(...)
Charlotte
Ao abrir os olhos, percebi que estava deitada na cama. Levantei-me, vesti meu uniforme e deixei o quarto. Os outros já estavam acordados; Spider sugeriu que partíssemos. Saímos do apartamento e, em poucos minutos, estávamos do lado de fora do prédio, seguindo em frente.
Durante o caminho, encontramos zumbis, esqueléticos e famintos. Agimos rapidamente para limpar nossa rota e continuamos a jornada. Em intervalos, fazíamos pausas para que Dylan pudesse se alimentar e os demais pudessem beber água, antes de seguirmos adiante.
"Quantos quilômetros faltam para chegarmos até a pivetada?" - Perguntou Mika a Spider.
"Devemos chegar amanhã de manhã, se nada acontecer pelo caminho" - respondeu Spider.
"Essa missão vai acabar mais rápido do que eu imaginava."
"Mais rápido é melhor," - intervi enquanto todos me observavam. - "Esse cheiro de decomposição me causa náuseas," - continuei a andar.
"Você conheceu o zumbi que infestou o mundo?" - Mika perguntou, aproximando-se de mim. - "Como ele era?"
"Você quer saber sobre a aparência ou a personalidade dele?"
"Os dois."
"Antes de se tornar um zumbi, ele era moreno, alto e forte. Mas era reservado e mantinha-se afastado dos outros."
"Você chegou a conversar com ele?"
"Sim."
"O que ele disse?"
"Um dia antes de se transformar, eu o encontrei na enfermaria, e ele me aconselhou a fugir. Acredito que ele já estava se transformando em um monstro e, por isso, me alertou para escapar."
"Você fugiu?"
"Não dei atenção ao que ele disse, e no dia seguinte, todos que ele atacou no laboratório se tornaram zumbis. Tivemos que nos manter e eliminar aqueles que haviam se transformado. Mas ele conseguiu escapar, e em vez do exército ir atrás dele, foram atrás de nós. Nos caçaram e mataram meus amigos e a pessoa que eu amava," - falei com raiva.
"Vocês eram nossa prioridade," - Spider disse, e eu parei de andar. - "Por que deixar monstros que geram monstros vivos?" - Ele questionou, e a raiva tomou conta de mim enquanto me aproximava dele, Dylan se colocou na minha frente.
"Monstro. Foram aqueles que nos fizeram isso," - declarei com fúria, enquanto Dylan me segura. - "Você nos chama de monstros. Mas meus amigos não causaram o apocalipse, e sim seus líderes que queriam soldados indestrutíveis. Portanto, os verdadeiros monstros são eles, seu idiota", - sou levantada. - "Me solte, Dylan" - ele começou a andar, apenas parando quando estávamos distantes. - "Qual é o seu problema, caramba?" - Perguntei quando ele me colocou no chão.
"Fique calma."
"Como posso ficar calma, sabendo quem são os assassinos dos meus amigos?" - Perguntei, cheia de raiva, empurrando-o - "Vocês mataram a única família que tive, eliminaram a pessoa que amava, e ainda esperam que eu fique calma. Não me venha com isso, zumbi", - falei, e ele me abraçou. - "Me solte", - ele ignorou meu pedido, apertando seu abraço. - "Eles nunca machucaram ninguém e, mesmo assim, foram mortos por vocês" - falei, chorando. - "Todos estão mortos, e estou sozinha neste inferno sem fim."
Dylan
Não consigo entender por que o senhor nos designou para esta missão, sabendo que caçamos e matamos os amigos dela.
Ele realmente acreditava que ela aceitaria facilmente os assassinos de quem amava?
Além disso, meu irmão despeja sua raiva, dificultando nossa missão. Para ele, os super soldados são responsáveis pela morte da esposa e dos filhos, ignorando que também foram vítimas que pagaram com suas vidas.
Charlotte expressa ódio em sua voz, e com razão, uma vez que a matamos. "Todos estão mortos, e estou sozinha neste inferno sem fim."
Mesmo que pudesse falar, não teria o direito de consolá-la, pois sou um dos responsáveis por sua dor.
Ela se entrega, chorando desesperadamente em meus braços, revelando sua fragilidade emocional. A super soldado destemida desaba, tornando-se uma mulher comum e vulnerável.
"Ela é um monstro, Dylan."
Mas um monstro não choraria assim, não sofreria pela saudade de quem se foi. Monstros não choram!
Os outros passam por nós, e eu me certifico de que não a vejam. Fico aliviado quando ninguém diz uma palavra e seguiram adiante. Os soluços dela diminuem até que ela fica em completo silêncio.
"Após vinte anos vivendo sozinha, me tornei alguém patética e lamentável."
"Você é forte," - escrevo no dispositivo de comunicação, e ela solta uma risada contida.
"Por que fui a única a ter que sobreviver?"
"Se eu pudesse voltar à vida, faria de tudo."
"Você tem seu irmão. Eu não tenho ninguém, então não faria falta a ninguém se eu morresse," - ela diz ao me soltar. - "Desejo minha liberdade. Mas para quê?"
"Você poderá recomeçar sem medo, encontrar um novo amor e ter filhos."
"Melhor irmos," - ela fala e começa a andar. Eu seguro sua mão, e ela me olha. - "Nunca pensei que um zumbi iria me consolar," - diz, e eu dou risadas. - "Mas obrigada. Não estou mais querendo matar seu irmão, então é melhor que ele te agradeça."
Charlotte
Fazia muito tempo que não derramava lágrimas, e acabei liberando todos os sentimentos que me oprimiam há vinte anos, e o pior de tudo foi na presença da pessoa que causou meu sofrimento.
Apesar de saber que Dylan teve participação na morte dos meus amigos, por que não consigo odiá-lo?
"Você pode recomeçar sem medo, encontrar um novo amor e ter filhos."
Por alguns instantes, imaginei nós dois casados, sentados em uma varanda, assistindo nossos filhos brincarem. Isso seria impossível, já que ele está morto e é um zumbi. Por que estou pensando nisso?
É estranho sentir atração por um zumbi, e agora estou imaginando estar casada com ele. O que está acontecendo comigo?
Voltamos a caminhar e, mais tarde, nos juntamos aos outros. Fico aliviada que ninguém menciona meu momento anterior. O irmão de Dylan sugere que busquemos abrigo, e logo encontramos uma casa segura. Ao entrar, vou ao banheiro, ligo a torneira, lavo meu rosto e encaro meu reflexo no espelho.
Meus olhos estão vermelhos e inchados de tanto chorar. Retiro minha corrente de dentro do uniforme, seguro as alianças e fecho os olhos, lembrando de Nicky.
"Quando sairmos daqui, vamos nos casar e viver na minha cabana de caça no Alasca."
Isso não aconteceu porque você está morto.
Abro os olhos, soco o espelho e abaixo a cabeça, cerrando os olhos para conter as lágrimas. Ao me virar, vejo o irmão de Dylan encostado na parede, e ao passar por ele, ele agarra meu braço.
"Só um aviso. Fique longe do meu irmão," - ele diz, olhando para ele. - "Você é uma ameaça ao autocontrole dele, e ele está reagindo bem aos testes."
"Estão tentando trazê-los de volta à vida?"
"Estou apenas cumprindo ordens, mulher."
"Acha que pode me dar ordens, humano?"
"Se não seguir o que estou mandando, farei com você o mesmo que fiz com o seu namoradinho," - ele afirma, e eu fico furiosa, prendendo-o contra a parede e colocando uma faca em seu pescoço. - "Nikolas O'Connell era general americano escolhido para o programa renascente. Foi gratificante atirar em seu coração, e foi ainda melhor vê-la atirando em sua cabeça quando ele se tornou um zumbi."
"Cale-se," - digo, apertando a faca, e em poucos segundos sou puxada para trás, arremessada contra a parede e caindo no chão. - "Você matou o Nicky," - digo com raiva, levantando-me e vendo Dylan na frente dele. Pego minha arma, apontando para ele. - "VOCÊ MATOU MEU NAMORADO."
"Atire, Charlotte," - a voz no dispositivo diz, e engatilho a arma. Ele se aproxima de mim, e a arma fica em sua testa.
"Dylan," - digo seu nome, e ele fecha os olhos. "MALDIÇÃO," - grito, recuando, caindo de joelhos e começando a socar o chão. Ele se abaixa, segurando minhas mãos. - "Seu irmão o matou. Você sabia?" - pergunto, olhando para ele, e ele balança a cabeça negativamente.
"Sinto muito."
"Fizemos o que era certo. Minha família foi morta por causa desse monstro, e não me arrependo de ter matado o companheiro dela, mas me arrependo por não conseguir concluir nossa missão."
"VOCÊ TIROU A ÚNICA PESSOA QUE ME FAZIA FELIZ. ENTÃO TERMINA SUA MISSÃO, ASSASSINO."
"A ÚNICA ASSASSINA AQUI É VOCÊ. POR SUA CULPA, MINHA MULHER E MEUS FILHOS FORAM MORTOS, MONSTRO MALDITO."
"Você está louco."
"Sai daqui, irmão."
"Vai ficar do lado desse monstro?"
"Você precisa parar de culpar os outros pelo que aconteceu com eles. Charlotte não tem culpa do que ocorreu com sua esposa e seus filhos."
"TEM SIM."
"Melhor você sair e se acalmar. Temos uma missão a cumprir."
"Então deixe essa coisa e venha comigo," - ele fala, mas não responde. - "Você está cometendo um erro, Dylan," - diz, e nos deixa sozinhos.
"Ele me odeia devido à família dele?"
"Qualquer pessoa ligada ao programa renascente é culpada pelo que aconteceu com a família dele," - responde, sentando-se no chão e me abraçando.
"Não tenho culpa de nada," - digo, irritada.
"Eu sei. Logo meu irmão verá que você não tem nada a ver com o que aconteceu com a família dele."
"Você não deveria ficar do meu lado, Dylan," - digo, olhando para ele. - "Eu poderia ter atirado na sua cabeça, idiota."
"Mas não atirou," - ele diz, encostando sua testa na minha. - "Isso significa que você se importa comigo."
"Não exagere. Eu só não quis matar alguém que não fez nada contra mim," - falo rapidamente, afastando-me, e ele me puxa, abraçando-me forte, e sinto o cheiro amadeirado dele. - "Por que você cheira tão bem?"
"Porque sou um zumbi cheiroso."
"Bobo," - digo, envergonhada, fechando os olhos. - "Gosto do seu cheiro."
"Só do cheiro?" - Pergunta, e olho para ele.
"É segredo, zumbi," - digo, mostrando a língua.
"Grrr."