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A Crônica do Contador de Histórias

Após uma vida de poucas conquistas e repleta de arrependimentos, Vanitas recebe uma segunda chance ao reencarnar como um bebê em um mundo onde magia e espadas fazem parte do cotidiano. Determinado a deixar seu passado para trás, ele abraça essa nova chance, vivendo com uma trupe itinerante de artistas da corte. Entre apresentações e jornadas por novas terras, Vanitas aprimora seu talento nato para o alaúde, mas é na magia que seu verdadeiro poder desperta. Sob a tutela da poderosa Arcanista Marceline, ele mergulha nos segredos da simpatia, a arte mágica que, desde o início, acendeu seu desejo de invocar o vento. No entanto, o destino de Vanitas toma um rumo inesperado quando cruza caminho com o enigmático grupo Sombraim, cujos segredos ocultos trazem à tona verdades sombrias sobre o mundo e sobre sua própria reencarnação. Em busca de respostas, Vanitas parte em uma jornada por terras desconhecidas, onde cada nova descoberta o arrasta ainda mais profundamente para os segredos esquecidos da história. Ao longo do caminho ele encontra aliados improváveis, constrói amizades inquebráveis e se apaixona... mas o que realmente aguarda em seu destino é algo que supera tudo isso. Com a chance de mudar o mundo em suas mãos, Vanitas precisa decidir entre seguir o caminho das revelações ou se perder nos laços do amor e da amizade. O peso dessa escolha pode mudar para sempre o curso de sua vida — e a de todos ao seu redor.

porep · Fantasi
Peringkat tidak cukup
88 Chs

LII. CHIFRE PT.3

Todos os professores deram sinais de estar se preparando para levantar e sair, mas, antes que pudesse ocorrer o encerramento, levantei a voz:

— Senhor Reitor?

Ele respirou fundo e soltou o ar numa bufada.

— Sim?

— Durante meu exame de admissão, o senhor disse que minha entrada no Arcano estaria assegurada mediante a comprovação de eu haver dominado os princípios básicos da simpatia — relembrei, citando quase literalmente as palavras dele. — Isto constitui uma prova?

Hilme e o Reitor abriram a boca para dizer alguma coisa. Hilme falou mais alto:

— Olhe aqui, seu pirralhinho!

— Hilme! — rebateu o Reitor que, em seguida, voltou-se para mim. — Receio que a comprovação de maestria exija mais do que uma simples conexão simpática.

— Uma conexão dupla — corrigiu Kelvin em tom brusco.

Elohkar levantou a voz, parecendo assustar todos à mesa:

— Sou capaz de pensar em alunos atualmente matriculados no Arcano que ficariam em grandes apuros para concluir uma conexão dupla, e, mais ainda, para reunir calor suficiente para "fazer bolhas nos pés de um homem até os joelhos".

Eu havia esquecido como a voz leve de Elohkar se movia pelas profundezas do meu peito quando ele falava. O mestre tornou a me dar um sorriso alegre. Houve um momento de silenciosa reflexão.

— É verdade — admitiu Lal Mirch, examinando-me com ar atento.

O Reitor baixou os olhos por um minuto para a mesa vazia. Depois encolheu os ombros, olhou para cima e deu um sorriso surpreendentemente animado:

— Todos a favor de aceitar o uso temerário da simpatia feito pelo estudante Vanitas, aluno do primeiro período, como prova de seu domínio dos princípios fundamentais da simpatia, levantem as mãos.

Kelvin e Lal Mirch levantaram as mãos juntos. Armin acrescentou a dele um instante depois. Elohkar fez um aceno com a mão estendida para o alto. Após uma pausa, o Reitor também levantou a mão e disse:

— Cinco e meio a favor da admissão de Vanitas no Arcano. Moção aprovada. Encerrada a reunião. Que Ardonai nos proteja a todos, os tolos e as crianças.

Esta última frase ele disse bem baixinho, apoiando a testa na base da mão. Hilme saiu da sala batendo os pés, com Brandon ao seu lado. Depois que os dois cruzaram a porta, ouvi Brandon perguntar:

— Você não estava usando a proteção?

— Não, não estava — rebateu Hilme com brusquidão. — E não use esse tom comigo, como se a culpa fosse minha. É como se você culpasse um sujeito esfaqueado numa viela por não estar de armadura.

— Todos devemos tomar precauções — disse Brandon, procurando aplacá-lo. — Você sabe disso tão bem quanto...

Suas vozes foram cortadas pelo som de uma porta fechando.

Kelvin levantou-se, encolheu os ombros e se espreguiçou. Olhando na minha direção, coçou a barba revolta com as duas mãos, com uma expressão pensativa no rosto, e se aproximou de onde eu estava.

— Você já estudou siglística, A'lun Vanitas?

Olhei-o sem entender.

— O senhor se refere às runas, Mestre? Receio que não.

Kelvin passou as mãos pela barba, pensativo.

— Não se incomode com a aula de Fundamentos de Artificiaria em que se inscreveu. Em vez disso, vá à minha oficina amanhã. Ao meio-dia.

— Receio ter outro compromisso ao meio-dia, Mestre Kelvin.

Hmmm. Sim — fez ele, franzindo o cenho. — Então ao primeiro sino.

— Creio que o menino terá um encontro com o meu pessoal logo depois do açoitamento, Kelvin — disse Armin, com um brilho divertido no olhar. — Mande alguém levá-lo para a Iátrica depois, filho. Vamos recosturá-lo.

— Sim, senhor, obrigado.

Armin acenou com a cabeça e se retirou da sala. Kelvin o viu afastar-se e tornou a se voltar para mim.

— Na minha oficina. Depois de amanhã. Ao meio-dia.

O tom de sua voz deixou implícito que não se tratava propriamente de uma pergunta.

— Será uma honra, Mestre Kelvin.

Ele grunhiu a título de resposta e foi embora com Lal Mirch.

Assim, fiquei sozinho com o Reitor, que permanecia sentado. Fitamo-nos enquanto o som dos passos desaparecia no corredor. Retirei-me do Coração Congelado e senti uma fisgada de expectativa e medo depois de tudo que acabara de acontecer.

— Lamento lhe causar tantos problemas tão cedo, senhor — arrisquei, hesitante.

— Ah, sim? — fez ele. Sua expressão era consideravelmente menos severa, agora que estávamos sozinhos. — Quanto tempo você pretendia esperar?

— Pelo menos uma onzena, senhor — respondi. Minha roçada no desastre me deixara tonto de alívio. Senti um sorriso irreprimível despontar em meu rosto.

— Pelo menos uma onzena — resmungou o Reitor. Pôs as mãos no rosto e o esfregou, depois levantou os olhos e me surpreendeu com um sorriso irônico. Notei que não era particularmente velho, quando não tinha o rosto cristalizado numa expressão severa. Provavelmente não passava de uns 40 e poucos anos. — Você não está com jeito de quem sabe que será açoitado amanhã — comentou.

Afastei a ideia.

— Imagino que irei melhorar, senhor — respondi. Ele me lançou um olhar estranho, que demorei a reconhecer; como aquele a que me havia acostumado na trupe. Abriu a boca para falar, mas me lancei sobre as palavras antes que conseguisse proferi-las. — Não sou tão novo quanto pareço, senhor. Eu sei disso. Só gostaria que os outros também soubessem.

— Imagino que logo venham a saber — ele comentou e me deu um olhar prolongado, antes de se levantar da mesa. Em seguida estendeu a mão. — Seja bem-vindo ao Arcano.

Apertei-lhe a mão solenemente e nos despedimos. Encontrei o caminho da saída e me surpreendi ao ver que já era noite fechada. Inspirei uma grande lufada do doce ar primaveril e senti meu sorriso voltar à tona.

E então alguém pôs a mão em meu ombro. Dei um pulo de meio metro e por pouco não caí em cima de Leif na confusão de gritos, arranhões e dentadas que tinha sido meu único método de defesa em Notrean.

Ele deu um passo atrás, assustado com a expressão do meu rosto.

Tentei tranquilizar meu coração disparado.

— Desculpe, Leif. É só que... procure fazer algum barulho quando chegar perto de mim. Eu me assusto com facilidade.

— Eu também — murmurou ele, trêmulo, passando a mão pela testa. — Mas não posso culpá-lo, na verdade. Enfrentar o Chifre faz isso com os melhores dentre nós. Como foram as coisas?

— Serei açoitado e fui aceito no Arcano.

Ele me olhou com curiosidade, tentando descobrir se eu estava fazendo piada.

— Sinto muito e parabéns? — disse, com um sorriso tímido. — Devo comprar-lhe um curativo ou lhe oferecer uma cerveja?

Retribuí o sorriso.

— Os dois.

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Quando voltei ao quarto andar do Cercado, o boato sobre minha não-expulsão e minha aceitação no Arcano já se espalhara, precedendo minha chegada. Fui recebido com alguns aplausos de meus companheiros de beliche. Hilme não era muito querido. Alguns de meus colegas me deram parabéns, assombrados, enquanto Basil fez questão de se aproximar para apertar minha mão. 

Eu tinha acabado de me sentar em meu beliche e estava explicando a Basil a diferença entre um chicote simples e um azorrague quando o encarregado do terceiro andar apareceu à minha procura. Instruiu-me a empacotar minhas coisas e explicou que os estudantes do Arcano ficavam alojados na ala oeste.

Todas as minhas posses cabiam perfeitamente em meu saco de viagem, de modo que isso não deu muito trabalho. Quando o encarregado me levou embora, pude ouvir um coro de despedidas de meus colegas calouros.

Os beliches da ala oeste eram parecidos com os que eu havia deixado. Continuavam a ser fileiras de camas estreitas, mas não formavam pilhas muito altas. Cada cama tinha um pequeno guarda-roupa e uma escrivaninha, além de um baú. Nada muito chique, mas decididamente era um progresso.

A diferença principal apareceu nas atitudes de meus colegas. Encontrei caras fechadas e olhares furiosos, embora, na maioria dos casos, eu fosse francamente ignorado. Foi uma recepção gélida, sobretudo à luz das boas-vindas que eu tinha acabado de receber de meus companheiros não pertencentes ao Arcano.

Era fácil compreender por quê. A maioria dos estudantes frequenta a Academia por vários períodos antes de ser aceita no Arcano. Todos ali haviam trabalhado duro para subir nas fileiras.

Eu não.

Apenas três quartos dos beliches estavam ocupados. Escolhi um no canto dos fundos, longe dos outros. Pendurei minha camisa extra e minha capa no guarda-roupa e pus o saco de viagem no baú aos pés da cama.

Deitei-me e fiquei olhando para o teto. Meu beliche estava fora da luz das velas e candeeiros de simpatia dos outros estudantes. Finalmente eu era membro do Arcano, que, de certo modo, era exatamente onde eu sempre quisera estar.