescente entre eles, uma tensão que ambos sabiam que não seria facilmente dissipada. Durante aquelas conversas no bar, eles falavam pouco sobre o livro ou sobre o mundo que Lucas queria explorar. Ao invés disso, falavam sobre coisas aparentemente banais, mas que, para Lucas, começaram a ter um peso estranho. As palavras de Miguel pareciam carregar camadas que ele não conseguia descifrar.
"Você já experimentou algo proibido, Lucas?" Miguel perguntou uma noite, depois de Lucas contar sobre um encontro frustrante com um editor que o desanimara ainda mais sobre sua escrita.
Lucas pensou por um momento antes de responder, sentindo o calor das palavras pesando no peito. "Acho que todos nós experimentamos algo proibido, não é? Mas o que você quer dizer com isso?"
Miguel sorriu, inclinando-se ligeiramente para frente, seu olhar fixo em Lucas. "Quero dizer algo que você nunca contaria para ninguém. Algo que, se soubessem, as pessoas te julgariam. Algo que só se permite porque, no fundo, você sabe que não tem ninguém olhando. Mas, ao mesmo tempo, você sabe que, se alguém visse, sentiria prazer em te destruir."
Lucas sentiu um calafrio correr por sua espinha. As palavras de Miguel estavam tocando algo profundo em seu interior, algo que ele tentava entender, mas não sabia como.
"Eu…" Lucas hesitou, engolindo em seco. Ele não sabia por que se sentia compelido a falar sobre isso, mas uma parte de si parecia precisar expor algo para Miguel, algo íntimo. "Eu sempre achei que meu trabalho fosse minha válvula de escape. Mas, ultimamente, sinto como se ele não fosse o suficiente. Como se tivesse me perdido, ou pior, como se tivesse perdido o controle sobre o que me move."
Miguel inclinou a cabeça, observando-o com um interesse frio e quase científico. "Perdeu o controle? Ou simplesmente está com medo de ver até onde pode ir? O que acontece quando você ultrapassa os limites, Lucas? Não está curioso?"
A questão pairou no ar, e Lucas sentiu uma pressão crescente. Ele não sabia o que responder, mas dentro de si, uma sensação crescente de excitação e medo misturavam-se. Ele queria saber o que aconteceria se ultrapassasse aquele limite, mas também tinha consciência do quanto aquilo poderia ser perigoso, do quanto ele estava se entregando a um mundo que mal entendia.
Miguel, então, se levantou, rompendo o silêncio. "Você quer escrever sobre o que não entende, Lucas. Mas o que você realmente quer é sentir. E para isso, você vai ter que se entregar. Não há mais volta a partir do momento que você dá o primeiro passo."
Lucas sentiu a presença de Miguel se aproximando, quase como uma sombra, e, por um momento, ele se viu em um estado de vulnerabilidade que não imaginava. Estava pronto para ser guiado, mas por quem? Miguel? Ou algo ainda mais obscuro dentro de si mesmo?
Naquela noite, ele decidiu seguir Miguel, sem questionar, sem parar para pensar nas consequências. A rua estava escura quando saíram do bar, o som da cidade abafado pela distância crescente de suas conversas. Miguel o conduziu por um caminho tortuoso até um prédio antigo no centro da cidade, longe das luzes e das câmeras. Era um lugar que Lucas não conhecia, e sua curiosidade se mesclava com um medo crescente. O que ele estava fazendo ali? O que de fato queria descobrir?
O prédio tinha uma aparência decadente, as paredes estavam sujas e o cheiro de mofo era forte no ar. Eles subiram por escadas estreitas e mal iluminadas, até chegar a um pequeno apartamento no último andar. A porta se abriu sem fazer barulho, e Miguel gesticulou para Lucas entrar.
Dentro, o espaço era simples, quase minimalista. As paredes, embora desgastadas, estavam decoradas com fotografias de corpos nus em posições provocativas, algumas antigas, outras mais recentes. Tudo indicava que ali não era apenas um lugar onde Miguel morava, mas onde ele vivia suas mais intensas trocas. Lucas sentiu um nó na garganta. Ele sabia que estava diante de algo que ultrapassava qualquer experiência que já tivera.
Miguel fechou a porta atrás deles e se aproximou de Lucas com passos lentos. Seus olhos estavam focados, como se estivessem lendo cada reação do escritor. "Aqui, as regras são diferentes", disse Miguel, sua voz agora baixa e cheia de intensidade. "Aqui, você vai se perder em algo que não pode controlar. Não há perguntas. Não há salvação."
Lucas não sabia o que esperava, mas, antes que pudesse dizer algo, Miguel avançou, colocando uma mão suave em seu peito. Foi um toque simples, mas que o fez congelar por um segundo. Era como se o contato de Miguel tivesse o poder de arrancar as palavras e os pensamentos da sua mente.
"Você realmente quer isso?" Miguel sussurrou, os lábios próximos ao ouvido de Lucas. "Porque, uma vez que entrar, não tem volta."
A tensão estava no ar, densa e palpável, e Lucas, com o coração batendo forte, sabia que ele não apenas estava ali para escrever sobre aquele mundo. Ele estava prestes a se perder nele. E talvez fosse exatamente isso o que ele queria.
"Sim", Lucas respondeu, com a voz mais firme do que se sentia. "Sim, eu quero."
Miguel sorriu, um sorriso que não era apenas de aprovação, mas de quem sabia que, a partir daquele momento, a verdadeira experiência começava.