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004 - Comissão

A campainha da porta automática do Banco J.K. apitou quando um homem emergiu do seu interior.

Com uma bolsa preta debaixo do braço, ele avançava apressadamente em direção à escadaria que levava à calçada. A expressão animada em seu rosto e a maneira defensiva com que segurava a bolsa sugeriam que seu conteúdo era uma soma generosa de dinheiro.

Poucos segundos depois, o som da porta automática ecoou novamente.

"Ô, velhote!" chamou uma voz atrás do homem. "Vai sair só com cinco mil reais?"

"Hã?" O homem parou de caminhar e se virou na direção do outro rapaz, sem entender o que estava acontecendo.

De repente, um chute o atingiu na lateral do corpo, fazendo-o soltar um grito de dor enquanto tombava escada abaixo. Sua bolsa de dinheiro voou pelo ar, sendo prontamente capturada pelo agressor.

"Bom, foda-se," disse o agressor, brincando com a bolsa em seus braços. Meteu uma de suas mãos no bolso da jaqueta e retirou um celular. " E aí? Sou eu. Tô dentro na festinha de hoje a noite." Ele desceu rapidamente as escadas, não ligando para o homem caído nos últimos degraus. "Idiota, tô com grana aqui. Arranjei agorinha."

"Espere!" Do chão, o senhor caído gritou a todo os pulmões. "Vou chamar a polícia!"

"Tsc... Ligo pra você depois." O homem desligou o celular, lançando um olhar ameaçador para o homem. "Tá tirando com a minha cara, velhote?"

"Hã...?"

O batedor começou a caminhar de volta na direção do homem caído, depois a correr. Por fim, começou a chutar o estômago do outro com o bico do pé repetidas vezes.

"Vai chamar a polícia por causa de cinco mil? Vai se foder!" A voz saía rasgando de sua garganta, e o que era para parecer um furto se tornou uma agressão. "Tá querendo que eu vire criminoso!?"

Uma multidão começou a se formar em volta da baderna, mas o batedor de carteiras não pareceu ligar. Ele cuspiu no corpo estirado do homem, que tossia sangue, e começou a caminhar novamente enquanto rodava a bolsa em sua mão.

Enquanto o ladrão se distanciava, o homem levantava lentamente do chão, usando o resto de suas forças para manter-se de pé.

"De... devolve..."

"Que saco, desiste logo." Bufou o batedor, sem olhar para trás. "Que merda! Vou vazar..."

"Minha bolsa!" Gritou o homem. "Ele roubou minha bolsa! Alguém pega esse cara!"

Sua voz reverberou por toda a avenida, o que chamou atenção de ainda mais pessoas. Mas como vivemos em uma sociedade que faz pouco caso com os problemas alheios, ninguém parecia afim de confrontar o ladrão que se distanciava cada vez mais.

"O que aconteceu?" Se perguntavam os curiosos. "É briga?"

O homem começou a caminhar em meio à multidão de pessoas que se formava na avenida, olhando-as uma por uma com expressão aflita.

"Por favor... alguém..."

Como mal prestava atenção em seus passos, acabou tropeçando em seu próprio pé e quase derrubou uma colegial que estava de passagem.

"Ai!," disse a garota. "Credo, que isso!"

"De... desculpa..." Disse o homem, levantando sua cabeça.

Ao levantar sua cabeça, percebeu que não se tratava de apenas uma colegial, e sim um grupo com quatro delas. Pela posição em que estava, parecia que era propositalmente para conseguir ver por debaixo da saia da garota na sua frente.

"Tá olhando o quê?" Perguntou, uma expressão de nojo cobrindo sua face. "Velho pervertido."

"Hã?"

O restante das garotas apenas olhava, enquanto a menina em que ele quase esbarrou se escondia atrás de uma das amigas. A que estava falando agora parecia ser a líder delas.

"Tá atrapalhando!" Gritou. "Sai da frente, tara-..."

Antes que conseguisse terminar sua frase, um pé acertou o rosto da garota. Não, não era apenas isso; um menino havia pulado e estava usando o rosto dela como degrau para conseguir ir ainda mais alto. Após posicionar corretamente a sola do sapato em sua cabeça, usou-a como apoio e, num único impulso, chegou ao telhado da loja ao lado.

Havia sido tão rápido que ninguém conseguiu ver o rosto do garoto, que seguiu deixando o grito das estudantes surpresas para trás. Ele corria por cima das construções, com olhos fixados nos pedestres abaixo.

Ele estava procurando pelo bandido.

Em meio à aglomeração de pessoas que transitavam na calçada, o ladrão tirou mais uma vez o celular do bolso, digitou alguma coisa e o levou até o ouvido.

"Opa, foi mal. E onde a gente se encontra?" Ele deu uma risada meio sem graça. "Lá? Sei onde é."

Enquanto andava, esbarrou em um rapaz que caminhava na direção contrária.

"Ai! Olha por onde anda, imbecil!"

Diante de sua expressão furiosa o outro homem nada fez, apenas se assustou e continuou seguindo seu caminho como se nada tivesse acontecido.

"Ok, entendi~"

Enquanto falava no telefone e se distraía com os pedestres, o ladrão não percebeu a aproximação que vinha por cima. Com passos rápidos, o garoto pulou da beira do telhado em direção ao homem, em uma queda de mais de três metros.

Ele chutou o ombro do ladrão, que cambaleou mas não cedeu. Da mesma forma que fez com a colegial, usou seu ombro de impulso para que conseguisse pular mais uma vez. O batedor o acompanhou com os olhos enquanto a criança fazia uma pirueta no ar.

O garoto fitou o ladrão e acertou um poderoso chute na lateral de seu rosto.

O homem caiu de joelhos antes de enterrar sua cara no chão, a bolsa largada próxima de sua mão. O menino pousou suavemente no solo com um equilíbrio invejável. Da forma como estavam, o bandido parecia reverenciar o menino que o derrubara.

A criança se virou na direção do homem; seu rosto era juvenil e seu olhar, negro e profundo, afiado como os de um gato. Seus cabelos eram pretos e arrepiados, roçando até abaixo de sua nuca, o que lhe dava um ar rebelde. Usava uma velha camisa preta e uma calça branca encardida, além do sobretudo de gola alta em frangalhos que usava como capa e cobertor nos dias frios. E seus sapatos, claramente reutilizados, eram, pelo menos, cinco números acima do ideal.

Um morador de rua.

Todos que haviam presenciado a cena estavam atônitos, mas o garoto não parecia se importar. Ele se aproximou do ladrão caído e apanhou a alça da bolsa preta de seus dedos. Enquanto levantava, o velho homem que havia sido furtado abriu caminho por meio da multidão.

Ele estendeu a bolsa para o homem, um sorriso estampado em seu rosto.

Surpreso, o senhor pegou a bolsa, procurando as palavras certas antes de falar.

"Você... pegou para mim?"

O menino apenas estendeu sua mão esquerda, que estava estranhamente enrolada por um pedaço de trapo velho.

"Quinhentos reais," disse o garoto. "É a minha comissão."

O homem soltou outro grunhido de surpresa, arregalando seus olhos e abrindo sua boca inconscientemente; como se não acreditasse na situação à sua frente.

"Tsc... estavam juntos nessa!?" Pigarreou, abraçando sua bolsa de dinheiro com força e dando meia volta. "Vai se danar!"

"Era tudo combinado?" Disse um dos transeuntes que havia presenciado tudo. Uma chuva de comentários começou a cair após a devolução do dinheiro.

"Só queriam tirar grana do velho?"

"Mas o cara... não tá levantando."

"Deixa ele aí."

Enquanto o resto dos curiosos se dispersavam, o garoto continuou inerte com sua palma da mão circular estendida.

Todos foram embora, e o herói do dia foi deixado sozinho com o ladrão desfalecido e sem nenhum obrigado.