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Capítulo 5

Um longo corredor de madeira se alongava à frente de Naomi, ladeado por portas semelhantes à que havia acabado de sair. Cada uma delas dava em um quarto idêntico ao que estava; alguns tinham pessoas descansando, outros estavam vazios porque quem habitava ali, ou estava em alguma missão ou simplesmente se encontrava na Cova fazendo algo. E claro, havia aqueles que estavam vazios porque seus ocupantes nunca voltaram. 

Ela seguiu pelo corredor que rangia sobre seus pés. As madeiras eram muito velhas e os locais que tinha sido emendados com tábuas novas eram nítidos, as paredes eram próximas, e igual a seu quarto, elas também descascavam. Luzes de neon serviam para clarear todo o ambiente fazendo o corredor ter um ar sinistro pela luz fosca. 

Indo a passos largos, a Corva escutava por vezes algumas vozes vindas de trás das portas, mas que eram impossíveis de se entenderem por completo, afinal, a madeira das portas as abafavam. Mais à frente, uma luz amarelada saía pela abertura de um dos quartos. 

Naomi se aproximou até por fim ficar na entrada do cômodo, o quarto de Jonas. Ali havia uma pequena cama de solteiro contra a parede, uma cômoda a seu lado com as roupas socadas nas gavetas, e diferente do dela, neste havia uma escrivaninha, e logo atrás, Jonas. 

A Corva bate à porta com o nó dos dedos, desta forma, chamando a atenção do outro. Jonas levantou os olhos negros dos papéis à sua frente vendo-a pela primeira vez e abrindo um sorriso cansado. 

— Peço desculpas por não ter passado antes, senhor – disse Naomi no mesmo momento. 

Com um esticar na coluna, o líder dos Corvos escutou vários estalos que aliviaram sua cara de cansaço. 

— Imagina! Susan disse que não foi tão fácil quanto pensei que fosse. Gabriel está bem? 

Naomi o analisou por um breve momento; um homem na casa dos quarenta, com várias mechas brancas e de corpo esguio. Respondeu por fim: 

— O senhor o conhece, não é a primeira vez que apanha, e sinceramente, duvido que seja a última. 

Jonas se soltou contra a cadeira, descansando os braços ao lado do corpo, pareceu perdido em alguma memória por um breve momento e disse com um sorriso de canto de boca: 

— Lembra da vez que ele apanhou em sua época de patrulha e quebrou os dois braços? 

— Como esquecer, senhor? Ele deu trabalho para todo mundo durante três meses. 

— E que você foi até onde ele havia apanhado para trocar umas "palavrinhas" com os agressores? – Vendo que Naomi ficou com a ponta das orelhas vermelhas, continuou: – Não precisava ter quebrado os ossos de todos eles. O centro de tratamento ficou me perturbando por mais de três meses! 

Antes que Naomi conseguisse se desculpar, o outro soltou uma risada cheia de saudades de uma época mais simples. A moça viu várias pilhas de papel organizadas sobre o pequeno cômodo que o seu líder trabalhava e entendeu de imediato o que ele quis dizer: por tempo mais calmo, a violência e o ódio cresciam em uma velocidade alarmante. 

— As coisas não estão mais calmas, né? – disse enquanto apontava com a cabeça para os papéis. 

Jonas parou de rir e fitou a jovem com os olhos cheios de uma preocupação legítima e disse: 

— Exato, a tensão entre nós e a Vala só aumenta, e para piorar, a criminalidade agravou muito, se continuar assim, podemos acabar igual aos Antigos e se matarmos em alguma guerra. 

Naomi conhecia bem a Vala, era como uma "subcidade" dentro das Covas, e cada uma das quarenta e oito tinha a sua. Após a Terceira Guerra dos Antigos, toda radiação restante causou mutação em pessoas, e por causa do nojo, do preconceito e do medo, essas pessoas eram separadas daquelas que nada sofreram. 

— Mas o que gostaria de ter comigo? – indagou Jonas, de supetão, tirando-a do rápido devaneio. 

— Vim fazer um relatório dos acontecimentos de antes, senhor. – E o fez. 

Decorreram diversos minutos enquanto Naomi falava sobre o que viu e passou. Jonas somente escutava sem nunca a interromper, somente concordando vez ou outra. 

— Isso é tudo, senhor – falou Naomi terminando o seu relato. 

— Um urso… Fazia tempo que não escutava sobre eles. E mulheres e crianças… 

— Senhor, o que pensa que estavam fazendo com essas pessoas? 

— Me diga você. 

— Acredito que iriam para algum prostíbulo ilegal, mas isso não explica o animal. 

A cadeira do líder dos Corvos range enquanto ele se acomodava de má vontade. 

— Talvez colocassem todos juntos em uma arena para ver a barbárie. 

— Mas – falou Naomi – isso seria maligno. 

— Como eu disse antes, estamos vivendo tempos de ódio. 

Um som de passos contra a madeira vindo do corredor chamou a atenção de Naomi que se virou no mesmo momento. Viu Otto, um Corvo novato vindo apressado com um pedaço de papel em mãos. 

Otto era um membro novo na organização, ainda fazia suas patrulhas como era de praxe dos novos. Ao ver a colega, sorriu alegre. 

— Não vi você chegar! – disse o rapaz ainda atravessando o corredor. 

— Foi de madrugada, devia estar em patrulha ou dormindo. Cadê o Wesley? – Wesley era o parceiro do rapaz. 

— Patrulha. – E por fim alcançou a porta. – Senhor, mensagem importante da Cova. 

A tensão que havia desaparecido por um momento com a chegada do terceiro, voltou quase de imediato. Jonas falou: 

— Naomi, preciso lhe pedir licença para lidar com isso. 

— Claro, senhor – respondeu enquanto deixava Otto entrar no quarto, fechando-o logo em seguida. 

Novamente se encontrava sozinha no corredor. Tirou os pensamentos ruins da cabeça e seguiu caminho em direção à escadaria que dava ao salão, e diferente do que ela acabara de fazer, com madeiras velhas e que rangiam a qualquer movimento, este, por sua vez, era novo. A escadaria fora construída por Will e sofria manutenções regulares. Naomi desceu os degraus em espiral até chegar ao fim, no salão. Um grande cômodo com piso de mármore escuro, cheio de riscos pelos diversos anos de uso, com cinco mesas redondas espalhadas, cada uma contendo dez cadeiras à sua volta, algumas delas ocupadas por Corvos que descansavam ou conversavam. 

Uma porta de madeira com mais de dois metros de altura dava para a rua. Do lado oposto da escada estava a cozinha, nela trabalhava Vicente, o responsável pela comida, e de frente à porta de entrada ou saída, ficavam mais duas outras, uma que dava ao pátio de treinamento, que nada mais era um jardim antigo cercado por muros com mais de três metros para que ninguém de fora os visse, cheios de equipamentos de musculação e campos para treino. A outra porta era uma sala onde Will e Susan trabalhavam. 

O Ninho era a base dos Corvos nas Covas, um casarão da época dos Antigos. Naomi atravessou rapidamente a distância entre ela e a cozinha, colocando a cabeça pela janela, vendo Vicente ajeitar um grande saco ao lado de uma panela tão grande quanto. O Corvo cozinheiro era baixo e gordinho. 

— Bom dia! 

Vicente dá um pulo de susto, praguejando e então ri um riso contagiante para a jovem. 

— Bom dia, Naomi, faz algum tempo já, hein? Missão, certo? 

— Certíssimo, já começou o almoço? 

— Pois é – respondeu enquanto ajeitava a panela sobre um fogão a lenha. – Parecem um bando de esfomeados, vai esperar a comida? 

— Infelizmente acredito que hoje não, vou dar uma volta e talvez comer algo por aí. 

Vicente puxando a faca da cintura, cortou a borda do saco e olhou para a colega. 

— Entendo. Bem, pelo menos vai ter mais variedade – disse rindo. 

— Pois é. Vou indo, Vicente. Até mais. – Não teve resposta, pois o outro já voltava a se concentrar no preparo do almoço. 

Atravessou o salão cumprimentando outros diversos Corvos até, por fim, chegar à porta que abriu, sem pestanejar. A cidade estava diante dela. O sol a cegou por um breve momento, mas ela logo voltou a distinguir as casas e as pessoas. As casas eram feitas de madeira, barro ou usando estruturas dos Antigos, com remendos de produtos atuais. As formas e tamanhos eram diversos, mas o que sempre chamava a atenção eram as cores. Tirando o preto, que era exclusivo dos Corvos, o resto era liberado e as pessoas usavam e abusavam delas. Havia casas verdes, amarelas e azuis, algumas com paredes roxas e telhado rosa-choque. De início, era um estranhamento aos olhos, até mesmo uma poluição visual, mas Naomi não via dessa forma. Era mais como uma identidade do lugar, como uma manta de retalhos cheia de cores. 

Ruas de terra batida cortavam a Cova em diversos locais. Elas eram pequenas, para apenas pessoas andarem ou às vezes longas o suficiente, pensadas para as Caravanas. 

Igual às casas, os habitantes usavam cores vibrantes, tecidos gastos e meio rasgados, com cores desbotadas ou recém-pintadas. 

Naomi passou pelo corvo feito de pedra com quase um metro de altura que ficava ao lado da porta, descendo os poucos degraus que davam na rua. Logo andava entre as pessoas, despreocupada. As conversas e as vidas eram inebriantes após tanto tempo de selva e perseguição que havia passado. 

Viu diversas crianças brincando com pedaços de madeira, que fingiam ser armas em batalhas épicas, numa rua sem saída. Cheiros diversos começavam a inundar todo o ambiente enquanto ela seguia para uma rua mais larga onde diversas pessoas passavam com sacolas cheias de produtos ou que planejavam encher. Gritos de vendedores que competiam para vender eram ouvidos. 

Não muito à frente de Naomi, a feira da cidade se encontrava cheia como sempre. Dois Corvos ficavam em um canto mais escondido, preparados caso alguma confusão estourasse. Barracas de comida, tecido ou artesanato se abarrotavam num local amplo e circular, e mesmo não parecendo, havia certa ordem no local, sempre com espaço para passar por entre todas. 

Pessoas bebiam destilados ou comiam frituras feitas na hora, uma senhora barganhava furiosamente com um vendedor de tecidos. Naomi passou olhando para as opções e sentiu-se tentada por uma barraca de caldo de legumes com coelho, mas a fila a desanimou, fazendo-a ir para uma barraca de frutas que estava mais vazia. 

Maçãs meio murchas e bananas esverdeadas junto a peras roxas, foram as que mais chamaram sua atenção. Acabou cedendo a uma maçã que achou ser a mais gordinha. Pagou o vendedor com uma moeda, e este ao ver sua bolsinha cheia, tentou empurrar mais produtos para ela. Naomi rapidamente se distanciou do vendedor dizendo que não queria mais nada. Quando o homem viu que não ia conseguir, mudou o alvo para outra pessoa que olhava uma de suas peras. 

Com uma mordida generosa, a jovem mastiga um pedaço doce da fruta. Continuava andando pelas barracas. Viu a senhora de antes vencendo o vendedor na pechincha e levando o tecido que desejava mais barato. Escondeu um sorriso. Uma barraca que mais cedo vendia coelhos e faisões caçados no dia anterior, já se encontrava completamente vazia, tendo como vendedora uma mulher muito satisfeita com o novo peso de sua bolsa de moedas. 

Andou mais um pouco e quando ficou satisfeita, saiu da multidão pegando uma rua lateral mais vazia. Diferente do Ninho que havia energia elétrica produzida por um gerador a gasolina, dado pelo Bunker, o resto da Cova não tinha tal mordomia. Postes com um metro e meio, com velas muito grossas, ladeavam a rua a cada cinco metros. Todas eram acesas à noite, deixando o ambiente macabro. 

Atravessando mais algumas ruas movimentadas e outras menos, ela viu na esquina, a poucos metros de si, o bar de Aldrey. Era uma casa com grandes janelas abertas e com a porta ainda fechada. Era cedo demais, então Naomi não esperava que estivesse aberto. Aproximou-se ficando ao lado da janela e olhou para o estabelecimento que conhecia desde novata na Cova. 

Em uma pequena sala cheia de cadeiras e mesas antigas, Aldrey limpava alguns copos quase escondida por trás do balcão. Naomi conseguia reconhecer a amiga de longe; uma mulher alta com braços, pernas e rosto magro, mas com uma barriguinha protuberante. 

— Oi – disse pela janela. 

— Estamos fechados – respondeu Aldrey de mau humor, sem tirar a atenção do que fazia. 

— Aldrey, sou eu! 

A mulher por fim se deu conta de quem era a voz, abaixando o copo no mesmo instante. 

— Naomi! Você sumiu! Venha aqui. 

Com movimentos rápidos, a Corva pula para dentro do bar se aproximando rapidamente da amiga. Debruçou-se no balcão, olhando-a mais de perto. A outra já deixara dois copos à frente para ambas. 

— Por onde você andou? Não, espera aí, era alguma missão, né? 

— Pois é – respondeu Naomi. – O de sempre. Mas e a Cova? O que aconteceu de novo? 

Aldrey remexeu nas bebidas pegando um vinho e enchendo os copos. Ela virou o seu no mesmo momento e o encheu novamente. 

— Nada de mais, para falar a verdade. Algumas brigas e um corpo achado de vez em quando. O de sempre, sabe? 

Naomi bebericou um pouco do conteúdo sentindo o líquido descer ardendo. Deu mais um gole. Realmente não ficou mais de quinze dias fora, mas a falta de novidades a deixou um pouco desanimada. 

— Ei! – Cortou Aldrey enchendo o copo quase cheio da colega. – Não fique com essa cara. Mas ando escutando algo sobre um culto nos últimos tempos. 

— O quê? – Cultos eram coisas perigosas naqueles tempos, afinal, pessoas desesperadas eram facilmente manipuladas. – Esse é perigoso? 

Aldrey puxou uma das cadeiras se sentando pesadamente e apontou uma para a amiga que rapidamente aceitou o convite. Com um novo gole, Aldrey continuou: 

— Não sei muito sobre isso. É algo novo, nem o nome eu sei, só um burburinho entre os bêbados. Mas e o Gabriel? Quebrado como sempre, né?! 

Naomi somente riu enquanto se servia de mais vinho e concordou com a amiga. Ela os conhecia realmente há muito tempo. Continuaram a conversar sobre tudo e logo diversas garrafas vazias começaram a ficar sobre o balcão.