webnovel

A Crônica do Contador de Histórias

Após uma vida de poucas conquistas e repleta de arrependimentos, Vanitas recebe uma segunda chance ao reencarnar como um bebê em um mundo onde magia e espadas fazem parte do cotidiano. Determinado a deixar seu passado para trás, ele abraça essa nova chance, vivendo com uma trupe itinerante de artistas da corte. Entre apresentações e jornadas por novas terras, Vanitas aprimora seu talento nato para o alaúde, mas é na magia que seu verdadeiro poder desperta. Sob a tutela da poderosa Arcanista Marceline, ele mergulha nos segredos da simpatia, a arte mágica que, desde o início, acendeu seu desejo de invocar o vento. No entanto, o destino de Vanitas toma um rumo inesperado quando cruza caminho com o enigmático grupo Sombraim, cujos segredos ocultos trazem à tona verdades sombrias sobre o mundo e sobre sua própria reencarnação. Em busca de respostas, Vanitas parte em uma jornada por terras desconhecidas, onde cada nova descoberta o arrasta ainda mais profundamente para os segredos esquecidos da história. Ao longo do caminho ele encontra aliados improváveis, constrói amizades inquebráveis e se apaixona... mas o que realmente aguarda em seu destino é algo que supera tudo isso. Com a chance de mudar o mundo em suas mãos, Vanitas precisa decidir entre seguir o caminho das revelações ou se perder nos laços do amor e da amizade. O peso dessa escolha pode mudar para sempre o curso de sua vida — e a de todos ao seu redor.

porep · ファンタジー
レビュー数が足りません
88 Chs

XXXV. NATUREZA

Os dois crimos que carregava comigo tinham um peso reconfortante, algo que ia além do simples peso físico. Quem já passou um bom tempo sem um tostão entenderia esse sentimento. Meu primeiro investimento foi uma pequena bolsa de couro, que guardei junto ao corpo, embaixo das roupas.

Depois, decidi me dar o luxo de um verdadeiro café da manhã: ovos quentes, uma fatia generosa de presunto, pão fresco e macio, tudo isso regado a muito mel e manteiga, acompanhado por um copo de leite fresco, ainda recente do campo. Gastei cinco lumens de ferro, mas talvez tenha sido a melhor refeição que já tive.

Era estranho estar sentado à mesa, usando garfo e faca. Estranho também estar entre outras pessoas, ser servido. À medida que limpava o prato com o último pedaço de pão, percebi um problema. Mesmo naquela estalagem simples, no limite da cidade, eu chamava atenção; minha camisa era pouco mais do que um saco de aniagem, com buracos improvisados para a cabeça e os braços. As calças, grandes demais, exalavam o cheiro de fumaça, gordura e água estagnada. Tudo amarrado na cintura com um pedaço de corda resgatado do lixo. Estava imundo, descalço e, para dizer o mínimo, malcheiroso.

Deveria eu comprar roupas primeiro ou procurar um banho? Se tomasse banho antes, teria que vestir de novo minhas roupas sujas. Mas, se tentasse entrar numa loja do jeito que estava, dificilmente me deixariam passar pela porta, quanto mais me medir para qualquer vestimenta.

O estalajadeiro se aproximou para retirar meu prato, e decidi que um banho era prioridade, afinal, estava cansado de cheirar como um rato morto há dias. Sorri para ele.

— Onde posso encontrar um banho por aqui?

— Aqui mesmo, se tiver uns dois lumens — respondeu ele, me avaliando dos pés à cabeça. — Ou posso te deixar usar se trabalhar por uma hora. A lareira precisa de uma boa esfregada.

— Vou precisar de muita água e sabão.

— Então, duas horas de trabalho: lareira, banho e, depois, a louça. O que acha?

Cerca de uma hora depois, meus ombros estavam doloridos, mas a lareira brilhava de tão limpa. O estalajadeiro me conduziu até um quarto nos fundos, onde uma grande tina de madeira esperava por mim, ao lado de um ralo no chão para o escoamento. Ganchos pendiam das paredes, prontos para receber minhas roupas, e uma folha de estanho fixada em uma delas servia de espelho improvisado.

Ele trouxe uma escova, um balde de água fervendo e um pedaço de sabão em barrilha. Esfreguei-me até a pele arder e ficar vermelha. Um segundo balde de água quente chegou, seguido por um terceiro. Agradeci em silêncio ao perceber que não tinha piolhos; provavelmente, eu estava sujo demais para que qualquer um se fixasse em mim.

Ao me enxaguar pela última vez, olhei para a pilha de roupas que havia descartado. Agora, limpo como não estava há anos, a última coisa que queria era tocá-las, muito menos vesti-las. Sabia que, se tentasse lavá-las, se desmanchariam nas minhas mãos.

Sequei-me e usei a escova para desfazer os nós do cabelo. Agora limpo, ele era mais longo do que parecia. Ao limpar o vapor do espelho improvisado, fiquei surpreso com o que vi. Eu parecia mais velho, ou pelo menos mais maduro. Parecia o jovem filho de um nobre, com o rosto fino e pálido. Meu cabelo, que precisava apenas de uma ligeira aparada, caía liso até os ombros, como ditava a moda. Só faltava mesmo uma roupa digna de um nobre.

E foi aí que uma ideia me ocorreu.

Ainda nu, envolvi-me em uma toalha e saí pela porta dos fundos, com minha bolsa escondida sob o pano. O sol estava a pino, e a cidade fervilhava de pessoas. Senti os olhares curiosos me acompanhando, mas os ignorei, caminhando com passos firmes e decididos, mantendo meu rosto numa máscara impassível, sem o menor vestígio de vergonha.

Parei diante de um homem que, junto com seu filho, empilhava sacos numa carroça. O rapaz era alguns anos mais velho e uma cabeça mais alto do que eu.

— Garoto, onde posso encontrar roupas decentes por aqui? — perguntei, minha voz carregada de autoridade, enquanto examinava a camisa do rapaz com um olhar crítico.

Ele me olhou com uma mistura de confusão e irritação, mas antes que pudesse responder, o pai adiantou-se, tirando o chapéu com respeito.

— Vossa Graça pode tentar a loja de Joffrey. Não são roupas de luxo, mas fica a uma ou duas ruas daqui.

— Esse é o único lugar nas imediações? — perguntei, franzindo a testa.

O homem abriu a boca para responder, mas eu o interrompi com um gesto impaciente.

— Onde fica? Aponte logo, já que parece que seu raciocínio o abandonou.

Ele indicou a direção, e eu me afastei sem mais palavras. Enquanto caminhava, lembrei-me de um personagem que costumava interpretar na trupe: Duncan, um pajem petulante e de pai importante. Adotei sua postura, inclinei a cabeça com arrogância, ajeitei os ombros e fiz alguns ajustes mentais.

Cheguei à loja e empurrei a porta com força, entrando com brusquidão. O homem de avental de couro, que só podia ser Joffrey, deu um salto ao ouvir a batida da porta. Ele era magro, de meia-idade, com os primeiros sinais de calvície.

— Traga-me um roupão, seu idiota. Estou cansado de ser alvo dos olhares estúpidos de todos os imbecis que resolveram sair hoje — ordenei, jogando-me numa cadeira e franzindo o cenho. Quando ele não se moveu, lancei-lhe um olhar furioso. — Estou gaguejando ou minhas necessidades não são óbvias? — puxei a toalha, mostrando minha nudez como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Joffrey continuava boquiaberto, imóvel. Baixei a voz, ameaçador:

— Se você não me trouxer algo para vestir imediatamente, destruirei este lugar. Pedirei ao meu pai para arrancar seus testículos como presente no Solstício de Inverno. Seus cães se banquetearão com seu cadáver. Você tem alguma ideia de quem sou eu?

Em pânico, Joffrey correu para buscar o roupão, enquanto eu me recostava na cadeira. Uma mulher que estava na loja saiu apressada, fazendo uma reverência antes de partir. Contive o riso.

A partir daí, as coisas ficaram surpreendentemente fáceis. Mantive Joffrey correndo de um lado para o outro por meia hora, trazendo uma peça de roupa após a outra. Zombei dos tecidos, do corte, de tudo. Fui o perfeito insolente.

Mas na verdade, eu não poderia estar mais satisfeito. As roupas eram simples, mas bem-feitas. Comparadas ao que eu usava antes, até um saco de estopa limpo seria um grande avanço.

Se você nunca passou muito tempo na corte ou em cidades grandes, talvez não entenda como foi fácil para mim. Mas deixe-me explicar: os filhos dos nobres são forças da natureza, como enchentes ou tornados. Quando uma dessas calamidades o atinge, tudo o que um homem comum pode fazer é ranger os dentes e tentar minimizar os danos.

Joffrey sabia disso. Ele fez as marcações na camisa e nas calças, ajudando-me a despi-las. Vesti o roupão que ele me deu e o homem pôs-se a costurar como se o próprio demônio o estivesse perseguindo. Afundei-me na cadeira e disse:

— Pode perguntar, se quiser. Percebo que está morrendo de curiosidade.

Ele levantou os olhos da costura, hesitante.

— Senhor?

— Sobre as circunstâncias que cercam meu estado atual de nudez.

— Ah, sim... — Ele esticou a linha, começando a trabalhar nas calças. — Confesso estar ligeiramente curioso. Mas nada além do que seria apropriado, claro. Não sou de bisbilhotar.

— Entendo — assenti, fingindo desapontamento. Houve um longo silêncio, apenas interrompido pelo som da agulha passando pelo tecido.

Finalmente, continuei, como se ele tivesse perguntado:

— Uma prostituta roubou minhas roupas.

— De fato, senhor?

— Sim, tentou me forçar a trocar minha bolsa por elas, a vadia.

Joffrey ergueu os olhos com genuína curiosidade.

— Sua bolsa não estava com suas roupas, senhor?

Fiz uma expressão de choque.

— Claro que não! "A mão de um cavalheiro nunca fica longe de sua bolsa", como diz meu pai. — E sacudi minha bolsa para ele, enfatizando a frase.

Notei que Joffrey tentou reprimir o riso, o que me fez sentir um pouco melhor. Depois de atormentar o homem por quase uma hora, o mínimo que eu podia fazer era lhe dar uma história para contar.

— Ela disse que, se eu quisesse manter minha dignidade, deveria entregar minha bolsa e voltar para casa com as roupas. — Balancei a cabeça com desdém. — "Vadia", respondi, "a dignidade de um cavalheiro não está em suas roupas. Se eu entregasse a bolsa apenas para evitar o constrangimento, estaria abrindo mão da minha dignidade."

Pensei por um segundo, depois falei suavemente, como se estivesse refletindo:

— Então deve-se deduzir que a dignidade de um cavalheiro está em sua bolsa.

Olhei para a bolsa em minhas mãos, pausando dramaticamente:

— Acho que ouvi meu pai dizer algo assim recentemente.

Joffrey soltou uma risada, que rapidamente disfarçou com uma tosse, e depois levantou-se, sacudindo a camisa e as calças.

— Pronto, senhor. Agora elas lhe cairão perfeitamente.

Notei um leve sorriso em seus lábios enquanto ele me entregava as roupas. Despi o roupão e vesti as calças.

— Elas servirão para me levar até em casa, imagino. Quanto lhe devo pelo transtorno, Joffrey?

Ele pensou por um momento antes de responder:

— Um e dois.

Comecei a amarrar a camisa sem dizer nada.

— Perdão, senhor — ele se apressou em corrigir, engolindo em seco. — Esqueci com quem estava falando. Um já estaria ótimo.

Peguei minha bolsa, coloquei um crimo de prata na mão dele e o fitei nos olhos.

— Precisarei de algum troco.

Sua boca se apertou numa linha fina, mas ele assentiu, devolvendo dois iyanes.

Guardei as moedas e amarrei a bolsa firmemente sob a camisa, depois lancei-lhe um olhar significativo, dando um leve tapinha na bolsa. Vi o sorriso voltar aos lábios de Joffrey.

— Adeus, senhor.

Peguei a toalha e saí da loja, refazendo o caminho de volta à estalagem onde havia encontrado um café da manhã e um banho.

— O que posso trazer para você, meu jovem senhor? — perguntou o estalajadeiro quando me aproximei do balcão, sorrindo enquanto limpava as mãos no avental.

— Uma pilha de pratos sujos e um trapo.

Ele apertou os olhos, riu alto e disse:

— Pensei que você tinha fugido nu pelas ruas.

— Não exatamente nu — respondi, colocando a toalha no balcão.

— Antes havia mais sujeira do que gente em você. E eu teria jurado que seu cabelo era preto. Você realmente não parece o mesmo — disse ele, admirado. — Quer sua roupa velha de volta?

Abanei a cabeça.

— Jogue-a fora. Melhor ainda, queime-a e certifique-se de que ninguém respire acidentalmente a fumaça.

Ele riu novamente.

— Mas eu tinha algumas outras coisas — lembrei-o.

O estalajadeiro assentiu e tocou levemente o lado do nariz.

— Ah, sim. Só um segundo — respondeu, desaparecendo por uma porta atrás do balcão.

Enquanto esperava, deixei minha atenção vagar pelo salão. Parecia diferente agora que eu não atraía mais olhares desconfiados. A lareira de pedra com o caldeirão fervendo, os aromas sutis da madeira polida e da cerveja derramada, o murmúrio suave das conversas...

Sempre gostei de hospedarias, acho que vem do fato de ter crescido na estrada. Uma hospedaria é um refúgio seguro, um abrigo. Naquele momento, senti-me verdadeiramente em casa, e a ideia de possuir um lugar como aquele não me pareceu tão ruim.

— Aqui está — disse o estalajadeiro, colocando três penas, um tinteiro e meu recibo da livraria sobre o balcão. — Isso me deixou quase tão intrigado quanto saber por que você fugiu sem roupa.

— Estou indo para a Academia — expliquei.

Ele ergueu uma sobrancelha:

— Você é meio jovem, não?

Senti um calafrio nervoso ao ouvir suas palavras, mas o afastei com um dar de ombros.

— Eles aceitam toda sorte de pessoas.

O homem assentiu com gentileza, como se isso explicasse por que eu havia aparecido descalço e fedendo a vielas. Depois de aguardar um pouco para ver se eu me estenderia, ele se serviu de uma bebida.

— Não se ofenda, mas você não me parece exatamente o tipo que gostaria de continuar a lavar pratos.

Abri a boca para protestar: um lumen de ferro por uma hora de trabalho era uma pechincha que eu relutava em dispensar. Dois lumens equivaliam a um pão, e eu não conseguiria contar todas as vezes que havia passado fome no ano anterior. 

Então vi minhas mãos apoiadas no bar. Eram rosadas e limpas; quase não as reconheci como minhas. 

Percebi que não queria lavar louça. Tinha coisas mais importantes a fazer. Afastei-me do bar e tirei um lumen da bolsa. 

— Onde fica o melhor lugar para encontrar uma caravana que esteja partindo para o norte? — perguntei.

— No Campo dos Tropeiros, subindo para a Serrania. Quatrocentos metros depois do moinho da Rua Esmeralda.

Senti um arrepio à menção da Serrania. Ignorei-o da melhor maneira que pude e assenti com a cabeça. 

— Você tem aqui uma estalagem encantadora. Eu me considerarei um homem de sorte se tiver uma tão charmosa quanto ela, quando crescer. — E lhe entreguei o lumen. 

Ele abriu um sorriso largo e me devolveu a moeda.

— Com elogios tão gentis, volte quando quiser.