O ar fresco da manhã envolvia a rua, fazendo as folhas das árvores balançarem suavemente, enquanto caminhávamos em direção à escola.
O céu, ainda com vestígios do amanhecer, trazia uma calma que combinava com os passos ritmados de Seiji, Rintarou, Kaori e eu. Nossos pés encontravam a calçada em harmonia com o som distante da cidade que lentamente despertava, como se estivéssemos todos em sintonia com o novo dia.
— Falando nisso, a viagem escolar tá chegando, né? — disse Seiji, interrompendo o silêncio tranquilo ao nosso redor. Ele se espreguiçou, erguendo os braços preguiçosamente acima da cabeça, como se já estivesse mentalmente se preparando para o descanso que a viagem prometia. — Vai ser bom sair um pouco da rotina.
— Sim, só espero que o destino não seja um lugar chato. — Kaori comentou, seus olhos brilhando com uma expectativa que deixava claro o quanto ela ansiava por algo mais emocionante. — Espero que seja um lugar onde possamos explorar bastante!
— Será que vão nos dar tempo livre pra isso? — ponderou Rintarou, sempre o mais prático do grupo. — Eles adoram encher o cronograma com atividades sem fim.
Eu apenas ouvia, absorvendo a energia leve da conversa. A viagem escolar era uma boa distração, mas minha mente estava focada em outras coisas — como a escrita que eu precisava melhorar e, claro, no Concurso de Inverno.
A leveza da conversa parecia então se afastar de mim, enquanto outra preocupação crescia em silêncio.
Chegamos à escola, e como de costume, nos separamos de Kaori logo na entrada. Ela acenou, seguindo seu caminho, enquanto nós três continuamos até nossa sala.
Assim que entrei na sala, o cenário habitual se desenrolou diante de mim: grupos de alunos se reuniam em conversas baixas e risadas discretas, suas vozes misturando-se num murmúrio constante. A sala parecia viva, um ambiente comum e rotineiro, que eu já conhecia bem.
Mas, em meio àquela movimentação rotineira, meus olhos logo se fixaram em uma visão que, de repente, fez tudo ao redor parecer distante. Yuki.
Ela estava sentada em seu lugar de sempre, mas a luz suave da manhã que entrava pelas janelas parecia escolhê-la, como se o sol quisesse destacá-la dos demais. Seus cabelos brilhavam sob aquela luz, e seus traços delicados, tão familiares para mim, pareciam agora envoltos em algo quase... irreal.
Era como se, naquele instante, o mundo ao nosso redor tivesse perdido o foco, e tudo que restava fosse ela. Havia algo na forma como o sol tocava sua pele, algo que tornava sua beleza quase inalcançável, amplificando o que eu já sabia, mas nunca conseguia expressar. Eu sempre soube que ela era bonita, mas naquele momento, parecia mais que isso — ela parecia intocável.
E, por mais que eu tentasse desviar o olhar, uma parte de mim sabia que nunca seria capaz de ignorá-la por completo.
Tentei me recompor enquanto me aproximava do meu lugar. Tirei meus materiais da mochila, organizando-os na mesa, mas não consegui deixar de olhar para ela. Por fim, respirei fundo e decidi quebrar o silêncio.
— Bom dia, Yuki. — Minha voz saiu mais calma do que eu esperava.
Ela virou o rosto e me deu um pequeno sorriso, um gesto simples, mas que, vindo dela, parecia ter um peso diferente.
— Bom dia, Shin — respondeu.
Fiquei em silêncio por um segundo, mas logo algo importante me veio à mente. Trabalho de casa! Tinha passado a noite inteira jogando com Seiji e Rintarou e escrevendo, e o dever de casa... Esqueci completamente. Meu estômago revirou ao lembrar disso.
— Teve trabalho de casa ontem? — perguntei, tentando parecer despreocupado.
— Teve sim, algumas páginas do livro de matemática. — Ela respondeu com uma naturalidade que me fez sentir ainda mais aflito.
Ah, claro... Como pude esquecer? Tentando manter a calma, me levantei e fui até Rintarou. Ele sempre deixava eu copiar os deveres, então essa seria uma solução rápida.
— Rintarou, me deixa copiar seu trabalho de casa de matemática? — pedi, quase suplicando.
Mas, para minha surpresa, o que ele me disse me deixou imóvel.
— Não.
Fiquei estático, surpreso com a frieza da resposta. Ele sempre deixava... o que estava acontecendo?
Antes que eu pudesse perguntar, Rintarou me olhou de canto e, com um pequeno sorriso, indicou com a cabeça para Yuki. Claro que ele estava me provocando, mas por qual motivo?
— Por que você não pede para outra pessoa? — disse, baixo, claramente querendo que eu pedisse para Yuki.
Eu congelei. Pedir para Yuki? Ele só podia estar brincando... Mas ele não estava. E para piorar, pedir para Seiji era fora de questão — ele nunca fazia o dever, e quando fazia, as respostas sempre estavam erradas.
Voltei para o meu lugar, tentando reunir coragem. Era só um pedido... nada de mais, certo?
Então virei para ela, sentindo meu coração disparar levemente
— Yuki, posso... posso copiar o seu trabalho de casa?
Ela olhou para mim por um momento, piscando, mas então deu um pequeno aceno de cabeça.
— Pode sim.
Senti um alívio enorme tomar conta de mim, e se ela tivesse recusado?
Puxei o caderno dela com cuidado e comecei a copiar as respostas. Enquanto escrevia, percebi o quão bonita era a letra dela. Era organizada, redonda, bem diferente da minha, que parecia sempre uma bagunça apressada.
Quando terminei, devolvi o caderno a ela com um sorriso.
— Obrigado, de verdade.
— Não foi nada.
Eu não sabia o que era, mas havia algo de diferente nela.
Voltei minha atenção para o resto da sala, tentando me focar em qualquer coisa que não fosse minha própria vergonha. A classe estava como sempre: grupos de alunos conversando entre si, rindo, discutindo algo que, para mim, parecia distante.
Mas então, um sussurro chamou minha atenção.
Duas garotas estavam sentadas logo à frente, falando baixo, mas não baixo o suficiente.
— Ei, você ouviu sobre o que andam falando? — uma delas disse, inclinando-se para a outra.
— Sobre o quê?
— Ouvi dizer que Yuki e Kazuki estão namorando!
Meu corpo congelou. Por um segundo, não consegui respirar. Um frio tomou conta do meu estômago, e minhas mãos instantaneamente começaram a suar. Era como se um peso invisível tivesse caído sobre mim, afundando meu corpo na cadeira.
— Sério? Que sorte... Eu queria ter ficado com o Kazuki antes. — a outra respondeu, a voz cheia de inveja, sem ter ideia do que suas palavras faziam comigo.
As palavras delas ecoaram na minha mente.
"Yuki e Kazuki estão namorando."
Minha cabeça girava, e a sala parecia mais apertada, sufocante. Eu me sentia tonto, como se o chão estivesse prestes a sumir sob meus pés.
Não podia ser verdade, podia? Kazuki... e Yuki? Por que eles estariam juntos? Eles se davam bem, eu sabia disso. Já os tinha visto rindo juntos algumas vezes, conversando sobre os deveres de representantes da turma. Mas... namorando? Era essa a razão pela qual Yuki parecia distante de mim ultimamente?
Virei minha cabeça lentamente em direção a ela, tentando encontrar algum sinal que confirmasse ou desmentisse o que eu acabara de ouvir. Mas o que vi só piorou a confusão. Yuki, sempre tão serena e confiante, estava com a cabeça baixa, os olhos fixos na mesa, como se tentasse escapar de algo.
Isso era novo. Não era algo que eu costumava ver nela, e aquilo só aumentou a sensação de que algo estava errado, que eu estava à beira de descobrir uma verdade que não queria encarar.
Eu queria acreditar que era só um boato, mais um daqueles rumores que surgem e desaparecem sem deixar rastros. Mas a maneira como ela evitava olhar para os outros, como se carregasse algo pesado... isso me inquietava mais do que o próprio rumor.
E se fosse verdade?
Meu peito apertou ainda mais com essa possibilidade. O que eu faria se Yuki realmente estivesse namorando Kazuki? Onde isso me deixaria? Tudo o que eu senti por ela, mesmo que nunca tenha dito, nunca tive a coragem de falar... Era tarde demais? Ela já tinha feito sua escolha, e não era eu?
Mas havia algo ainda mais profundo, algo que eu não queria admitir. A verdade era que me sentia como se estivesse perdendo algo que nunca tive de verdade.
"Eu nunca teria chance com ela de qualquer forma", era o que eu pensava, tentando me convencer.
Era melhor assim, certo? Mas a sensação de desconforto só aumentava, como se estivesse me enganando.
Não era só sobre ter uma chance. Era sobre Yuki, sobre o quanto eu gostava dela, mesmo que nunca tivesse tido coragem de expressar isso.
Então, o professor entrou na sala, pedindo silêncio, e as conversas ao redor começaram a se dissipar. Mas na minha mente, o barulho só aumentava. Um som desagradável de dúvidas e inseguranças que não iam embora.
Olhei uma última vez para Yuki antes de desviar os olhos de volta para a minha mesa. Se isso fosse verdade, se ela estivesse mesmo com Kazuki... Eu não sabia o que faria.
Tudo que parecia certo agora estava confuso, borrado por uma realidade que eu nunca quis encarar.
Senti-me à deriva, como uma folha solta ao vento, sem direção, sem controle. Era como se eu estivesse sendo levado por algo maior do que eu, algo que não podia impedir ou entender completamente.
E, pela primeira vez, percebi que talvez nunca tenha realmente entendido o que sentia por Yuki... até que fosse tarde demais.