PICCOLO
Os próximos meses foram mais difíceis do que imaginei.
Além da minha angústia constante de não poder ficar com Lettie e Naíma, tivemos que enfrentar outro problema: Goku.
Dias depois daquele fim de semana juntos, todo nosso grupo se reuniu na casa de Bulma para fazer os pedidos com as Esferas do Dragão de Namekusei. No entanto, mal chegamos lá e já passei nervoso, pois Lettie reencontrou Vegeta pela primeira vez desde nossa batalha contra os Saiyajins.
Foi um momento bem tenso. Vegeta claramente desgostava dela, pois, na sua visão, ela não passava de uma traidora que preferiu ficar do lado da Terra. Já Lettie, seu transtorno de estresse pós-traumático não permitia que se esquecesse de todas as atrocidades que Vegeta fez e disse.
Ao ler os sentimentos de Lettie enquanto aguardávamos todos chegarem no jardim da Corporação Cápsula, senti que ela estava apavorada ao encarar Vegeta ao longe, pressionando Naíma contra o seu peito como se apenas o olhar daquele maldito pudesse matar sua preciosa filhinha. Devia ser horripilante para ela saber que o cara que a ameaçou forçá-la a ter "filhos de sangue puro" agora a observava com uma bebê nos braços.
Se Vegeta ousasse encostar um único dedo nelas, eu acabaria com ele.
Felizmente, ele não trocou uma palavra conosco durante todo o tempo que permanecemos lá. Porém, a presença de Vegeta não foi a única decepção que sofremos naquele dia.
Gohan, Chi-chi e Lettie estavam muito ansiosos, pois aquele encontro também significava a possibilidade de trazer Goku de volta (de onde quer que estivesse). Todos nós, incluindo os demais amigos de Goku e os Namekuseijins, rodeamos as grandes Esferas do Dragão.
Por pertencer ao Clã do Dragão, Dendê foi o responsável por convocar Porunga, o dragão de Namekusei. Para o meu desespero, Naíma achou divertidíssimo vê-lo conversar com aquelas esferas laranjas e brilhantes. No entanto, quando o massivo e gigantesco Porunga surgiu no céu, seus olhinhos negros se arregalaram e ela se voltou para MIM, pedindo o MEU colo.
Com um sorrisinho triunfante nos lábios, peguei Naíma dos braços da mãe e a aconcheguei nos meus, dando-lhe a proteção que procurava. Fiquei ainda mais alegre quando Lettie também se encolheu no meu peito, porque era a primeira vez que ela testemunhava a aparição do grande dragão das Esferas.
Sendo traduzida por Dendê, Bulma então primeiro pediu para que as almas de Goku e Kuririn fossem trazidas para a Terra, pois os dois haviam morrido em Namekusei e o planeta fora explodido. Se ressuscitassem lá, morreriam outra vez pelo vácuo do espaço.
Contudo, algo aconteceu.
Porunga alegou que apenas a alma de Kuririn poderia ser trazida de volta, pois Goku estava vivo. Foi um choque e tanto para todos ali. Como Goku poderia ter sobrevivido a uma explosão a nível global?
Por um momento, ouve uma calorosa comemoração ao descobrirmos que Goku estava vivo. Chi-chi e Gohan se abraçaram emocionados ao nosso lado. Mas, reparei no semblante fechado de Lettie.
— O que foi? — perguntei.
— É estranho… — Ela me olhou de cenho franzido. — Se o meu irmão está vivo, por que não voltou para a Terra?
— Ora, Tia Lettie — disse Gohan alegremente —, vai ver a nave que ele escapou está com defeito ou alguma coisa assim.
Tanto eu, quanto Lettie e Chi-chi trocamos olhares preocupados. Algo não estava certo naquela história, e nós, os adultos, percebemos isso. Reparei como Chi-chi agarrou a roupa na região do peito, evidentemente segurando o choro.
O segundo pedido foi para que Porunga ressuscitasse Kuririn, o que foi feito sem nenhum problema. Ele apareceu na nossa frente, com uma feição bem confusa, mas logo se deu conta de que fora ressuscitado. Pelo visto, aquilo já estava virando rotina para ele.
Enfim chegou o momento de Bulma pedir que Goku voltasse para a Terra.
Chi-chi agarrou as mãos da cunhada e Lettie retribuiu o gesto; ambas numa espera ansiosa para rever Goku. Um longo minuto de silêncio se passou enquanto os olhos vermelhos de Porunga se iluminavam ao processar o pedido.
— Não posso fazer isso — declarou o gigantesco dragão. — O pedido foi recusado.
Os sorrisos de todos se desmancharam na hora. Ninguém ousou dar um pio.
— Este homem chamado Goku — continuou Porunga —, me informou que voltará por conta própria.
— O-O quê…?! — indagou Chi-chi, com seu rosto pálido.
— Mas por quê? — Gohan voltou-se para mim; os olhos cheios de lágrimas. — Por que meu papai não quer voltar agora? Ele não quer nos ver, Sr. Piccolo?
Mal tive a chance de responder-lhe, e o caos se instalou naquele jardim. Todo mundo começou a falar um por cima do outro do porquê raios Goku recusou voltar para a Terra. Eu e Lettie só conseguimos trocar olhares aflitos, pois Gohan e Chi-chi estavam devastados com a notícia, cabisbaixos, encolhidos e emudecidos ali do nosso lado. Pra piorar, alguém disse em voz alta que Goku decidiu não voltar porque tinha medo da esposa.
— Sr. Piccolo… — Gohan voltou-se para mim outra vez, com a voz embargada de choro. — O meu pai não gosta da gente? É por isso que não quer voltar?
Refleti na sua pergunta. Quão doloroso deve ser para uma criança pensar na possibilidade de o pai não gostar dela a ponto de preferir ficar em outro planeta, provavelmente treinando, enquanto sua família esperava ansiosamente pelo seu retorno. Ao olhar para Naíma ainda em meus braços, não consegui imaginar como Goku teve coragem de deixar o filho aqui, desamparado. Ao meu lado, Lettie consolava Chi-chi, a qual chorava em silêncio.
— Não se preocupe, Gohan — Agora, era eu quem tentava consolá-lo. — Goku disse que vai voltar, em breve. Com certeza ele dará um jeito de vir para a Terra. — Ergui minha cabeça para Porunga. — Ei! No lugar de Goku, ressuscite um dos guerreiros que estão com o Sr. Kaioh!
Um tempo depois, Yamcha apareceu na nossa frente. Tenshinhan e Chaos decidiram ficar mais um pouco com o Sr. Kaioh e seriam ressuscitados da próxima vez que as Esferas do Dragão de Namekusei voltassem a funcionar. Feito isso, Porunga desapareceu e as Esferas do Dragão se dispersaram pelo mundo.
Os próximos 130 dias foram um tremendo desafio para aquele nosso pequeno grupo familiar.
Por conta da notícia de que Goku não retornaria, o estado emocional de Chi-chi e Gohan piorou consideravelmente. Agora, ambos faziam terapia, mas a melhora era lenta e sofrida.
Resultado disso: precisei passar meus dias da semana de olho em Gohan e sua mãe, para ver se continuavam bem, sozinhos naquela casa no meio do nada. Consequentemente, eu também aproveitava para ver Lettie e Naíma, já que moravam perto.
Nossos fins de semana agora também incluíam Chi-chi, para que ela não se sentisse ainda mais solitária. Isso pelo menos ajudou que meus sentimentos por Lettie se controlassem um pouco, pois, com Chi-chi por perto, eu não tinha tanta liberdade para deixar que aflorassem.
Mesmo assim, ainda era difícil.
Estar na presença de Lettie e Naíma só me fazia lembrar o quanto meu destino infeliz ainda era uma realidade. Doeu muito assistir minha filhinha crescer diante dos meus olhos naqueles próximos meses, com sua mãe acompanhando cada fase do seu desenvolvimento, e eu precisar reprimir meus sentimentos paternais e amorosos para com elas.
Naíma foi se tornando uma bebê extremamente fofa. Nunca conheci ser humano mais puro e adorável do que ela. Mesmo não sendo filha biológica de Lettie, não tenho dúvidas de que ela também era capaz de subir na Nuvem Voadora. A cada dia que passava, vi-a aprender a sentar, a reagir às nossas brincadeiras, a dançar ao som de qualquer música clássica, a melhorar sua coordenação motora e se fortalecer até que começou a engatinhar.
Era a coisinha mais engraçada do mundo, ver ela engatinhar atrás de mim ou Gohan quando estávamos pela casa, rindo alto e achando a maior graça em nos perseguir. De fato, eu concordava com a alegação de Lettie: Naíma fora um presente dos céus. Sua existência trouxe a alegria que nosso grupo familiar tanto precisava em meio a tantas aflições e angústias.
Falando em Lettie, nada a empolgou mais quando finalmente chegou a fase da introdução alimentar para Naíma. Para uma amante da culinária como ela, ter a oportunidade de ensinar sobre diferentes alimentos e sabores para sua filha foi mais do que prazeroso, foi uma honra.
A cada dia que se passava, eu amava mais aquela mulher. Assim como testemunhei a evolução da pequena Naíma, também testemunhei a evolução de sua mãe.
Lettie estava bem longe daquela pessoa insegura e medrosa que conheci na ilha do Mestre Kame. Agora, era uma mulher madura, mãe e dona do próprio Dojô. Além, é claro, da sua genética contribuir para que ficasse cada dia mais bela, com seus cabelos negros curtos contrastando com sua pele clara e os olhos azuis brilhando uma luz de esperança numa noite tempestuosa.
Mais do que tudo isso, Lettie me fazia querer ser um homem melhor. Mesmo nos dias em que não nos víamos, ela ainda me fazia refletir sobre a vida e sobre o que realmente importava. Lembro-me nitidamente das palavras que eu disse na ilha do Mestre Kame, quando Gohan fora sequestrado por Raditz:
"Não procuro a paz deste planeta e não me interessa o que pode acontecer com seu filho, Goku. Ele só está interferindo o meu plano… de conquistar o mundo!"
Hoje, sinto uma profunda vergonha e constrangimento ao saber que proferi essas palavras com tanta indiferença. Como eu era ridículo e infantil. Agora, o que eu mais desejava era que este mundo encontrasse paz, e que Gohan ficasse bem.
Entretanto, como meu Inimigo disse, o preço deste meu novo sonho seria caro. Muito mais do que eu poderia aguentar. Ter de conviver com Lettie e Naíma sem poder demonstrar o meu amor com total liberdade estava se tornando… insuportável.
Muitas das minhas noites de sono eram recheadas com pesadelos ou sonhos confusos. Minhas dores de cabeça eram constantes. Eu vivia emocionalmente exausto. Como se eu travasse uma batalha a cada segundo na minha mente. Para falar a verdade, acho que era isso mesmo o que acontecia.
E o meu Inimigo sempre ganhava.
Fui um tolo ao pensar que poderia fechar meu coração para Lettie e Naíma. A cada vez que eu as via, ele se abria mais. A sensação que eu tinha era de que minha esposa e filha estavam ali, bem na minha frente, mas eu não podia declará-las como minhas.
Eu via como os olhos de Lettie brilhavam de felicidade quando eu estava com Naíma; ora brincando, ora dando mamadeira ou papinha, ora lendo algum livro infantil, ou até quando eu trocava aquela bomba que chamavam de fralda.
Em tudo, eu lia seus sentimentos e sabia o quanto ela também desejava uma vida comigo. Mas eu não podia simplesmente chegar nela e dizer: "Lettie, sinto muito eu não poder me casar com você, porque, se fizermos isso, nossos filhos, incluindo esta pequena bebê em seus braços, morrerão sem misericórdia. Lide com isso."
Seria cruel demais. Para mim e para ela.
Tudo isso só me fez questionar: qual é o ponto de viver com as pessoas que você ama, sem o direito de poder amá-las por completo?
Foi então que decidi ir embora.
Aproximava-se o prazo dos 130 dias que as Esferas do Dragão de Namekusei ficariam prontas para uso de novo. Daquela vez, eu sabia que meus conterrâneos desejariam que Porunga os levasse para um novo planeta, para começarem uma nova vida.
E eu pediria para ir com eles.
Mesmo que a ideia de ficar longe de Lettie, Naíma e Gohan para sempre me dilacerasse por dentro, ao menos, eu partiria com a esperança de que poderiam ter uma chance de ficarem seguros. Porque talvez o fato de eu ir embora fizesse com que minha maldição não se cumprisse e eles não morressem nas mãos de um inimigo impiedoso, não é?
Eu os amava a tal ponto que estava disposto a deixá-los para trás para serem felizes sem mim.
Foi a decisão mais devastadora da minha vida. Quando eu não estava com eles, a única coisa que eu conseguia fazer era chorar, isolado num lugar inóspito, incapaz de ao menos pensar em treinar.
Então, pela segunda vez, nos reunimos nos jardins da Corporação Cápsula para invocarmos Porunga. Lettie não sabia do meu plano de partida. Estava alheia a qualquer ideia que eu tinha de abandoná-la, mas me dava um sorriso triste com a perspectiva de se despedir dos outros Namekuseijins, os quais criaram um vínculo de carinho muito especial com esta bondosa Saiyajin e sua bebê durante o tempo que passaram juntos.
Após Porunga aparecer nos céus, Dendê fez os dois primeiros pedidos: trazer de volta Chaos e Tenshinhan. Admito que foi um momento emocionante. De alguma forma, acho que eu via naqueles dois guerreiros um relacionamento muito parecido com o que eu tinha com Gohan.
O Grande Patriarca do meu povo fez um discurso de agradecimento por todo o cuidado e hospitalidade que receberam. Em seguida, Dendê se despediu de Gohan e Naíma. Partiu meu coração ver aquelas três crianças se entristecerem profundamente ao darem adeus uns aos outros. Até Naíma, por mais pequena que fosse, pareceu entender a situação e chorou, baixinho, no colo da mãe.
Após isso, Dendê se dirigiu ao grande Porunga para fazer o pedido.
Era agora ou nunca. Tinha de ser rápido, senão eu não conseguiria.
— Dendê? — Dei um passo a frente. Minha pulsação disparava.
— Hã? — Ele virou-se para mim, confuso. — Sim, Sr. Piccolo?
Abri minha boca para falar…
Diga logo! É só dizer: "Quero ir com vocês para o novo planeta!". Só isso!
Mas nada saiu.
Eu travei. As palavras sumiram.
— Sr. Piccolo? — repetiu Dendê. — Tem algo de errado?
Todos me olhavam. Lettie, especialmente.
RÁPIDO, PICCOLO!!!
— Eu… hã… — Cocei atrás da cabeça. — Eu só… é… Eu só queria desejar… uma boa viagem. — E voltei ao lado de Lettie, cabisbaixo.
NÃO!!!
Tarde demais.
Dendê me deu um sorriso gentil e, enfim, fez o pedido a Porunga. Cinco segundos depois, todos os Namekuseijins desapareceram.
Soltei um longo suspiro cansado e senti Lettie tocar meu braço.
— Ei… Você está bem? Não imaginei que ficaria tão triste com a partida de Dendê… — Ela me deu um sorriso triste. — Eu também fiquei, mas não se preocupe. Tenho certeza de que ele será muito feliz. Quem sabe até vem nos visitar no futuro?
Bom… Pelo menos, Lettie ainda continuava alheia do verdadeiro motivo do meu abatimento. Como resposta, consegui apenas assentir com um pequeno sorriso para ela. Mas, na minha cabeça, a única voz que eu ouvia era a do meu Inimigo:
"Você é mesmo um fraco, um covarde."
Talvez ele tivesse mesmo razão.
O próximo mês correu como nos anteriores; Lettie continuou dando suas aulas, Naíma continuou crescendo, Gohan continuou estudando e passando seus fins de semana conosco, e eu… continuei mergulhado numa profunda perturbação.
Até que chegou o dia. O qual, a partir dele, faria com que minhas preocupações só aumentassem, eu sentiria que meu horripilante pesadelo estava mais perto de se tornar realidade, e temeria pela vida daqueles que eu amava.
A presença de um Ki se aproximou da Terra. Mas não era o Ki de Goku, como esperávamos. Era um Ki maligno, da última pessoa que passaria pelas nossas mentes:
Freeza.
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