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IV.

— O que acha que está fazendo aqui? — Amelia perguntou, sibilando entre os dentes. Seu olhar era como o de um animal selvagem decidindo se atacava ou fugia. 

— O que acha que estou fazendo aqui? — a mulher perguntou, com um sorriso. Se tinha algo que a morena odiava era ser respondida com outra pergunta. 

— Eu acho que você está fazendo o que sabe fazer de melhor… — o coturno preto bateu contra o chão quando ela deu um passo para se aproximar da inimiga. Era alguns bons centímetros mais alta, o que fazia ela a ver de cima. — Birra porque não superou o ex-marido. 

Suzan perdeu o sorriso confiante ao ouvir aquela frase, mas não se deixou intimidar pela provocação. 

— Se acha que vai conseguir algum pixel de informação do que está aqui, está muito enganada. Tudo aqui é muito bem encriptado e nenhum dos seus minions drogados vai conseguir diferenciar uma vírgula de um ponto — Mais um passo foi dado, a loira conseguia sentir a respiração quente da mais alta chegando em seu rosto. 

— Bom, talvez eu não saiba como… Mas conheço alguém que sabe. 

No momento em que aquelas palavras foram desferidas, do corredor escuro e de trás de Suzan, emergiu uma figura conhecida. Um homem de 1,70 m, bem magro, com ombros estreitos, cabelo escuro, cortado quase rente ao couro cabeludo, os olhos escuros, fundos. E um sorriso enorme, macabro. 

— Jason. — rosnou Amelia. 

— E aí, vadiazinha? — essa era a forma como ele a chamava desde que eram recrutas. 

Jason era um dos favoritos de Gary antes dela. Provavelmente quem estaria no seu lugar se ele não tivesse se envolvido com cocaína e bem… Com Suzan. Na sua frente estava o motivo do divórcio de seu pai. Ela ainda lembrava da confusão que foi o dia em que ele entrou no seu quarto, no hotel, e deu de cara com sua mulher em cima de um jovem 30 anos mais novo que ele. Haviam carreiras de pó alinhadas em cima de sua cômoda de mogno e ele não sabia dizer o que mais o machucou naquela cena: a traição da esposa, do fiel recruta ou da dupla que estava claramente chapada. Suzan ainda teve a chance de se cobrir com os lençóis da cama, o mesmo não aconteceu com Jason. Toda a organização o viu despido, enquanto era carregado pelos braços por alguns capangas. Já a loira era arrastada pelo chão pelos cabelos longos, que nunca se recuperaram do incidente. Quem os tinha na mão era o próprio marido. O chefe desapareceu com os dois em um dos carros blindados. 

Gary só voltou depois de 3 semanas. Sozinho. E ninguém nunca soube o que aconteceu até os rumores da nova gangue circularem. O que Amelia não imaginava era que Jason ainda estava vivo. 

— Vejo que fez questão de manter seu vira-lata de estimação. — Os olhos da morena voltaram para a mulher. — Precisava de alguém do seu nível para fazer seu trabalho sujo…

Seu tom de voz ainda era calmo, mas por dentro ela estava fervendo de raiva. Odiava traidores. Principalmente os que fizeram a pessoa que a salvou… Chorar. Para ela, a organização era tudo. Na sua cabeça, ela não tinha mais nada além daquela família. Era seu propósito de vida: servir quem a tirou da rua. 

Jason tirou a dona da sua frente e partiu pra cima de Amelia, do jeito que fazia quando eram recrutas, empurrando seus ombros para que ela se afastasse. Mas dessa vez ela não se mexeu. Estava mais forte e tomada pelo ódio.

— É melhor vocês irem embora. — ameaçou. 

— Ou o quê? Seu brinquedinho vai aparecer para te defender como sempre? — ele provocou se referindo a Liam. Aquele tipo de comentário era recorrente pelos corredores do hotel. A forma que ele a seguia como se fosse sua dona chamava atenção. O amigo nunca se incomodou, mas ela odiava que alguém pensasse que ela precisava de proteção. 

Agora foi Amelia que partiu pra cima dele. Estava furiosa e ficou praticamente impossível controlar toda aquela raiva. As duas mãos pálidas o empurram pelos ombros, o fazendo cambalear por cima de Suzan, e antes que ele pudesse se recuperar ela o atingiu com um soco direito no rosto do homem. 

— Ainda acha que eu preciso de proteção? — perguntou, se preparando para mais um, porém teve que lidar com a loira puxando seu braço como se previsse que aquilo não iria acabar bem pra eles. 

— Chega, Amelia. — suplicou. Mas ela já estava cega pelo ódio. 

Quando sentiu seu espaço invadido a morena puxou seu braço com rigidez e fez questão de forçar a traidora para longe, que a olhava um pouco desconfortável. 

— Cala essa sua merda de boca! — ordenou, apontando o dedo indicador para o rosto dela. — Você sabe muito bem que só está viva agora porque Gary teve pena dessa sua carinha de vagabunda. Mas pode ter certeza que eu não tenho. Então não testa a minha paciência. 

Amelia sorriu de canto quando a viu engolindo o seco. Ela sabia do que a jovem era capaz e talvez não fosse uma boa ideia provocar. Seu dedo foi recolhido no momento em que Jason se recuperou e tentou voltar para a ação. Ela levou a destra para dentro da jaqueta e a tirou de lá armada, apontado diretamente para ele. Estava tão perto que ele sentiria a vibração do cano quando ela puxou o cão. 

— Quanto a você… Tenho certeza que sua vida foi um erro… Que eu vou corrigir agora mesmo. 

Por alguns segundos ela apreciou a sensação da adrenalina correndo em suas veias, aproveitando cada segundo como se estivesse tomando uma dose de morfina. Seu coração estava acelerado, mas na cabeça era como se tudo estivesse em câmera lenta. Era viciada no sabor da vingança… Banhado a ódio era ainda mais gostoso. 

Porém seus segundos de apreciação foram abruptamente interrompidos pelo som de sirenes vindo do andar de cima. 

— Merda! — Suzan reclamou e já correu escada acima. Como parar uma briga de gangue? Chamando a polícia. Amelia se perguntou se esse era o plano dela desde o começo. Ela tinha poucos minutos para iniciar uma sequência de auto destruição no servidor e sair dali o mais rápido possível. Jason ameaçou correr atrás da dona e a garota chamou sua atenção.

— Você fica. — mandou, mostrando os dentes como um predador com raiva.

— Você ficou maluca… — ele respondeu levantando os braços em rendição. 

— De costas. Agora! 

Com passos inseguros ele obedeceu e ela puxou um de seus braços para trás o jogando contra a parede. Uma das coisas que sempre carregava em sua jaqueta eram lacres de nylon. Com um desses, depois de guardar a pistola, ela prendeu os pulsos dele atrás de suas costas e fez questão de apertar até ver sua pele ficar vermelha e ouvir ele reclamando de dor e entendeu aquilo como um sinal de que já dava para o puxar para os cabelos e o jogar no chão com o rosto para baixo. Como um último movimento ela desferiu um pontapé contra seu abdômen o fazendo gemer alto seguido de tosses que se esforçavam para recuperar o ritmo da respiração.

— Oof, isso vai doer mais tarde... — disse o homem, com um tom irônico.

Agora que voltava para o seu senso, Amelia correu até o computador central e começou a digitar com uma certa velocidade, mas o nervosismo a fez errar algumas teclas em alguns momentos. Toda a vez que isso acontecia, seus lábios estalavam irritados, mas precisava manter a calma se quisesse sair dali sem algemas. 

O som das sirenes aumentava, mas eles foram ofuscados por uma risada macabra que vinha de Jason, enquanto ele se retorcia no chão para conseguir olhar para ela. 

— Será que… seu pai teria orgulho de te ver assim agora? — perguntou. Tinha um tom sádico naquelas palavras. 

Sem tirar os olhos da tela, ela respondeu:

— Protegendo a organização dele de um projeto de homem? Com certeza. 

Aquela risada surgiu novamente. Quase como se ele estivesse ficando mais forte. Usando seu rosto de apoio, Jason tentava ficar de joelhos no chão, mas era difícil. 

— É mesmo…? — ele tossiu mais algumas vezes. — Será que o senhor "Hanford" iria ficar orgulhoso de ver a vadiazinha que a filha dele se tornou?

Ela sentiu como se seu corpo fosse tomado por chamas. Aquele nome não tocava seus tímpanos há muitos anos. Em transe, dopada de raiva, ela caminhou lentamente pelo corredor do servidor, se aproximando daquele que a provocou. 

— O que você disse? — ela perguntou, com um tom de voz grave, quase como se fosse outra pessoa ali. 

— Ames, não vale a pena! — Liam finalmente apareceu, tentando fazer seu papel ali. — A gente tem que ir embora, vamos, por favor. 

A voz do parceiro serviu como um balde de água fria, acalmando seus planos de tirar cada órgão daquele homem enquanto ele ainda estava vivo. Mas infelizmente não durou muito. Ela não teve nem a chance de olhar seu rosto para procurar conforto. 

— Será que foi por isso que ele se matou? — o prisioneiro riu mais uma vez até o momento que Amelia se abaixou do seu lado, agarrando seu cabelo e o forçando a ver sua expressão enfurecida. — Devia ser um peso muito incômodo, ter uma filha maluca. Seu pai iria ficar muito orgulhoso de saber o tipinho que você é, vadiazinha…

A respiração dela acelerou e antes que ele continuasse ela bateu o rosto do inimigo contra o chão gelado em que ele estava algumas vezes. O suficiente para fazer com que seu nariz aparentasse ter saído do lugar e começasse a sangrar. 

— Amelia! — seu amigo se aproximou e a segurou pelos braços, a puxando para trás. — Temos que ir, esquece esse cara!

Mesmo grunhindo de dor, ele voltava a rir, como se tivesse conseguido o que queria. 

— Vo… Você não consegue, não é mesmo? Terminar uma missão sem seu brinquedinho…

Liam a soltou e foi para o computador que ela tinha abandonado para continuar o trabalho. 

— Viu? — Jason continuou. — Lá vai ele limpar sua bagunça… Você é só uma mulher como qualquer outra, Amelia… Todo mundo sabe que você deu pra todo mundo pra se promo-

Ele não conseguiu finalizar aquela frase, porque antes de suas palavras saírem de sua boca, a morena jogou seu corpo por cima do dele e montou no homem. Sem pena, sem remorso e sem pensar ela começou a socar o rosto dele. Usava toda a sua força e todo o seu ódio. E mantinha um ritmo quase sobre humano. Já havia decidido matar ele ali mesmo. Seu punho começou a sangrar com os murros que dava contra os dentes dele depois de que ele perdeu a consciência. O parceiro gritava seu nome enquanto digitava, mas ela nunca chegou a ouvir. Depois que viu as luzes do servidor começarem a mudar de azul para vermelho, uma a uma, ele correu até a garota, se esforçando para separá-la de Jason. Ele tinha certeza que aquilo foi uma das coisas mais difíceis que ele teve que fazer, pois ela se esperneava como se fosse uma criatura que tivesse sido capturada. Ela só voltou a si quando já estava no topo da escada e pode ouvir, novamente, as sirenes altas, do lado de fora. Liam percebeu que ela ficou mais leve e sem trocarem uma palavra eles correram em sincronia para a porta dos fundos. Ela dava para um pequeno pátio com lixeiras, cercado por uma tela alta feita de arame. Nada que os segurasse naquele momento. Depois de escalar no pequeno container verde eles pularam para o lado de fora, passando pelo beco entre os prédios da quadra, até o carro do outro lado da rua. 

Enquanto via o cenário correr pelo vidro do veículo com velocidade, ela suspirou, tentando entender tudo o que tinha acontecido. O outro estava quieto, quase como se não respirasse. Enfim ela pode olhar para ele, com calma, procurando o rosto que a fazia colocar os pés no chão. E aí que ela notou sua boca cortada, o terno rasgado e sujo, a gravata já não estava lá e os 3 primeiros botões da camisa branca, agora encardida, estavam abertos, mostrando um pouco do peito do maior, com a pele coberta de arranhões e hematomas. 

— L… — sua voz era mais suave agora, enquanto ela levou os dedos até os lábios dele, tocando o sangue já seco. 

Ele corou com aquele toque, não era comum ela fazer algo assim.

— Ah, isso? Ossos do ofício. — disse segurando a mão dela e a afastando do machucado. Ele deu um leve aperto na mesma. Queria tranquilizá-la mas não adiantou muito. Liam então virou o rosto para ela, cuidando a estrada de canto de olho, e sorriu para passar confiança. — Tá tudo bem, relaxa. O importante é que conseguimos sair de lá. 

Amelia suspirou mais uma vez, mordendo o lábio inferior. 

— Não acho que Gary vai concordar…