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Arco 1 Capítulo 1 "Fora da Linha"

— Que saco. Fiquei de recuperação novamente...

O dia é 13 de setembro de 2012, quinta-feira e o clima alaranjado marcava o início de mais uma tarde que se vai.

Andando pelas ruas de sua cidade Kandori no Uta, o menino de cabelos pretos e moletom azul seguia balançando sua bolsa de estudos pra lá e pra cá, descontente com o resultado de suas notas escolares.

O jovem sabia que seria assim, afinal não se comprometer com os estudos era o seu ponto mais forte — se é que podemos chamar de "ponte forte" a anormal falta de responsabilidade.

Mas ele, Sado Yasutora, não ligava tanto para isso, pois repetiu os anos escolares duas vezes, e agora, com idade para estar no terceiro ano e ter a chance de ser prestigiado com a formatura, estava apenas no primeiro ano do médio — o que fez com que muitos de seus amigos que passaram o fazerem chama-los de "senpai", como é dito no Japão, ou seja, o seu "veterano".

Com cara emburrada de quem faz poucos amigos, ele andou mais algumas quadras, se dirigindo à estação de trem.

— E aquela professora de educação física, hein? Me mandou pra detenção por não querer participar do basquete... Pff, esportes é o caramba.

Como um bom sedentário que se prese, ele mantinha o exato mesmo cotidiano de um bom sedentário que se prese — ficar em casa jogando videogames ou assistindo programas na TV e lendo mangás.

— Bem, eu sou um otaku descarado, então não posso tocar numa quadra de esportes senão eu morro. É instant death!

Não que ele sempre repudiava os esportes, pois já teve momentos em que encorajou-se de repente e tentou participar. O resultado foi trágico tanto para ele quanto para o time aliado.

— Uhg... Não quero lembrar dos meus momentos de vergonha do fundamental... Certo, certo, estou quase chegando em casa, então passar numa loja e comprar aquela Light Novel é o essencial. Fufufu, como eu gosto de inventar coisas.

Se tinha uma coisa de que ele se orgulhasse era a sua mente. Sado passava tanto tempo avoado em um mundo fictício dentro da sua própria cabeça, que por muito, esquecia-se de todo exterior por horas. Isso se amplificava quando lia Novels.

— Bem, fazer o quê. É sonhar pra viver, esse é o meu lema.

Considerava a sua vida tão medíocre, que teve que encontrar refúgio em si próprio como forma de combustível a continuar vivendo neste mundo.

Afinal de contas, ele não tem ninguém.

— Lá vamos nós pegar um trem novamente. Bem, é mil vezes melhor do que ir de carona no táxi ou transporte público.

Por muito, ele enjoava a ponto de expelir todo o seu estômago para fora, pela falta de costume em realmente sair de casa e andar a carona. Os trens, como são calmos em seu interior (em sua maioria), faz com que Sado não sinta tanto a sensação do chacoalho e da locomoção.

Pensando nisso ele entrou na estação de trem descendo as escadas.

Passando por coisas e pessoas era comum para um menino como ele ver outras estudantes neste local. Todavia, o seu olhar vago não deu a mínima.

Em primeiro lugar: fazer contato visual pode ser ruim, ainda mais com o sexo oposto. E em segundo, ele não é o tipo de homem que não sabe controlar seu olhar.

E o terceiro e menos importante: ele já tem olhos pra uma garota em específico.

— Veterana Seminari...

Parada na estação de trem, após o Sado passar pelas catracas, estava uma menina com uniforme escolar de sua escola. Ruiva, alta e de aparência delicada — essa é Seminari Akage, a menina mais popular da escola e representante das classes.

Atlética, inteligente, elegante e comportada... Todos esses atributos, somados a sua aparência de chamar atenção fez com que ela rapidamente se destacasse na escola. Embora, haja certos grupinhos de minoria que realmente a odeiam por isso, Seminari não dava a mínima.

A garota rapidamente subiu ao pódio, e praticamente metade dos meninos da escola tinham, tem e ainda terão uma queda por ela.

Sado era um deles.

— Ela tá bem ali, pertinho, e tá sozinha...! S-será que e vou ali falar com ela? Será que eu tô feio?

Ele se olhou em uma vidraça ao lado e ajeitou o cabelo preto com a mão a fim de tentar parecer mais apresentável.

Olhando a sua aparência, ele se arrepende por não ter vestido a roupa escolar e a gravata.

— Eu odeio aquela roupa e até hoje não aprendi a dar um nó decente. Com abrigo e essa jaqueta eu me sinto mais livre.

Ajeitou então a jaqueta e a camisa branca e terminou.

Olhou em direção da menina e engoliu seco reafirmando sua determinação.

— Será que ela ainda lembra de mim? Já fazem três anos de que eu gosto muito dela...

Já foram colegas com o passar do tempo. Mas como Sado rodava de ano e Seminari era excelente nas notas da escola, a separação de ambos se tornou algo natural. Era discrepante o quanto os dois não se pareciam.

— Ah, qual é. Por ela eu mudo! Eu juro que mudo!

Ao menos ele tinha alguma visão, por mais que distorcida, do futuro quase impossível do qual almejava.

Limpando a garganta ele caminhou firmemente em direção a garota ruiva parada mais a frente.

Parecia que a cada passo, seu coração iria saltar do peito de tanto nervosismo e a ansiedade iria o consumir por completo.

Mas ele estava resoluto.

"Seja casual, seja casual, seja casual. É só um pequeno encontro. Nada demais. Não tem como dar errado."

E assim, ele ergue sua palma para saldá-la com um sorriso.

— Oi, Seminari, lembra de m-...

— Se não é a representante de turmas. Que bom encontrá-la aqui, veterana!

— -...Deixa pra lá.

Mas deu meia volta quando três garotas apareceram e se entrosaram com a ruiva, fazendo toda a pseudo-determinação de Sado Yasutora cair para o ralo.

E então, um trem estancou na estação e as quatro entraram para dentro, todas com grandes sorrisos e querendo paparicar a ruiva que a essa altura já havia se acostumado com tamanha comoção.

— Pensei ter escutado algo... — questionou ela brevemente.

— Deixa isso pra lá. Me fala do seu novo blazer, fala!

— Bem, ele...

E a porta se fechou. E o trem voltou a se mover, deixando um Sado que seguia com os olhos entristecidos para trás.

Assim que o trem se foi, ele suspira soltando os ombros para frente, liberando todo o peso e ansiedade para fora.

— Eu não consegui falar com ela, novamente...

Era realmente uma grande frustração para ele cujo via naquela garota suas expectativas para o futuro.

Mas...

— E pra piorar... Eu perdi o meu trem.

Apenas amargura acompanhou Sado naquele metrô.

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Na volta para sua casa, ele teve que esperar um segundo trem para embarcar. E assim que embarcou e passou algumas linhas à frente...

— Senhores passageiros. Ocorreu um problema gravíssimo no motor do trem. Peço encarecidamente que desçam na linha mais próxima. Agradeço sua compreensão.

— Quê? Tá falando sério? Ah, cara...

O motor elétrico do trem parece ter sofrido algum problema, mas Sado pouco se importava em obter tais informações. Ele e o resto dos passageiros desceram na estação em que parou e pegaram o caminho a pé.

— Não têm jeito. Vai ter que ser caminhando mesmo...

Descontente com esse evento imprevisto, ele saiu da estação e andou pelas ruas da cidade.

— Sei nem onde eu tô...

Sado Yasutora não era um conhecedor de todas as ruas, bairros e placas de sua cidade, e isso se agravava mais por ser um total recluso e não prestar atenção nas coisas.

Porém, tinha certa ideia de para onde seguir. E assim ele andou rumo a sua casa.

— Caramba, tô com sede...

Foi então que sentindo sede, parou na máquina eletrônica mais próxima da rua e retirou algumas moedas de Ienes do bolso.

— Opa, amigão. Não adianta. Tá estragada. Você só vai perder o seu dinheiro.

Um homem que passava por ali e que teve a infelicidade de usar a máquina, comentou.

— É mesmo? Já tentou dar uns tapas pra ver se funciona?

— Vá em frente. Eu te avisei.

Passando por ele, o homem volta a andar, assim deixando um Sado que iria tentar a sorte.

Não que ela estivesse boa nos últimos momentos...

— Fui reprovado... Recebi detenção... Não falei com a menina que eu gosto... Perdi o trem... E o trem que eu peguei quebrou do nada. Ah, acho que pisei em caca de cachorro no caminho... Mais um azar pra completar sete? Isso seria incoerente demais, há, há.

E então ele tentou a sorte, pensando no número 7 que era popularmente conhecido como o número da sorte. Talvez ele conseguisse transformar no número do azar desta vez.

Colocou as moedinhas na máquina, digitou o botão da bebida que queria — chá gelado, e...

— Viu só, jovem. É o que eu te disse. Nada sai dessa maquina de bebi-...?!

— Hueeh!??

Subitamente, a maquina começou a tremer de forma que chacoalhasse toda, fazendo barulho de lataria.

Sado pode jurar que viu até curto circuito saindo dela por breves instantes, como que se tivesse terminado de quebrar a máquina por completo.

— O que cê tá fazendo, jovem. Sai daí!

— E-eu não fiz nada! Sério, não fiz nada! Só usei ela de forma normal do qual essa coisa existe para ser usada!

Dando uns passo para trás um pouco receoso, Sado só pensava em como vandalizou patrimônio público e havia com ele uma testemunha para contar história.

— Ferrou. Vou ser preso! Adeus vida futura!

Todavia, esse não era o pior agora. O pior era que a maquina chacoalhou tanto, de forma alucinada, que parecia que iria expelir algo fortíssimo para fora.

— Sai daí ô moleque!

— .....

E então ouviu-se um estalo.

— Heh?

A máquina parou de tremer e se estabilizou onde estava, como se acabasse de dar curto circuito.

Não... Nem mesmo cheiro de fumaça ele sentia. Era só... nada.

Engolindo seco, Sado decide caminhar até a máquina para verificar e...

— Ô, jovem. Isso é...

— É a minha bebida.

Pegou do compartimento a bebida que havia sido escolhida.

O homem surpreso com isso, foi até a máquina e digitou alguns botões, e então...

— Funciona. A máquina funciona!

Recebeu a sua bebida e cantou vitória por não ter gastando seus trocados.

— Ei, jovem. O que você fez pra essa coisa funcionar assim de repente?

— Eu sei lá. Eu só toquei nela, acho. Mas é bom não se levar pelo momento. Vai que acontece essa loucura novamente.

— Há, há. Falou e disse. Valeu aí pela bebida.

O rapaz se despediu e tomou seu rumo. Já Sado...

— Que coisa estranha.

Ele decidiu só ignorar e deu passos para fora dali.

O céu já estava começando a escurecer, e ele mal percebeu a silhueta que o vigiava das sombras.

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O dia foi duro para o garoto de cabelos pretos. Felizmente, após muito andar, ele chegou em frente ao condomínio de apartamentos.

Haviam dois andares, era um condomínio barato, e a porta do seu apartamento ficava no segundo andar com a enumeração "302" na frente.

Subindo as escadas, ele se depara com uma senhora já com seus grisalhos fios de cabelo, parecia ter 60 anos ou mais.

— Olá, Sado. Voltando tarde da escola?

— Senhora Yamada... Erm, sim. O meu dia foi meio frustrante hoje. Até aí nenhuma novidade, né? Há, há, há...

O garoto coçou a cabeça rindo da sua situação desastrosa. Porém, não recebeu nenhuma resposta favorecendo sua piada sem graça. Na verdade foi alvo de pena da senhora a sua frente que o olhou com preocupação.

— Você está bem? Têm se alimentado? Se quiser eu levo uma marmita pra você jantar.

— Não... Não precisa.

O sorriso rapidamente amoleceu e ele se sentiu incomodado por receber esse olhar.

Era sempre assim. Por isso ele tentava parecer forte.

Mas a verdade era que...

— Sem pais vivos, como vai conseguir se manter? Ao menos diga que vai cozinhar alguma coisa...

— E-eu... Eu tô em busca de um emprego. Eu vou conseguir pagar o aluguel atrasado de 3 meses.

— Que menino descarado. Ninguém falou no aluguel. Eu já disse que não me importo, pois sei das suas condições.

Depois de saber sobre Sado e seus pais que subitamente o abandonaram e foram dados como mortos, Senhora Yamada se comoveu tanto que decidiu só perdoar o garoto pelos atrasos.

Hoje em dia ela não se preocupa tanto assim em dar de graça moradia à ele, dês de que o sindicato não saiba.

Entretanto, Sado Yasutora não gostava nada disso. Ele não queria receber olhos de pena. Não queria parecer um coitado diante dos outros e muito menos se aproveitar da boa vontade de uma senhora.

Por isso...

— Eu juro que vou...! O primeiro salário que eu receber vai ser inteiramente dado a senhora para quitar essa dívida!

Falou eufórico, o que deixou a senhora surpresa. Ela viu nele que mesmo passando por más condições, ele queria ajudar de alguma forma e estava se esforçando para isso.

Senhora Yamada tocou em seu cabelo acariciando-o e riu para ele como se fosse uma avó.

— Oras, eu sei que você é um garotinho bastante gentil e que está se esforçando. Mas não minta pra mim e não recuse a boa vontade desta velha, ouviu bem?

— Sim...

— Está com fome?

— Sim.

Não havia para onde se esconder após isso. Portanto, Senhora Yamada ficou de trazer comida a ele e se despediu.

Tendo o caminho livre, ele subiu as escadarias enferrujadas de metal e se direcionou passando por alguns apartamentos até chegar na sua porta.

Ele realmente apreciava a gentileza dessa senhora, mas pensava que estaria indo longe demais.

"Certamente irei retribuir o favor..."

Assim se cobrou de novo e parou em frente da entrada.

Sado guardava a chave de sua casa no bolso da calça e sempre tinha uma reserva no escritório geral, onde ficava as chaves de todos os apartamentos. É claro que para entrar lá necessitava de permissão — coisa que ele não tinha.

Então, levou a chave até o buraco da maçaneta, girou até a porta fazer um som; retirou e abriu.

— Cheguei em casa...

Falando isso pra absolutamente ninguém — pois nunca tinha ninguém o esperando de volta, ele entra fechando a porta e retira os sapatos deixando-os na entrada como de costume.

— Caramba que cansaço... E eu nem consegui comprar a minha Light Novel...

Ligando a luz ele vai até a sala passando do balcão da cozinha. Era um cubículo pequeno com uma cozinha ao lado; uma sala com uma mesinha baixa no meio e TV. Também tinha uma sacada mais além.

Ele se dirigiu ao futom que estava largado no meio da sala.

Era um quarto simples com uma futom (podemos chamar de cama), um armarinho com abajur (achado no lixo), um armário e uma estante com alguns livros e mangás nos cantos.

Ele retirou a sua bolsa escolar do ombro e jogou em qualquer canto.

Também atirou seu corpo no futom do chão.

Debruçado na cama desarrumada ele suspira.

O dia foi cheio para Sado Yasutora e com tanto barulho do exterior deixava-o de cabeça ainda mais quente, o seu quarto silencioso tinha o fator inverso.

Ele ergueu um pouco a cabeça para o relógio de parede antigo e viu as horas: "19:45".

— Acho que dá pra ficar aqui só mais um pouco...

Com a cabeça pesada na sensação aconchegante da sua cama, parecia que ela absorvia todo o seu cansaço para fora.

Então com o contínuo "tic-tac" dos ponteiros que não paravam, ele adormeceu onde estava.

A consciência foi para o mundo do nada.

Era limpo, era sossegado...

"..."

Todavia, neste breu fora da realidade, ele escutou o som dos ponteiros.

" ....."

Era diferente de um som fino e facilmente ignorável. Parecia que o "tic-tac" se expandia por um salão vazio e estava cada vez mais alto.

Mais alto, mais alto, mais lento e mais alto.

Sado se encontrava no meio do nada, e junto desse som que não parava e que não iria parar...

...Ele sentiu como se uma figura negra o observasse.

O que era tal figura?

Ela estava prestes a por as mãos em seu pescoço para estrangulá-lo. Tinha um sorriso malévolo e ele nada poderia fazer.

Se aproximando, tic-tac. Se aproximando, se aproximando, se aproximando.

"Tic-tac".

— Heh!?

A mente foi subitamente forçada a sair do mundo de sono e ele despertou arregalando os olhos.

Erga o seu corpo da cama e olhe ao redor, justamente para não encontrar nada e perceber que estava sozinho.

— .....

Ele olhou para o relógio e viu que era "20:15", e suspirou.

— Um pesadelo é? Francamente.

Ele tinha lido em algum lugar que quando estamos com a mente cheia e muito pesada, era comum aumentar o fator de pesadelos durante o sono.

Embora, Sado raramente sofria com pesadelos. Em uma chance de sonhar, apenas cerca de 3 – 8% era de ele sonhar com algo digno de "horrível, sombrio e assustador".

Por conta disso ele escolheu relevar e passou a mão na cara para limpar o semblante e se erguer da cama.

— A senhora Yamada já deve ter trazido o jantar...

Sado se levantou e caminhou pelo corredor silencioso até a cozinha.

A sala estava vazia e a sacada ventilava o interior.

Nenhuma marmita se encontrava na mesinha da sala ou em algum canto da cozinha.

— Ela demorou um pouco, hein?

A senhora Yamada morava fora dos apartamentos alugáveis à algumas ruas de distância dali, por conta disso, era de se surpreender que ela tenha demorado cerca de meia-hora para lhe atender.

Ele olhou para os sapatos em frente à entrada e se questionou: "Será que eu vou?"

Ele não queria parecer tão descarado assim, mas estava com fome. Sentindo isso, ele apertou os olhos com força e fez uma careta lembrando que na geladeira não estaria nada de comer.

— Poxa vida... É o único jeito então?

Coçou a cabeça e suspirou.

Yasutora decidiu que iria ir até a casa da senhora pessoalmente, então foi até seus sapatos e os calçou um por um. Essa seria a última vez que ele faria algo assim.

E quando ergueu o torço tendo os sapatos prontos e amarrados...

— Olha só, olha só... Você é uma criatura bastante incomum.

— ...?

...Ouviu a voz de alguém.

De pé na sacada de sua casa, em sua frente, uma figura apareceu subitamente. O hálito gelado na voz causou arrepios na espinha de Sado Yasutora.

Uma mulher de roupas escuras apareceu de repente, e entrou em sua sala pela janela da sacada aberta.

— Quem é você...? Como chegou até aí?

A figura de cabelos negros tinha um batom vermelho que combinava com seus olhos carmesins. Era sem dúvidas uma mulher sedutora.

Todavia, a existência de uma pessoa desconhecida do qual Sado nunca viu antes, entrar em sua casa sem nem pedir autorização não era o mais incomum. Mas sim...

— Aqui é o segundo andar... Como você simplesmente sobe pela sacada dos outros?

A mulher rui. E o garoto se manteve na defensiva.

Por quê estava com medo? Se for apenas uma pessoa estranha que nunca viu na vida, ficar com o pé atrás seria o mais comum.

Mas o motivo do medo dele era...

— Você é uma existência que não deveria existir.

...A mulher de cabelos lisos e escuros que escorriam como uma cascata pelo seu corpo, apontou uma longa e afiada lança de metal na direção do rapaz.

Uma lança? Isso seria um cosplay? Era o mais coerente a ser pensado agora.

Mesmo que essa coerência não faça o menor sentido.

Sentindo o seu sangue congelar quando aquela lança de metal afiado foi direcionado a si, Sado deu um passo para trás enquanto engolia seco e tocou em uma superfície gélida.

— Hey, o que é isso, tia? Você passa as noites entrando na casa dos outros, falando coisas sem sentido e apontando uma coisa dessas pra cada um? Fetiche bizarro esse o seu. Até os meus são mais leves. Se eu fosse você, pararia de ler tanto mang-...!

A repreensão de Sado Yasutora foi cortada pela metade quando sentiu sua vida passar diante de seus olhos.

Em sua frente a mulher estendia a palma. Mas estava vazia.

Com os olhos arregalados, ele olhou para o lado e viu o cabo de ferro da lança que tinha sido cravada na porta.

Por centímetros que não retalhava a sua cabeça fora.

— ...Ai!

...Ah, o seu rosto recebeu um corte aberto e sangue respingou da ferida. Percebendo isso e recebendo a dor tardiamente, ele tampou o machucado com a mão e a olhou só para ver seus dedos manchados com sangue fresco.

— Ops, eu errei? Que incomum. Talvez te matar não seja tão divertido assim. Pensei que fosse mais forte. Mas você me parece só um humano comum. Que lástima.

A mulher encarou o jovem como se tivesse suas expectativas pisadas. Mas ele não deu a mínima para isso.

— Sua louca! Isso podia ter me matado! Qual é o seu problema!?

A flor da pele ele grita. Mas a "viúva-negra" parada na sua sala cruzou os braços e com um dedo no queixo ela parecia refletir ignorando o praguejar de Sado.

— Hum. Como você facilmente desestabilizou uma de minhas maldições, eu pensei que estaria com aquela garota...

— Aquela garota?

Que garota seria essa do qual a moça misteriosa falava, Sado não sabia. Mas outra coisa pareceu o intrigar no falar dela.

— Do que você tá falando, hein? Maldições? Que bobagem é essa...?

Não sabia quem era essa misteriosa mulher, mas precisava fazer algo a respeito disso. Por isso, Sado suavemente foi direcionando sua mão até o bolso da calça, de forma que ela não vesse e ganhou tempo fazendo perguntas.

— Oras? Você tem contato direto com uma delas e diz que não sabe? Não se faça de tolo. Você com aquela máquina de bebidas. Havia nela uma maldição poderosa minha, e você destruiu-a com muita facilidade. Pensei que fosse alguém forte.

Enquanto mantinha os olhos presos nessa figura de cara pálida, Sado lembrou que teve contato com uma máquina automática de bebidas hoje mais cedo. O comportamento anormal daquela máquina era devido a tal maldição?

Sado era meio cético quanto a esse tipo de coisas paranormais e não acreditava na maioria delas. Mas ouvir isso de repente o fez sentir graça, mesmo em um momento de vida ou morte como esse.

— Heh... Eu realmente não sei do que está falando, moça...

— É mesmo? Hum... Você realmente parece não entender. Não está mentindo eu vejo. Mesmo assim...

Subitamente, a atmosfera da sala pareceu esfriar como se fosse o prelúdio da morte, e a mulher fechou seu semblante quando completou:

— Você deve morrer aqui e agora.

— ....!

A lança saiu da porta esburacada e voltou como magnetismo para a mão direita da viúva-negra. Pelo tamanho que era maior que o Sado, a ponta raspou no teto e estragou seu forro.

Sado percebeu que se ficasse ali, algo realmente mais fatal do que um mero corte na bochecha poderia ocorrer.

Por isso ele...

— Mulher maluca!!

...Pegou o seu celular de flip, modelo antigo, e apontou para a mulher assim que o retira do bolso.

No mesmo instante, uma luz forte foi repelida diversas vezes junto do som do obturador.

Com a luz do flash em seus olhos, ela se cobre com uma manga, e esse... esse foi o momento necessário para ele tomar a vantagem e sair dali pela porta de entrada.

— Ah! Droga!

Correndo com velocidade máxima, Sado Yasutora deixou seu apartamento desprotegido e correu.

Ele desceu as escadas rapidamente enquanto mexia no seu celular antigo.

Ele só não gritava por ajuda porque não se envolvia nunca com os seus vizinhos e sabia que a essa hora da noite estavam todos dormindo.

Por isso, ele correu para longe dos apartamentos e falava no celular.

— Atende, atende, atende!

— Alô, central de atendimento, o que precisa?

— Polícia! Por favor! Tem uma serial killer que entrou na minha casa do nada e me atacou!

— A-...o-...Seu-...ão?

— Quê? Oi!! Não da pra entender nada! Oi!

Enquanto corria freneticamente pelas ruas noturnas, Sado Yasutora gritava para o seu celular cujo a linha telefônica estava com interferência. Não importa o que dissesse, a voz do outro lado não era bem recebida pelos ouvidos do menino.

Foi então que algo forte, rápido e pesado colidiu com o chão perto dele, produzindo um grande estrondo e o fez cair.

Destroços do asfalto voaram longe junto de fumaça, e o Sado caído que sentia o atrito da rua no seu corpo tentou se levantar com muita dor.

— Droga, machuquei a mão...

Não só isso, como ter a mão raspada, mas o joelho direito estava ralado junto da calça que rasgou um buraco no lugar. Sangue visível começou a se formar nos pontos machucados.

E isso não era nem o pior...

— Tsk, tsk, tsk, tsk, tsk... Eu errei de novo? O que você tem? Está movendo a trajetória do meu ataque? Mas realmente não sinto nada vindo ou saindo de você. É só um humano comum.

— Se eu sou tão comum assim, podia fazer o favor de parar de me caçar?

Quando a mulher apareceu ali perto dele e retirou a lança do chão, Sado tentou implorar pro sua segurança.

Mas foi inútil.

— Mesmo você sendo um humano aparentemente comum, a minha "sombra" não foi capaz de estrangular você enquanto dormia. Ela desapareceu de repente e não consigo fazer ela voltar. Então tive que vim eu mesma resolver esse trabalho.

— Não sei do que fala... Isso... Isso é loucura...! Papo fantasioso demais!

Irritado, ele recolheu um pedaço de destroço do chão e jogou na mulher com força.

Tendo seu golpe facilmente rebatido por ela que usou dois dedos, Sado se pôs de pé e correu para o beco ao lado.

Ele não tinha a intenção de feri-la com aquela pedra de concreto, mas sim arranjar uma ínfima brecha para escapar.

Mas para onde ir?

Qualquer lugar para despistar a perseguidora.

Então ele correu. Atravessou ruas e becos. E continuou correndo sentindo os pulmões doerem.

— Porcaria...! Deixei meu celular escorregar quando caí...! Arf, arf...

Por ser um sedentário e não estar acostumado com corridas, Sado sentia os sintomas. Entretanto, só conseguia correr assim, como jamais correu, por causa da adrenalina de estar sendo perseguido.

Era assustador. Ele viu sua vida passar diante de seus olhos duas vezes.

— Eu não quero morrer...!

Enquanto corria com o coração bombardeando sangue a mil, a sensação de quente surgiu em seus olhos em pânico, dificultado a visão.

Ele já nem sabia mais aonde estava, parecia um lugar aberto. Uma praça.

Sado Yasutora chegou em uma praça perto de onde mora, e por se confundir, acabou pegando o pior caminho possível.

Na tentativa de limpar os olhos marejados, ele bate o joelho machucado em um brinquedo baixo e acaba caindo de cara no chão.

— Uhg...!

Recebendo o impacto em cheio, ele tossia seus pulmões doloridos para fora.

— Cof, cof, cof... Isso não tá legal...

Com seu rosto manchado de terra, ele tenta se erguer com os braços, todavia, o tempo acabou para Sado Yasutora.

— Você correu bem. Mas seus movimentos são amadores. Você nem mesmo tem preparo físico, muito menos mental. Que lástima. E eu pensando que você seria alguma coisa.

A voz da mulher surgiu atrás dele e o chutou.

— Guahg!?

O chute foi desferido no estômago, tirando-lhe todo ar e o arremessando a alguns metros de distância.

Sem dúvidas uma força inumana.

Segurando com força o seu abdômen, Sado teve a sensação de engasgo e extrema falta de ar. Talvez fosse pior do que ser golpeado por um taco de metal. Ele nunca havia sido golpeado assim antes.

Na verdade, seu corpo destreinado pela dor nunca havia sequer experienciado a sensação de socos ou pontapés.

Em relação a cara de dor dele, a sádica parecia se divertir.

— Há, há, há, há. Você é um ótimo brinquedinho. Meu contrato não foi de todo uma perda de tempo.

— Ahg... Contrato...? Alguém te mandou me matar?

Talvez fosse isso? Mas quem? Quem odiaria tanto o Sado para resolver contratar um assassino assim?

Ele não conseguia pensar em ninguém tão cruel. Era simplesmente impossível.

Mas não havia tempo para questões agora.

— Não você. Mas não importa. Você já está na minha mira. Vou te eliminar antes que cause problemas, garoto. É uma pena, você é um pouco bonitinho.

— Vai se ferrar...!

A mulher riu, e Sado não soube se o elogio dela era verdadeiro ou apenas deboche. Tanto faz um ou outro, esse suspiro marcava o fim de sua vida.

Ele seria assassinado aqui e nada fez como nada poderia fazer.

"Essa não. Se eu morrer aqui... Partirei cheio de arrependimentos...! Eu não quero morrer!"

O desespero tomou conta do seu ser quando aquela lâmina levitou sobre a mão da assassina e voou em direção à ele sem mais nem menos.

Não haveria misericórdia.

— E-espera...!!

Foi um grito vão, implorando pela vida. Sado Yasutora não passava de um inútil que morreria instantaneamente quando aquela lança perfurar o seu peito.

Era o fim para ele. E esse fim chegou quando aquela lança o atingiu...

— Eu não vou deixar!

...Ou iria atingir caso aquela garota de casaco vermelho não aparecesse desviando a trajetória da arma com um chute.

A arma rodopiou para longe e explodiu em algum lugar.

— ...

Ele se perguntou o porquê de ainda não estar morto.

Ele teve a sensação de que iria morrer ali mesmo. Mas não morreu. Sado Yasutora de dezoito anos ainda estava bem vivo.

E só o que ele via, eram longos cabelos finos de cor branco. Belos e macios, junto da jovem de jaqueta vermelha que se colocava diante dele com um braço estendido.

Quem era ela?

Ele não a conhecia. Mas era tão surreal quanto a primeira.

Não...

Podia se dizer que era ainda mais surreal quanto aquela que ameaçou sua vida.

Essa que salva sua vida... foi como um anjo de esperança.

— Hô? Você apareceu... — disse a mulher de batom avermelhado, se interessando pela presença desta nova figura.

Mas tudo o que a menina de longos cabelos brancos e pele pálida disse foi:

— Eu não vou deixar que você machuque ainda mais esse menino. Eu o protegerei!

...Assim declarou ela em alto e bom som.

Que se abra as cortinas para o Arco 1!

Apocryphal Testament terá um total de 10 Arcos. Espero que o leitor se agrade cada vez mais conforme essa misteriosa história avança.

Sado_Yasutoracreators' thoughts