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Além do Limiar

Ariandel estava um pouco afastado dos outros, em um canto tranquilo, apenas observando. Sua habilidade de invisibilidade se mantinha ativa de forma sutil, o suficiente para que sua aparência marcante — os longos cabelos brancos e a presença quase etérea — passassem despercebidas pelos olhares curiosos. Ele se permitiu uma pausa em seus experimentos, e seus olhos encontraram Cássia, sentada sozinha, envolta em uma quietude incomum.

Delicada e recatada, com roupas discretas e bem cuidadas, Cássia parecia uma bela boneca de porcelana, com seus cabelos loiros pálidos, grandes olhos azuis e rosto impecável. Ela era sutilmente deslumbrante, e a visão dela trouxe uma alegria doce a Ariandel.

Ele se aproximou em silêncio, mantendo uma distância respeitosa. Suas percepções captavam camadas de tensão em sua postura e, através de seu sexto sentido, ele sentia um turbilhão de emoções ocultas — um misto de desespero e determinação vacilante.

"Olá", disse ele, com uma voz baixa e gentil.

Cássia virou-se ligeiramente, como se reconhecesse sua presença, mesmo sem poder vê-lo. Seus olhos vazios, sem foco, vagaram na direção dele.

"Quem está aí?" Ela perguntou, calma, mas com uma nota de cautela.

"Sou Ariandel." Ele se apresentou, em tom sereno. Conhecia muito sobre ela, mas agora era apenas um estranho tentando estabelecer uma conexão. Ela assentiu com um pequeno sorriso.

"Cássia", respondeu, a voz carregada de uma calma quase contida.

Com um sorriso afável, ele se acomodou ao lado dela, ainda mantendo uma distância discreta.

"Como está?" Ele perguntou.

Ela suspirou, e, por um instante, sua máscara de serenidade escorregou. A voz dela era leve, mas Ariandel percebeu o peso por trás da resposta.

"Estou bem... só um pouco cansada."

Ele não comentou sobre o que captava, ou sobre o que sabia que ela carregava em silêncio, uma luta interna que parecia refletida na leve rigidez de seus ombros.

"O cansaço parece nosso companheiro constante, não é?" comentou ele, quase casual.

Ela sorriu, um sorriso discreto, como se reconhecesse a verdade implícita em suas palavras.

"Talvez..." respondeu ela, pensativa.

Um breve instante de silêncio confortável se formou entre eles, e ele sentiu que, apesar das poucas palavras, ambos haviam compreendido algo um no outro.

Nesse momento, Ariandel notou a aproximação de Sunny. Ele mantinha sua postura usual — uma fachada de autossuficiência — mas a presença de Ariandel ao lado de Cássia parecia tê-lo pego de surpresa. Tentando esconder qualquer vestígio de inquietação, Sunny endireitou-se um pouco demais, enquanto um leve rubor surgia em seu rosto.

"Oi...", disse Sunny, com a voz controlada. Ariandel apenas acenou brevemente.

Antes que pudessem continuar, Desperto Rock chegou, chamando a atenção de todos para o início da palestra. Sunny, ainda atento e ligeiramente desconfortável, voltou-se para o orador, aparentemente focando-se.

Ariandel observou o desenrolar da situação em silêncio, deixando-se levar pelo breve momento ao lado de entre eles, com um leve sorriso guardado só para si.

***

Sunny não o via há algum tempo. "A habilidade dele…" pensou, sentindo uma pontada de inquietação. "Ele está usando isso de novo, não é? E ele não precisa desaparecer por completo, só… se tornar menos chamativo."

Ninguém ali — nem mesmo as garotas — parecia notar Ariandel. Ele devia estar se escondendo à vista de todos. Sunny viu que ele estava ali, um pouco sorridente, sentado ao lado de uma garota encantadora e despercebido pela multidão, apenas observando os Adormecidos à distância.

'O que ele está pensando agora?' Sunny tentou afastar a curiosidade, mas ela se recusava a desaparecer.

"Será que ele me viu agindo como um completo pateta? Certamente… E, depois de ter me conhecido um pouco, pode até já perceber algumas das minhas mentiras."

Ariandel parecia tão sereno quanto sempre, confiante como um dos Legados. Sunny ainda não entendia a confiança daquele garoto que, mesmo com problemas de memória, ainda acreditava vir da periferia. Será que ele apenas sabe disfarçar o desconforto? Ou talvez seja um pouco ingênuo… quem sabe, devido a essas memórias perdidas?

'Espero que ele seja tão tranquilo quanto parece,' pensou, quase tentando convencer a si mesmo de que Ariandel não estaria tão interessado em seus segredos. Mesmo que eu não consiga enganá-lo totalmente, ele não parece ser o tipo que bisbilhotaria a vida dos outros…

Ainda assim, o receio cresceu em sua mente. 'Ou talvez seja exatamente isso que ele faça, sempre com aquele sorriso educado…'

"Eu sou Desperto Rock. Adormecidos, bem-vindos à Academia."

A voz cortou os pensamentos de Sunny, e ele se alertou para o orador, trazendo sua atenção de volta à realidade.

"Em menos de um mês, vocês serão convocados para o Reino dos Sonhos. Alguns de vocês podem pensar que estão bem preparados. Estão errados. O Feitiço é implacável e astuto. No momento em que os Despertos começam a pensar demais em si mesmos, eles morrem. Eu vi inúmeros Adormecidos como vocês perderem suas vidas. Também vi Mestres experientes perderem as suas. Nem mesmo os Santos têm garantia de sobrevivência."

"Belo discurso... Como esperado de um brutamonte tão apresentável", pensou Sunny, com sarcasmo.

"Nos próximos quatro semanas, faremos todo o possível para aumentar suas chances de sobrevivência. Vocês receberão treinamento dos melhores instrutores do mundo. No entanto, não se deixem enganar pela fama deles: no final, se vocês retornarem do Reino dos Sonhos vivos, dependerá apenas de uma pessoa: vocês. A responsabilidade de sobreviver é sua, e somente sua."

Exceto pelos Legados e Ariandel, obviamente, os Adormecidos estavam se olhando com crescente medo nos olhos. Desperto Rock continuou:

"Vocês não são mais crianças. É uma pena, porque deveriam ser. Mas o Feitiço decidiu o contrário. Vocês já estiveram no Primeiro Pesadelo, então já sabem como é. Seus pais, seus professores e seus amigos não podem mais ajudá-los…"

'A proteção deles não passa de uma lembrança para mim.'

Enquanto ouvia o discurso de Rock, Sunny não pôde deixar de se sentir um pouco excluído. Tudo aquilo já era velho conhecido para ele. No entanto, ele entendia o propósito do instrutor: ele tinha que assustar os jovens Adormecidos, porque o medo era a única coisa que os manteria vivos.

Finalmente, o discurso chegou à parte importante. Desperto Rock fez uma pausa, dando alguns momentos para que as crianças digerissem suas palavras. Então, com um breve aceno de cabeça, ele continuou:

"Agora, vamos falar sobre a diferença entre Pesadelos e o Reino dos Sonhos…"

***

Ariandel mantinha os olhos fixos no Desperto Rock, absorvendo as palavras com uma atenção que era mais visceral do que intelectual. Ele já sabia o que ele diria, mas agora, ao ouvi-lo assim, tão frio e vívido, sentiu um aperto no peito.

A menção de criaturas atravessando o limiar, do risco de destruição iminente — tudo isso tomava formas difíceis de ignorar. Ele já havia sentido o peso de um Pesadelo se aproximando, mas a ideia de Portões e o caos que eles traziam ainda tinha o poder de mexer com ele.

'A vida real nunca será simples.'

Rock continuava, falando sobre o segundo pesadelo e o perigo crescente. Ariandel não podia deixar de imaginar o que viria a seguir, mas mantinha a expressão tranquila. Não se deixaria abalar. Ouvia a explicação sobre os Portões de Nível 5 e as catástrofes que já haviam marcado o mundo com suas cicatrizes.

'Outro mundo, outros destinos...' Ele se pegou pensando nas guerras que feriram seu antigo mundo.

Quando a conversa se voltou para o Reino dos Sonhos, Ariandel não conseguiu evitar uma sensação estranha. A vastidão do lugar, a natureza bela, mas corrompida de suas paisagens. As civilizações antigas que desapareceram, as ruínas enterradas sob o solo... suas verdades.

E as palavras de Rock sobre as criaturas que podiam imitar humanos. Criaturas que podiam andar entre eles sem serem notadas, usando disfarces indistinguíveis.

"Agora entendo por que insistem em chamar Mordret de monstro, de 'aquela coisa'... O verdadeiro horror, no entanto, seria lidar com alguém como Amon, como alguém real."

Rock continuou sobre as Cidadelas, e ele ouvia atentamente, sentindo um misto de determinação e apreensão. 'O Portal no Pináculo Carmesim, guardado por um novo Terror... e esse, Caído, muito mais forte e horrível do que qualquer coisa que eu já enfrentei.'

Ariandel sabia, assim como Nephis sabia que seu assassino a acompanharia em seu segundo pesadelo, que ele se reuniria com os personagens principais na Costa Esquecida. Todos os que sobreviverem naquele lugar serão anomalias. Pessoas temperadas pelo inferno, e apenas os melhores dos melhores permanecerão.

'E eu... eu vou me tornar um desses grandes guerreiros, ou morrer na tentativa.'

Quando Rock finalmente terminou sua explicação, Ariandel permaneceu imóvel, absorvendo o peso de suas palavras. Seu coração ainda processava as implicações, mas algo mais se agitava dentro dele.

Algo que não podia ser ignorado. O que seria dele depois do que acontecesse no Reino dos Sonhos? Ele não sabia. Mas entendia que apenas o desejo de sobreviver não seria suficiente para sustentar sua convicção.

Com os olhos fixos no caminho que se estendia à sua frente, Ariandel tomou uma decisão silenciosa. Ele avançaria, mesmo sem saber o que encontraria. Talvez, no fim, isso fosse tudo o que importava.