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Diários Sob a Luz do Sol

O sol da manhã banhava a paisagem com sua luz dourada, e não pude deixar de apreciar o calor agradável que acariciava minha pele. Depois de tanto tempo no abismo, estar de volta à superfície era quase surreal. Contudo, havia uma estranheza subjacente nessa nova realidade, a maldita mana.

É claro que amo a mana, não entenda errado, mas fui obrigado a balançar a cabeça a cada poucos minutos para tentar dissipar a vertigem que ela estava me causando. A mana na superfície é opressora, diferente da escassez que experimentamos no submundo. É como se o ar estivesse carregado de uma energia invisível, pulsante, que meu corpo ainda não consegue processar completamente. A cada passo que dou, parece que meu equilíbrio está um pouco fora do lugar, como se o chão sob meus pés estivesse instável.

Cassandra, a guerreira que me acompanha, caminha à minha frente com passos firmes, como se nada disso a afetasse. Ela parece inabalável com tudo isso, concentrada no objetivo. Tento puxar conversa todo santo dia, fazer perguntas sobre o que ela espera encontrar, mas a mulher se mantém em um silêncio resoluto, quase frio. Apenas a espada que carrega nas costas parece ser digna de sua atenção.

— Hoje também está muito calada, hein?

Meu tom leve para quebrar o gelo não adiantou de nada. Cassandra apenas me olhou de canto, sem diminuir o ritmo. Que tipo de educação é essa? Eu me pergunto o mesmo a dias. Como ela pode me tratar assim depois de sobrevivermos ao inferno juntos?

Bom, já me acostumei. Ela realmente não está disposta a ceder à minha tentativa de conversa. Com esse seu ar taciturno, ela avança dia após dia sem hesitação, forçando-me a acelerar o passo para acompanhá-la.

Todas as manhãs, a observo treinar. Mesmo após dias de viagem, ela não deixa de praticar com sua espada. Na verdade não parece muito boa, seus movimentos são mais adequados para um machado, no entanto, faz o que pode. Já devo ter dito isso, mas tem certa beleza nesse esforço, uma beleza que aparece independente da pele queimada repuxando com os movimentos bruscos.

O caminho para Barueri foi longo, mas quando finalmente chegamos, a visão da cidade me surpreendeu de uma forma que poucas coisas conseguiram. Faz tempo que não vejo uma cidade de verdade, e devo dizer que a superfície se desenvolveu de uma maneira que eu nunca poderia ter imaginado.

As torres de concreto e vidro se erguem orgulhosas, integradas com uma espécie de tecnologia mágica que eu mal consigo começar a entender. Vias flutuantes conectam os edifícios, como teias de aranha que brilham sob a luz do sol, transportando pessoas e mercadorias em plataformas que desafiam as leis da física que conhecíamos. 

— Isso é a força da humanidade!

Realmente é uma visão que me faz questionar se ainda estamos no mesmo mundo, ou se de alguma forma cruzamos para uma nova realidade. E então meus olhos caíram sobre as pessoas… Ah, as pessoas… como podem parecer tão saudáveis? Olhando minha própria pele extremamente pálida, sinto que estou com alguma doença em estágio terminal. É certeza que vou chamar atenção indesejada…

Notei também os comerciantes do outro lado do muro, se movendo rapidamente como sempre. Não vejo a hora de me aproximar. Parece rústico, mas eles têm displays holográficos que flutuam no ar, exibindo os preços e as qualidades dos itens como em uma espécie de feitiço digital. É tão incrível! 

Cassandra, entretanto, não parece nem um pouco impressionada. Ela não diz uma palavra enquanto passamos pelos portões da cidade, mesmo quando o guarda quase nos barra de forma rude. Apenas continua a caminhar, e caminhar, e caminhar, sempre com os olhos fixos à frente. Tentei distraí-la de mil formas, apontando para algumas das coisas que sentia falta e que não existiam no abismo, mas ela realmente não parece interessada. Suas respostas são monossilábicas, se é que responde.

Mas foi aí que algo chamou minha atenção. Nunca imaginei que essa gigante conseguiria fazer uma expressão tão fofa, mas seu semblante fechado foi fisgado por uma pequena barraca em um dos cantos do mercado. Ela está tentando disfarçar, mas posso ver que está quase babando enquanto encara os doces. Uma visão rara, devo dizer. Fiquei surpreso ao perceber que, por trás de toda aquela armadura, ainda havia uma garota que se encantava com coisas simples. Não a julgo, os doces de Tenebris eram péssimos.

Um sorriso de canto surgiu em meu rosto quando caminhei em direção à barraca, certificando-me de que ela não percebesse. O vendedor, um senhor de idade com um ar amigável, me cumprimentou com um aceno de cabeça. As prateleiras estavam repletas de diferentes tipos de guloseimas, cada uma mais colorida e tentadora que a outra. Escolhi alguns dos doces que achei que poderiam agradá-la e paguei ao homem, que estranhou o dinheiro, mas ainda assim aceitou. Ufa! 

Assim, voltei a caminhar ao lado de Cassandra. Esperei alguns minutos, fingindo não notar seu interesse inicial pelos doces, até que finalmente tirei o pacote do bolso e comecei a mastigar uma estranha bala rosa.

— Quer um?

Bingo! No instante em que minha pergunta casual saiu da minha boca, já senti que havia ganhado. Cassandra parou de andar e olhou para o pacote em minha mão. Seus olhos revelavam uma mistura de surpresa e desejo, mas, mantendo sua fachada, apenas bufou e estendeu a mão para pegar o doce. No entanto, antes que seus dedos pudessem alcançá-lo, puxei o pacote para trás.

— Não vou entregar até você parar de ser tão rude e conversar um pouco comigo.

Ela revirou os olhos com um suspiro de impaciência, claramente não impressionada com minhas tentativas de provocá-la. No entanto, a tentação do doce parecia ser mais forte do que seu orgulho. Relutantemente, estendeu a mão mais uma vez, dessa vez com um olhar de resignação.

— Tá bom, tanto faz — resmungou ela, finalmente pegando o doce que eu lhe ofereci. Seus movimentos eram rápidos e precisos, como se temesse que eu mudasse de ideia a qualquer momento. Sinceramente, achei que seria mais difícil. — Por que você me seguiu até aqui?

A pergunta foi direta, mas havia um tom de curiosidade genuína em sua voz, como se ela realmente quisesse entender minhas motivações. Eu só pude sorrir, aproveitando a inesperada oportunidade de diálogo. 

— Nosso objetivo é semelhante — respondi, dando de ombros. — Estou documentando a trajetória de Ana.

Cassandra parou de mastigar e me olhou, surpresa. 

— Achei que você só queria sair do abismo.

— Bom, isso também. Mas a história de Ana é... única. Vale a pena ser contada. 

Ela bufou novamente, mas dessa vez havia um leve sorriso em seus lábios, algo que eu não via há muito tempo. 

— Pelo menos vai ter alguém para ajudar a encontrá-la — disse ela, com uma ponta de sarcasmo.

Foi nesse momento que algo na praça chamou minha atenção. Era um grande mural eletrônico onde as notícias passavam continuamente. Meu coração acelerou ao ver as imagens estampadas ali.

— Não parece que vai ser muito difícil. A Glutona é pura história…

Cassandra seguiu meu olhar e, ao ver os cartazes, sua expressão se tornou séria. As feições de Ana e alguns estranhos companheiros estavam ali, escritas com uma precisão que deixava pouco espaço para dúvidas. 

— Vivos ou Mortos… 

Fiquei meio confuso, mas o murmúrio de Cassandra finalmente me fez perceber o texto em letras grandes e ameaçadoras, acompanhado de promessas de recompensas generosas.

— Isso só torna tudo mais interessante, não acha?

Cassandra não respondeu imediatamente. Ela apenas assentiu, ainda com os olhos fixos nas imagens, como se estivesse planejando seus próximos passos, mas eu notei sua boca tremendo em uma animação que ela estava tentando segurar. 

Ali, diante daquela tela, ambos sabíamos que o destino de Ana e de todos nós estava prestes a se entrelaçar novamente. A caçada havia começado, e nós estávamos bem no meio dela.