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CAPÍTULO 11 - CORAGEM

1

Sentado na grama ao lado de uma árvore, o jovem garoto parecia respirar cada vez mais fundo. Seu cansaço era evidente pois já faziam anos que ele não fazia tanto esforço em um curto espaço de tempo.

O dragão terrestre que o acompanhava tinha dormido na grama após se agraciar com o carinho especial que recebeu de seu amigo.

"Ainda faltam 3 cristais."

Olhando para dentro da floresta, sua cabeça parecia em uma dúvida mortal sobre seu próximo passo. Seu corpo já tinha decidido desistir, porém sua determinação poderia ser mais forte que qualquer adversidade.

O semblante sério no rosto definia bem sua nova forma de agir naquele momento. Caso decidisse entrar novamente na floresta, ele sabia que teria que ter seriedade e cuidado, pois sua única arma de defesa foi totalmente gasta durante sua primeira luta.

"Não sobrou nenhum cristal de iluminação."

Desviando o olhar para o céu, pensou profundamente sobre tudo que tinha vivido até aquele momento. Pensar sobre a capital já estava se tornando uma sensação nostálgica no peito dele, que sinceramente estranhava a rapidez na qual sentia isso.

Voltando a focar seus pensamentos, usou de tapas leves em suas bochechas para que retornasse seu foco ao que realmente importava naquele momento.

Ainda em um pequeno lapso de pensamentos fora do foco principal, ele pensou em Trix e Sakura, o que o fez olhar novamente para a floresta. Já mais determinado que antes, parecia ter encontrado em seus pensamentos um sentido em fazer cumprir a missão que lhe foi dada.

"Elas estão trabalhando duro enquanto me esperam voltar, é justo que eu faça meu trabalho da forma correta e volte vivo ao final dele."

Ele começou a andar em direção à floresta enquanto mantinha o olhar fixo como uma forma de ter mais confiança em sua decisão. Em passos extremamente curtos era fácil ver seu medo ao se aproximar novamente daquela floresta.

Os olhos que aos poucos recuperava seu brilho parecia o perder novamente a cada passo dado em linha reta.

"Que droga, será que eu realmente…"

Parando de olhar fixamente para a floresta, desviou o olhar para seus próprios pés, que tremiam quanto mais ele andava.

"Não, porque eu estou relutando agora?..."

A expressão que era séria se transformava aos poucos em um riso inesperado, um riso cheio de ironia. Aquele riso era destinado a seu próprio eu, aquele que relutava em ações o que jurava fazer em palavras.

"Não é mais apenas por mim!"

Levantando a cabeça, ele viu em sua mente a imagem das pessoas que tinham se tornado importantes para ele naquele mundo: Melty, Tiga e Bella.

Com belas imagens em sua mente, ele sabia exatamente o que queria fazer naquele momento. Respirando fundo, tornou a andar em linha reta na direção da floresta, porém já não tremia mais.

O olhar irônico foi tomado por um rápido sorriso empolgado, que logo se tornou um olhar sério novamente.

Sem diminuir os passos ou relutar, ele finalmente entrou novamente na floresta, deixando seu dragão do lado de fora enquanto ele dormia.

"Eu já volto amiguinho, durma tranquilo." – Olhando para trás por um curto momento, ele disse suas doces palavras enquanto sorria de canto de rosto na direção onde o dragão dormia.

2

"Senhorita, há registro de mais feridos, enquanto que não há sinal algum de Tsuki."

A elegante garota empregada dava péssimas notícias para Sakura que se encontrava sentada ao fundo de uma das carruagens que estavam na parte da frente do vilarejo. Seu semblante já estava vazio, porém se encheu de rugas que deixavam aparente sua preocupação.

"Quantos feridos temos a mais?"

"Não pudemos contabilizar todos que estão feridos ou que foram mortos, apenas sabemos que sobraram cerca de Duzentos."

"Não havia muito mais que isso, infelizmente são vidas, mas ainda são uma minoria."

"Sim senhorita" – Se curvando, a empregada concordou de forma fria.

Sakura tinha dito palavras cruéis sem nem mesmo mudar de expressão. Aquelas palavras, por mais frias e dolorosas que soassem, eram os pensamentos sinceros de uma pessoa que pensava mais em números coletivos do que individuais.

Não havia sorrisos naquele lugar, o clima de terror era a realidade de todo o povo que a pouco tempo atrás gritava e comemorava, mas que agora estava sem um lar e até mesmo sem esperanças. O fogo que tinha tomado a vila já havia se apagado, porém o estrago do que foi queimado era praticamente de um terço da vila.

Por mais cruel que pudesse ser apenas por natureza, a verdade era que Sakura estava sendo extremamente influenciada pelo clima pesado que o ambiente trazia para todos ao redor do vilarejo. Suas palavras frias pareciam apenas ser uma autodefesa que a fazia se convencer de que não havia perdido muito.

"Peço permissão para me retirar."

A empregada se curvou novamente na frente de Sakura, que a olhou dos pés à cabeça.

"Você tem a liberdade de ir, porém precisamos sair em menos de dez minutos."

"Sim senhorita Sakura, farei aquilo que me foi dado como trabalho. Trarei para a primeira leva as pessoas que estão mais necessitadas de ajuda."

A empregada se retirou rapidamente, tendo em vista que sobrava pouco tempo para muito trabalho a ser feito.

Tirando a boina da cabeça, Sakura coçou seu cabelo enquanto caminhava até o dragão de sua carruagem.

"Acha que pode encontrar aquele garoto em dez minutos?"

"Grurr" – O dragão assentiu grunhindo de forma alta.

"Bom garoto, agradeço por sua ajuda."

Soltando o dragão da carruagem, o deixou correr em direção a floresta que ficava perto do vilarejo. Entendendo a mão, chamou também alguns insetos e ordenou que seguissem o dragão para o proteger.

Logo, Sakura voltou para a direção do centro do vilarejo enquanto tentava acalmar as pessoas que estavam em seu caminho.

3

Em meio ao clima pesado que estava instaurado no ar do vilarejo, Trix curava as pessoas usando o máximo que podia de sua magia. A partir de suas mãos, ela concentrava toda a mana do ambiente e a canalizando transformava em uma bolha transparente com efeito médico.

Ela já havia curado cerca de trinta pessoas em pouco mais de vinte minutos desde a explosão e o incêndio do vilarejo.

Por mais uma vez, ela tinha parado sua obrigação principal para socorrer uma das pessoas afetadas pelo incêndio. Desta vez ela curava uma pequena garota que havia se lançado à frente do fogo para defender sua avó que estava enferma, porém por conta de seu pequeno corpo, ela não foi capaz de parar as chamas e além de ter queimaduras graves em seu corpo, não pôde defender sua avó da inevitável morte.

"É cruel" – Em alto tom, a empregada se enfureceu com o que via.

"Do que você reclama, senhorita nobre?"

"Não me chame de nobre."

Batendo os pés no chão, ela recusava ser vista como alguém distante dos moradores do vilarejo.

"Você diz sobre crueldade jovem moça, o que lhe faz ver dessa forma?"

"Eu sei que ela está dormindo nesse momento, mas estamos a curando ao lado do corpo carbonizado da pessoa na qual amava e quase morreu tentando defender."

"Ela entenderá o extremo caso de necessidade…"

"Vocês ainda não abriram os olhos? Ela arriscou a vida dela pela pessoa que ela não queria ver morrer em sua frente, não há motivo algum para deixar que ela veja a pessoa que ama nesse estado."

Trix se mostrava extremamente indignada naquele momento, tudo que saía de sua boca era o mais sincero pensamento de seu coração. Por suas lembranças e memórias traumáticas, ela preferia evitar ver mais pessoas sofrerem.

Por outro lado, as pessoas do vilarejo pareciam não se importar realmente com o que aconteceria depois do acordar, eles apenas vinculavam seus pensamentos à necessidade extrema que viviam naquele momento. O clima terrível tinha afetado todos da vila, até mesmo os mais otimistas.

"Garota, o mundo é cruel, não há o que fazer para evitar que ela entenda isso."

"Ela… ela não merece ver o resultado de seu fracasso, viver com ele gravado na alma já é o suficiente."

A empregada de cabelo verde respirava fundo enquanto segurava suas lágrimas, suas lembranças e pensamentos se focaram no fatídico dia em que ela sentiu que não podia mais salvar sua mãe em meio ao fogo que consumia sua vila. Tudo que vinha de sua boca era um reflexo do que sentia no mais profundo de seu coração.

Levar o fracasso gravado na alma não era apenas uma frase, tinha se tornado a realidade de vida da jovem garota que mesmo se segurando, caiu em lágrimas. Sua alma se quebrava imaginando que aquela pequena garota viveria algo semelhante ao que ela sentiu em seu pior trauma.

"Arr" – Resmungou o velho, que logo tomou novamente a palavra, chamando a atenção de Trix – "Leve a garota na minha vaga, eu posso muito bem esperar mais um pouco."

Claramente aquele velho senhor estava em uma situação infinitamente pior que a garota, porém mesmo assim agiu de muito boa vontade.

O velho senhor tinha perdido um de seus braços durante a explosão, além de ter perdido seu filho e sua esposa para as chamas do incêndio. Trix sabia de tudo aquilo, por isso recuou.

"Você não pode–"

"Vá logo jovem, leve a garota e pare de chorar."

Trix não podia conter suas lágrimas que caíam bem mais profundamente do que a segundos atrás. Tendo terminado o serviço que tinha pendente naquele lugar, pegou a garota em seus braços e a levou para fora da pequena cabana em que estava.

O velho sorriu enquanto percebia que aquele era na verdade seu fim definitivo. Suas forças já eram nulas e ele mesmo já tinha total noção de que havia perdido muito sangue e não aguentaria muito. A vida já havia levado tudo que ele tinha, não havia mais para quê viver.

"Agradeço pela oportunidade de terminar minha vida salvando uma nova vida."

Dispensando todas as outras pessoas que estavam ao redor na cabana, se sentou em uma cadeira ao lado do corpo carbonizado que estava na mesa. Respirando fundo, sorriu e aos poucos afundou na cadeira, relaxando pela última vez antes de sua inevitável morte que aconteceria em breve.

Tendo saído dos fundos do vilarejo, Trix indicou para Sakura que tudo já estava pronto para elas partirem.

"Ajeite as pessoas na carruagem, em breve meu dragão voltará e poderemos seguir." – Respondeu Sakura, que estava de costas para Trix enquanto olhava para a direção da floresta.

"Tudo bem senhorita."

Trix deixou Sakura sozinha e seguiu levando a garota em seus braços em direção a sua carruagem. Logo que chegou, deixou a garota deitada na parte da frente, onde ela poderia a acompanhar de perto durante toda a viagem.

Sakura logo parou de olhar para a direção da floresta e andou até perto da carruagem de Trix.

"Coloque todos os mais urgentes na sua carruagem e vá para a mansão, eu não poderei te acompanhar no momento."

"Mas, senhora?..."

Sakura disse sua fala preocupante mais uma vez de semblante vazio, porém coberto de preocupação. A reação da empregada também não foi diferente, questionando a fala de sua mestre.

"Apenas vá, eu preciso resolver coisas urgentes."

Trix sinceramente queria poder recusar aquele pedido, porém ela entendia bem sua posição e logo acenou com sua cabeça e se curvou para aceitar a fala de Sakura.

Trix se retirou em direção ao local onde havia organizado as pessoas que levaria, enquanto que Sakura estendeu sua mão para o alto e chamou diversos insetos.

As duas olharam para trás, se encarando uma última vez antes de Sakura ser levada voando por um grupo de insetos.

A empregada de cabelo verde até mesmo observou o início do vôo, porém logo depois tornou a olhar para frente e andar em direção a onde estavam as pessoas que ela levaria.

"Pois bem, está na hora de irmos."

Logo, toda a carruagem estava lotada por todo o tipo de pessoas, idosos, crianças, mulheres e homens, todos extremamente machucados ou afetados mentalmente. O plano inicial era de que fossem levadas por Trix apenas vinte e duas pessoas, porém por achar necessário, ela estava levando quase trinta.

Tocando o dragão através da corda, ela tomou o caminho da mansão, deixando o vilarejo para trás. Ela comandava o dragão enquanto vistoriava de canto de olho as pessoas que estavam na carruagem. Por fim, sua última ação era a de fazer carinho na pequena garota que estava deitada em seu colo ainda dormindo.

O caminho parecia ser pacífico e de forma simples, Trix partiu em direção a mansão Pristis em sua primeira viagem completa.

4

O verde das árvores era a cor predominante do caminho do jovem garoto, que aos poucos adentrava em partes mais escuras da floresta. Sem o cristal para se iluminar, usava toda sua cautela ao andar em cada lugar.

"Eu já devo estar bem longe da floresta, porém ainda não achei as árvores marcadas…"

Murmurando ele seguia sem olhar para trás. Seus olhos estavam praticamente arregalados para tentar ver todo o caminho claramente, porém nem isso era suficiente para clarear o caminho.

Tsuki nunca teve decorrência de problemas de visão em toda sua vida no mundo anterior, ele nem mesmo era apegado a telas ou a madrugadas. Porém, mesmo com uma visão praticamente perfeita, não era possível ver claramente o caminho no qual ele seguia.

Parando de andar, conferiu ao redor para ter segurança e depois de perceber que estava sozinho, decidiu pensar um pouco.

"Isso não era o ideal para agora, mas acho que não há outra opção."

Pegando o celular que estava em sua cintura, verificou primeiramente a bateria que restava. Naquele momento o celular marcava 81% de bateria, o que em um uso extremo da bateria seria consumido em pouco mais de duas horas.

"Tudo bem, caso necessário eu tenho na primeira carga cerca de duas horas de bateria…"

Por mais de ser o último recurso naquele momento, ele não se preocupava em usar seu celular o máximo que pudesse, pois ainda tinha junto com ele uma bateria externa.

Ligando a lanterna, começou a andar mais para o fundo da floresta. Sempre verificando o redor, ele girava o corpo apontando o celular para todas as direções.

Até aquele momento ele não tinha visto nada de incomum e nem mesmo tinha encontrado a árvore marcada para que fossem colocados os cristais.

"Acho que já está ficando longe demais até mesmo do vilarejo."

A lógica de andar mais em direção ao centro da floresta não fazia sentido para Tsuki. Até aquele momento todos os cristais tinham sido colocados nas últimas árvores que ficavam do lado da floresta mais próximo ao vilarejo.

Naquele momento ele percebeu algo que não deveria ter demorado tanto para perceber. Mesmo que se arrependesse naquele momento, tudo já estava feito, tanto os perigos corridos, quanto à exposição que estava ocorrendo de si mesmo naquele exato momento.

"Acho melhor eu voltar logo"

Se virando, iluminou em linha reta o caminho de volta, porém sua fraca luz tomou proporções muito maiores de iluminação e a cada segundo, aquela luz parecia mais próxima e forte.

Sem muita demora desligou a lanterna de seu celular e o guardou, percebendo que não se tratava de sua luz e nem mesmo de uma luz qualquer da floresta, pelo cheiro e pela mudança de ambiente aquilo só poderia ser fogo.

"Fogo, mas porquê?!"

Assertivo em seu palpite, viu uma bola de fogo se aproximar rapidamente de onde ele estava, naquele momento ele não poderia se defender daquilo nem se quisesse.

Vendo a morte diante de seus olhos, ele apenas aproveitou do calor que emanava daquela forte luz flamejante que se aproximava. Olhando para o alto, não viu o céu, pois as diversas árvores juntas taparam totalmente a visão. Aquilo entristeceu seu último momento

"Que cruel, morrerei sem ver a cor do céu pela última vez." – Declarou aos ventos sua tristeza ao não realizar aquele que era seu último desejo.

"Gyrr"

Enquanto olhava para o alto, Tsuki foi lançado para longe por uma força extraordinária que veio do meio das árvores da floresta. Caindo de mal jeito, ralou os braços e as pernas, porém se manteve consciente.

Olhando em direção ao que tinha lhe causado o impacto, viu seu dragão terrestre, que foi quem o salvou de morrer carbonizado. O dragão também não tinha sido acertado em cheio pelo fogo, porém sofreu danos em suas escamas devido a alta temperatura do ambiente.

Logo o garoto se levantou do chão e após limpar sua roupa, seguiu correndo de volta em direção ao lugar de onde o fogo havia surgido. O dragão que estava com ele o acompanhou, correndo ao seu lado. Já em estado de adrenalina, o garoto nem mesmo precisava mais de uma luz para ver o caminho, que também estava mais aberto por conta da devastação feita pelo fogo.

"Vocês são impressionantes, uma amizade entre um animal e um humano é sempre algo admirável."

Uma voz grossa e distorcida chamou a atenção de Tsuki, que parou de correr e diminuiu a velocidade de seus passos. A voz tinha surgido da mesma direção da qual o fogo tinha surgido antes.

Logo surgiu em meio às árvores um homem, sua aparência estranha se destacava ainda mais no escuro que a distancia formava, não era possível ver quase nada de sua aparência, porém era possível perceber que algo tampava seu rosto.

"Garr"

O dragão de Tsuki se enfureceu ao sentir o cheiro do enxofre que surgiu do homem que tinha os atacado. Tsuki por sua vez decidiu acalmar o dragão o fazendo não avançar na direção do homem. A expressão de Tsuki evidenciava claramente seu medo naquele momento, no qual temia a morte.

"Sábias escolhas, garoto. Por sua devoção ao seu animal, deixarei que morram juntos."

Quando o homem estendeu sua mão direita na direção do garoto e do dragão, foi possível ver mais detalhes de sua roupa que o tornava tão misterioso em meio a escuridão da floresta, em seu braço direito ele carrega uma máscara com uma expressão pintada nela em tinta vermelha, essa expressão em específico representa seriedade.

Estendendo a mão na direção do garoto e de seu dragão, o homem conjurava calmamente uma magia que criava fogo a partir de sua mão.

"Al go–"

Antes que ele pudesse terminar de conjurar a magia de fogo, foi interrompido por um impacto que veio do meio da floresta e o acertou em cheio no espinho da coluna, o lançando para longe em meio às árvores.

"Grraaa"

O dragão terrestre de Sakura tinha acabado de chegar, salvando a vida de Tsuki e seu dragão.

O garoto que estava coberto de medo, sorriu de felicidade.

Sem pensar duas vezes, ele subiu em seu dragão e ordenou que eles fossem para fora da floresta, o que logo foi obedecido por seu dragão e também seguido pelo dragão de Sakura. Aquela vantagem poderia ser perfeita para que ele pudesse voltar ao vilarejo sem um segundo ataque contra sua vida.