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Em busca de Redenção

Eu me despedi de Julio. Ainda precisava passar no apartamento que compramos juntos para preparar o quarto e a mesa da copa para fazer uma surpresa no aniversário dele. Tinha poucas horas para colocar tudo em ordem. Sorri só de imaginar a cara de surpresa que ele faria. Mesmo que já haviam muitos anos que namorávamos, eu nunca havia me entregado para ele. Aquela seria minha primeira vez. Nós crescemos juntos e então eu acreditava sim, quando ele dizia que também seria sua primeira vez. Não tinha motivos para duvidar. Ele sempre estava comigo. Mamãe costumava brincar que éramos unha e carne. O casamento estava marcado. Mas minha família ainda não tinha conhecimento. Meu irmão se casaria em breve e eu não queria tirar as atenções que estavam sendo dispensadas a ele. Mas não sabia como, pareceu que estava sonhando. E de repente estava vivendo outra vida...Vendo outra pessoa e sendo outra pessoa também...

Ele entrou dentro do carro e ficou me observando, enquanto esperava suas irmãs se ajeitarem com suas compras no carro. Eu estava encostada em um poste, admirando seus cabelos louros e cacheados, enquanto pensava em como ele se parecia com um anjo. Tinha os olhos mas lindos que já vira... Grandes olhos verdes que me fitavam com um brilho intenso... Não sei se é imaginação, mas parecia que seu olhar transmitia muito amor, pareciam soltar faíscas de paixão. Uma ternura se apossou de mim, me fazendo acreditar que já estivera em seus braços, beijado seu lábio carnudo e ouvido juras de um eterno amor de uma voz rouca e sensual, cheguei até a me deliciar com essa sensação.

Continuamos a nos encarar por um longo tempo... Até que percebi que sorria para ele, porém ele não sorria. Apenas observava. Então senti que ele se despedia... No momento não fiquei triste, e continuei a sorrir-lhe. Até hoje não consigo dizer com palavras o que sentia por ele com justiça... Sei lá... Talvez uma emoção eterna... Um amor que compreende a ausência, que não se desfaz com o tempo. E por alguma razão sabia que era o mesmo que ele sentia por mim. Mas o mais estranho, era que nunca o havia visto antes e mesmo assim era como se já nos conhecêssemos há muito tempo, como se pudéssemos nos comunicar por meio de um simples olhar... Havia algo maior, uma força invisível que nos unia mesmo quando não estávamos juntos. Era com se ele me conhecesse e estivesse me acompanhado por todos os meus caminhos. Era bom imaginar que havia alguém que se alegrava com minhas vitórias e me consolava em minhas derrotas mesmo sabendo que não pudesse vê-lo.

Intuitivamente soube naquele momento que estava sonhando. E junto com essa certeza uma sensação de vazio e perda. Então com o olhar me despedi e então soube que viria a reencontrá-lo... Seus olhos me prometiam isso, enquanto meu coração me alertava insistente, que esse reencontro não seria tão bom o quanto desejava, e um mau presságio oprimia meu peito.

E foi com essa sensação que acordei. Abri os olhos e a primeira coisa que vi foi o céu. Estava claro e com muitas nuvens, e a temperatura era extremamente confortante e agradável. Demorei um pouco para me dar conta de que estava deitada no chão. Levantei-me e distraída bati a poeira da roupa e comecei a andar. Queria chegar logo em casa... Mas...Casa? A agonia se apoderou de mim. Não sabia onde estava, não sabia para onde ir e pior; não sabia nem quem era.

Olhei em volta procurando por algo que me fosse familiar, uma pista de onde estava, mas nada! Era tudo estranho...Para meu desespero não reconhecia nada! Por que será que estava deitada ali? Porque não me lembrava? Dúvidas começaram a se passar por minha cabeça... Será que era uma dessas pessoas que não tinham lar, nem família, um teto, que dormem em bancos de praças e em calçadas, ou debaixo de pontes? Não! Algo me dizia que tinha sim um lar e uma família! Mas então porque não conseguia me lembrar? Ouvi algumas vozes por detrás de um arbusto e fui verificar, talvez encontrasse a resposta ali. Abri espaço entre os arbustos e descobri algumas pessoas que caminhavam por ali tranquilamente. Confesso que fiquei mais perdida ainda, pois aquelas pessoas que por ali passavam não mostravam qualquer curiosidade sobre a minha presença ali. Ou estava invisível ou eram insensíveis demais para perceberem o quanto estava perdida. Era tudo tão estranho ali. Tudo parecia um sonho. Sentia uma estranha sensação de irrealidade, era tudo tão diferente... Até as árvores, pareciam florescer de uma forma propositalmente perfeitas. Havia uma piscina natural onde crianças de várias idades brincavam despreocupadas. Uma dessas crianças me chamou mais a atenção porque parecia que se assemelhava com alguém que conhecia. Tinha longos cabelos negros e era linda. Por um momento fiquei observando-a, mas assim que ela percebeu saiu correndo e sumiu. Então olhei e vi uma senhora sentada em um banquinho observando divertida, as crianças brincarem.

Aproximei da senhora, que agora mais de perto me surpreendia perceber que apesar dos cabelos grisalhos, tinha o rosto jovem e belo.

_Por favor... -Disse já em seu lado e no mesmo instante ela se virou e pareceu só naquele momento notar minha presença.

_Sim, minha filha?- Sente-se aqui do meu lado. -Ela disse com ar bondoso e se afastou para o lado e me dando espaço no banco. Obedeci. Já ia me apresentar, quando me lembrei que não sabia meu nome. Essa realidade fez com que um sorriso irônico se apossasse de meus lábios. Então resolvi ir direto ao assunto.

_A senhora poderia me dizer em que cidade estamos?

_Cidade?! - Ela pareceu-me confusa, então resolvi explicar, pois ela devia estar me considerando uma lunática. Afinal era raro alguém não saber nem a cidade em que se encontrava.

_Não precisa se assustar. É que... Bem, não sei ao certo, mas parece que perdi a memória e não consigo...

_Não minha filha. -Ela me interrompeu. - Não estou assustada, é que não estamos em uma cidade. Não como imagina. – Ela disse abrangendo com um abraço o espaço que podíamos avistar.

_Não?! -Então onde estamos? Em algum parque? Mas mesmo se assim fosse teria que estar em alguma cidade! – eu disse as últimas palavras mais para mim mesma.

Um brilho de entendimento passou em seus olhos e então ela me fitou com compaixão e disse com voz triste;

_Então ainda não sabe...

E antes que perguntasse do que ela falava, continuou;

_Está vendo aquele irmão que está á conversar com a ruiva?

Segui a direção em que ela apontava e vi de quem ela falava. Porque não havia os percebido antes? O homem era um senhor, também grisalho, com um sorriso franco que fez com que me simpatizasse com ele imediatamente.

_Vá até ele minha filha, poderá ajudá-la

Agradeci com um sorriso e me pondo de pé, grata por sair de perto daquela mulher. Não gostava de ser alvo de piedade e também achei ela muito maluca.

Segui em direção aquele senhor, porém uma dúvida me acompanhava na minha caminhada. Aquela senhora se referia a ele como "irmão", será que me fizeram uma lavagem cerebral? Isso explicaria não me lembrar de nada... Explicaria também aquele lugar estranho, onde as árvores faziam harmonia com as plantas, como num cenário perfeito... perfeito demais para ser real. Tudo parecia ser propositalmente colocado ali para engano e encanto. Ninguém poderia negar que era um belo cenário e que de certa forma, era tão agradável que não dava vontade de abandona-lo. Mas isso podia ter sido feito exatamente para que as pessoas tivessem aquela sensação. Até o chão era de grama, que mais parecia um tapete fofo. E as pessoas eram assustadoras. Pareciam não se importar com nada ao seu redor. Meu Deus! Onde estava afinal? Sabia que precisava agir com calma e controlar meus temores para não tirar conclusões errôneas.

Quando cheguei perto, percebi que a moça que conversava com ele devia ter mais ou menos a minha idade, o que era bom, pois poderia ser de grande valia uma pessoa que pensasse como eu. Parei bem perto, na dúvida de se interrompia ou não a conversa, e de algum modo ele percebeu minha presença e com um gesto, pediu que aguardasse. Fiquei, então á uma certa distância, observando os dois conversarem. Era tudo tão estranho! Conseguia entender perfeitamente tudo que ele falava para a moça, mas não compreendia nada que ela dizia. Era como se ela falasse em outro idioma, mas compreendia perfeitamente o que ele dizia no próprio idioma.

De repente, a moça que estava de costas para mim, se virou e me encarou. E após algum tempo, alguns segundos na verdade, seu rosto se transformou e ela me olhou de modo hostil. Na verdade, não me importei, imaginando que ela poderia estar enciumada, afinal já havia recebido vários olhares hostis por causa da minha aparência que sempre chamou a atenção dos homens e inevitavelmente o ciúme das mulheres. Desviei o olhar e acabei por me distrair observando as crianças que pulavam na piscina e davam risadas, pareciam tão felizes...

Senti alguém tocando em meu ombro e me virei assustada. Era o senhor de cabelos grisalhos. Ele sorriu gentil e olhei ao redor procurando pela moça, mas ela havia desaparecido.

_Você ainda vai se reencontrar com ela... Vocês têm muito que conversar.

Olhei espantada para ele, pois no fundo senti mesmo vontade de revê-la. Mas foi só um sentimento muito tímido, quase inconsciente e de alguma maneira aquele homem conseguiu captar.

_Quem é ela? -Perguntei antes mesmo que pudesse refrear minhas palavras. Que me importava quem era ela? Havia coisas mais importantes para saber!

_O nome dela é Giovana.

_Há sim...

_Me desculpe não estar presente quando despertou, mas tive alguns contra-tempos com alguns irmãos teimosos, e não pude vir imediatamente, porém agora estou a sua disposição, venha, vamos nos sentar para conversarmos mais à vontade... Estive monitorando você por tanto tempo e quando desperta não estou presente... – Ele disse com genuíno pesar.

_Obrigada pela gentileza, mas se o senhor não se importar não quero me sentar, quero apenas saber onde estou e como faço para sair daqui.

_Calma que já, já terá resposta para todas as suas perguntas.

_Afinal, quem é você? Porque age como se tivesse alguma responsabilidade...

_Oh! Desculpe-me, esqueci de me apresentar, meu nome é Antônio, e sim, sou responsável pelos irmãos que chegam aqui, para que saibam de sua nova condição.

_Muito prazer Antônio, se soubesse poderia lhe dizer meu nome, mas parece que minha memória está me pregando uma peça, mas isso não vem ao caso, só quero saber como sair desse lugar.

Ele me olhou como se pudesse enxergar o fundo da minha alma.

_Acho melhor se sentar. O que tenho para lhe dizer é algo de vital importância e é melhor que esteja sentada.

Comecei a me desesperar e a ficar com medo. Porque não me dizia logo que lugar era aquele? Pra que tanto suspense para uma pergunta tão simples?

_Olha não quero me sentar! Só quero sair daqui! Acho que me enganei pensando que poderia me ajudar...

_Realmente se você não se sentar e se acalmar vai ser impossível lhe ajudar. Como entenderá ou acreditará no que tenho para lhe dizer se está tão impaciente? Assim jamais enxergará a verdade que a rodeia e sua nova condição e seu estado real...

Tentei ler em seus olhos o significado do que acabava de dizer. Suas palavras me soavam tanto sem sentido algum ou mesmo sem foco... mas o que vi e senti foi uma bondade infinita que emanava de todo seu ser, era tão natural que chegava a ser quase palpável. Sem mais uma palavra resolvi me sentar, no que ele me acompanhou silenciosamente. Parecia, ou sentia, não sei ao certo, que ele estava triste, que sentia muita compaixão por mim, mas como poderia se ele nem me conhecia? Não sabia nada da minha vida? Ou será que sabia? Lembrei-me de algo que ele disse e me inquietei com aquelas palavras.

_O que quis dizer com "nova condição e estado real"? Acaso estou doente?

Ele me fitou por alguns segundos, depois virou o rosto e ficou a fitar um ponto qualquer, antes de responder muito sério;

_Não. Não está doente. Na verdade nunca mais ficará doente. Pelo menos não enquanto estiver aqui.

Surpreendi-me com essa resposta. Essa era inédita! Não podendo evitar comecei a rir, até meus olhos se encherem de lágrimas. Quando consegui parar, aceitei o lenço que ele gentilmente oferecia, surpreendendo-me novamente por ele não parecer ofendido com meu acesso de riso.

_ E aquelas crianças? Não acha perigoso que estejam se divertindo em uma piscina, sem ninguém para observa-las? Podem se afogar! – Eu disse, dando prioridade a segurança das crianças.

_ Não correm perigo algum. Assim como você, nada pode as ferir aqui.

_Do que está querendo me convencer? – Disse, o fitando indignada e sentindo que uma nova ira nascia dentro de mim.

_Não precisa ser convencida de nada... Já tem consciência do que lhe aconteceu... Só precisa aceitar... Na verdade estar assustada é normal e compreensivo. Cada um tenta fugir de uma forma diferente...

_Não sei de nada! Porque não tenta ser mais claro?

_A verdade menina esta na sua frente, porque não tenta aceitar e se resignar com o que não pode ser mudado?

Fiquei séria. Do que ele estava falando?

_Quem sou eu?- Meus lábios se moveram antes que pudesse impedi-los de formular tal pergunta. Foi como um pensamento que me importunava que ao invés de passar pelo cérebro primeiro para ser avaliado e processado com lógica, passou direto, burlando todas as burocracias e saiu na minha voz.

Ele sorriu compreensivo e só então entendi que era melhor não saber por ele. E foi então que aquela moça, que me olhara de modo hostil, ressurgiu do nada e fiquei a observá-la enquanto se aproximava. Era realmente muito linda, com sua vasta cabeleira vermelha e grandes olhos verdes. Olhos que traziam um brilho selvagem e desafiador. Senti que a conhecia de algum lugar.

Antônio se levantou e nos apresentou, mas ela ignorou a mão que estendi. Olhei para Antônio totalmente sem graça e esse, com sua expressão apenas dizia que sentia muito. Ela me olhara com tanto desprezo e depois me virou as costas e voltou-se para Antônio conversando com ele como se o implorasse por algo. Não sabia porque mais aquele descaso me doeu fundo. Sentia-me culpada, mas não sabia de que nem porquê. Meus olhos se encheram de lágrimas por uma culpa indeterminada. Balancei a cabeça e comecei a considerar seriamente a possibilidade de estar louca. E ali poderia ser um hospício. Como uma garota que nunca havia visto antes podia me despertar tal sentimento de culpa? E afinal de contas para que tanto rancor? No começo acreditei ser por causa da minha aparência, mas não fazia sentido. Ela é linda! Não havia motivos para todo aquele desprezo... A não ser, é claro, que estivéssemos mesmo num hospício. E quando finalmente se despediu de Antônio me lançou um olhar cheio de ódio e rancor. Confesso que fiquei impressionada e cheguei até a recuar diante da intensidade e da força que emanava de todo seu ser. É incrível, mas por um momento até me esqueci dos meus problemas e vendo-a se afastar não pude deixar de perguntar para Antônio;

_Afinal, porque ela me odeia tanto?

_Ela não a odeia. Apesar de ser uma verdade diferente da sua, ela assim como você, se recusa a aceitar fatos inevitáveis.

_Não consigo compreendê-lo. Realmente não sei o que se passa comigo e fala como se fosse proposital minha ignorância do que está ocorrendo.

Ele abriu a boca para me responder, mas se deteve ao avistar algo.

_ Veja! Ali esta a resposta para suas perguntas.

Segui com olhar para onde ele apontava, mas não notei nada além de alguém que se aproximava. Continuei sem entender. Quem seria?

Contudo, à medida que se aproximava, comecei a sentir um aperto no peito. Meus olhos se encheram de lágrimas e passei a correr em seu encontro, não precisava mais ver para saber de quem se tratava, meu coração gritava lá dentro; Meu pai! Era meu pai! E de repente, num desses momentos inoportunos de lucidez, parei. Devia mesmo estar louca. Meu pai já havia falecido há anos... Como poderia estar ali? Eu mesma fui ao seu velório. Derramei lágrimas sobre seu caixão... Foi então que um clarão passou por minha cabeça com lembranças confusas, mas afugentei-as com a chegada do meu amado pai. A emoção era muito grande para pensar em conjeturas àquela altura. Se estivesse delirando ou louca ou sonhando que fosse! Queria ficar assim para sempre. Alcancei-o e me joguei em seus braços e fui recebida com um forte abraço e com a mesma intensidade de sentimentos. Podia sentir isso. Era tão real! Afastei-me um pouco, só o suficiente para observar o rosto amado. Sereno, com um pouquinho de severidade. Os cabelos ficando grisalhos dos lados... Parecia ter parado no tempo, não havia mudado nada. Mas quando olhei em seus olhos... Estavam tristes! Ele até tentou disfarçar, mas era tarde. Já havia percebido.

_Pai?

_Sim, minha filha.

_Porque está triste? Não ficou feliz em me ver?

_Não é nada disso, minha filha... É claro que me alegro em rever-te! Mas é que... É tão jovem ainda...

_Não entendo. Porque diz isso?

Papai não respondeu e olhou confuso para Antônio.

_Nada. Desculpe ter demorado, mas no momento em que Geisa me contou que havia acordado, estava em uma emergência, mas vim assim que pude.

Só então notei a presença da menina que o acompanhava. Geisa era uma menina linda de olhos cinzentos e cabelos negros. Lembrei-me de tê-la visto junto com as crianças que brincavam na piscina... Agora estava ali encostada entre as pernas de papai, também me observando, como uma criança tímida. Ela me lembrava alguém... Mas quem? Voltei o olhar para papai e a comparação fora inevitável. Os mesmos cabelos, os mesmos olhos, a mesma tez... É claro! Geisa é minha irmãzinha caçula! Mas... Meu Deus o que estava acontecendo?! Como ela poderia estar ali se havia morrido há anos?

Foi só então que num rompante me recordei de tudo, de toda minha vida. A minha história se passava diante de mim como num filme em que era a expectadora... A minha infância... Meus irmãos... Meus pais... Meu noivo... Minha mãe chamando-nos a atenção para não brincarmos na chuva, a correria para nos aprontar para irmos à escola, a felicidade pelo nascimento do mais novo membro da família; Geisa, e o desespero anos depois com sua morte, por causa de uma estúpida pneumonia... O casamento de meu irmão mais velho... Meus sonhos, desilusões, alegrias, dúvidas comuns aos adolescentes...

Cláudio! Meu irmão mais velho se chama Cláudio. Depois Emerson, três anos mais novo que Cláudio e dois mais velho que eu... Há sim, agora me lembro, sou Elizabete. Lembrei-me de meu noivo e meus olhos que já estavam marejados deixa uma lágrima cair. Foi meu primeiro amor, meu primeiro namorado. Foi compartilhando com ele que experimentei minhas primeiras dúvidas, minhas primeiras certezas, alegrias, desilusões e a primeira emoção de um namoro escondido. Ele foi primeiro e único. Naquela hora acreditei que jamais amaria um outro homem. Júlio... Que saudade... Ele passou de um namorado carinhoso para um dedicado noivo. Iríamos nos casar e nunca brigamos. Tínhamos um relacionamento perfeito e único... E hoje, pensando em tudo que passei percebi algo que antes havia me passado desapercebido, Júlio sempre esteve comigo. Nos melhores e piores momentos. Na minha formatura, nas festas, no casamento de Cláudio, nas grandes e difíceis decisões, no enterro de Geisa e anos depois, no de papai também. Foram perdas irreparáveis para toda família. Mamãe quase foi junto... Mas os anos foram passando e a dor se transformou em saudade. O sofrimento já não era a característica predominante na família. Apesar de nunca aceitarmos, nos resignamos... Vi o desespero de mamãe quando troquei o carro que ganhei quando completei meus dezoito anos por uma moto. Era um sonho que tinha desde menina; uma moto! E contei com o apoio de meus irmãos... Vi o caminhão que vinha desordenado, e a minha vã tentativa de me desviar, logo depois o enorme barulho de batida e sendo arremessada para um enorme barranco pelo impacto da batida. Sentia uma dor indescritível. Lembro-me de ter ouvido vozes ao meu lado e ser removida, depois me senti anestesiada e sem o incomodo da dor cai num sono profundo e acordei naquele lugar.