— O que você fez com meu corpo? — Caron sussurrou, fraco demais para sequer abrir os olhos. Mas ele sabia exatamente quem estava a sua frente.
— Na verdade, não é seu corpo.
Mesmo que aparentasse um bom humor, o Feiticeiro Negro sentia o oposto disso, ainda se perguntava o motivo de não terem matado Caron, quando ele claramente foi entregue de bandeira.
O que aquele homem pensou quando percebeu a vulnerabilidade de Caron, mesmo? Se questionava o Feiticeiro. Ah, certo. Salmos 94, versículo um. Seja lá o que isso significa…
— Levante-se. — Disse o Feiticeiro Negro, Caron se pôs em pé imediatamente, feito uma marionete. — Parece que eu subestimei aquelas crianças…
A garotinha loira de olhos azuis escuros mergulhou as flechas que atirou em Caron em seu Dom, a luz, a fraqueza de toda Magia Negra. A pele de Caron não teria sofrido muitos danos, mas graças às artimanhas daquela criança, ele demoraria a se recuperar.
— Eu deveria simplesmente matar todos eles? — Murmurou o Feiticeiro, quase para si mesmo.
Caron ficou tenso de imediato, sua mão alcançou sua espada por reflexo, seus olhos completamente abertos e atentos.
— Ele não…
— Veja só, esse é o seu problema! Sempre preso a memórias de um passado unilateral.
— Ele não! — Repetiu Caron, em um tom de súplica. — Por favor…
O Feiticeiro Negro riu.
— Você é um homem patético, Caron… — Sua risada sumiu, e embora Caron não soubesse, o Feiticeiro o encarou como se visse seu próprio reflexo. — Tenho vontade de vomitar só de olhar para o seu rosto.
Aquele desespero era algo familiar demais para o Feiticeiro Negro, que antes de se entregar para magia negra, esteve na mesma angústia e medo. Mas eles eram completamente diferentes, o Feiticeiro teve sua família arrancada de si, enquanto Caron foi o responsável por destruir o que ele chamava de família.
Caron teve todas as chances de desistir da magia negra antes que ela o consumisse, mas nunca conseguiu lidar com suas consequências e voltava para o seu poder sombrio todas as vezes. Tantas chances de ter sua família segura ao seu lado…
— Me pergunto se você enxerga algo naquele menino além de uma réplica de sua irmã…
O silêncio de Caron foi a confirmação que o Feiticeiro precisava. Mas isso era bom, arriscando a dizer: formidável!
O Feiticeiro Negro queria todas aquelas emoções borbulhando a sua volta, só assim, quando quebrassem a alma de Caron, ele teria o total controle sobre um O'Niell. Finalmente…
E Caron seria quebrado, porque sabia que se qualquer outra pessoa nesta caverna que o matasse — menos os guardas reais, é óbvio, — David os perdoaria. Saber que a única pessoa que o mantém um pouco são, não se importa com sua vida, ou seu legado, destruiria Caron de uma maneira que o Feiticeiro Negro jamais conseguiria.
A alma de um O'Niell era preciosa demais para que ele se desse ao luxo de permitir um gatilho, algo que um dia poderia liberta-la.
Passos foram ouvidos em algum lugar distante da caverna.
— A Espada de Aled… — Caron sussurrou, estava pronto para segui-los e completar a missão que seu mestre havia lhe dado. Sem sequer saber que era apenas uma isca. — Mestre, me deixe…
Seu corpo não moveria enquanto o Feiticeiro Negro não o liberasse.
— Tenho uma proposta melhor.
★☆★☆
— Explodir a caverna, você diz? — O Rei parou de lutar, não que ele tivesse chance, de qualquer forma. Os O'Niells tinham o poder de amaldiçoar os espiritos, ou prendê-los em um cristal de fogo, algo raro de se encontrar, mas não impossível.
Se o Espírito Mentor não tivesse a mão do Príncipe Dos Feéricos em sua garganta, seria uma história diferente. Mas quando abaixou sua guarda perto do príncipe, estava praticamente acabado. Quando amaldiçoados, os Espíritos passavam a habitar algo que os humanos poderiam chamar de inferno.
Principalmente porque a classificação de Rei é um Espírito Mentor, ou seja, sem muitas técnicas de combate para alguém que pode tocar em um Espírito.
— Você vem até mim exigir uma relíquia sagrada, traz consigo a morte em pessoa, foge por quatro dias enquanto destroem esse lugar e ainda vai explodir a Caverna Sagrada? — Rosnou o Rei. — Tem razão, eu me equivoquei, você nunca seria um Herói.
David revirou os olhos, apesar da situação.
— Você jura?
O que significava, mais tempo sem o Rei ver sua família. Na verdade, visto que eles iriam explodir a caverna, talvez ele nunca mais fosse vê-los. Quando sentiu que David era sua única esperança não era somente um palpite, e sim uma premonição.
Mais do que nunca, David Allans era o único que poderia ser um Herói, mesmo que por culpa do próprio Príncipe Dos Feéricos.
O Rei se obrigou a relaxar.
— Sinto muito, eu me exaltei.
A voz de Simon chegou aos seus ouvidos novamente.
— David! Confie em mim, por favor! Só dessa vez, confie em mim!
O príncipe vacilou. A primeira coisa que Caron lhe ensinou foi a nunca confiar em ninguém, e várias vezes se provou estar certo. Se um O'Niell desejasse sobreviver, não poderia confiar sequer em si mesmo. Sempre foi assim.
Mas estava certo? Quantas vezes o Príncipe Dos Feéricos dependeu de seus amigos para salvar sua vida? Aquela era sua família, como poderia David não acreditar neles com toda sua alma?
O Rei sentiu seu conflito, a confusão em seu coração, então colocou uma mão sobre o ombro do príncipe.
— Eu jamais machucaria uma criança… confie em mim também, pequeno príncipe…
Quão diferente eu seria de Caron, se continuasse a seguir seus princípios? Se perguntou o Príncipe Dos Feéricos. Como não conseguiu chegar a uma resposta satisfatória, recuou um passo, libertando o Rei e recolhendo suas asas.
Simon olhou para David, chocado ao vê-lo ceder, mas durou menos de um minuto, logo correu para abraçar o Espírito Mentor e quase se chocou contra a parede.
— Obrigada! Obrigada. — Os dois agradecimentos foram por coisas completamente diferentes, é claro.
Angel se jogou no chão, exausta por fugir de Caron e por tentar afastar seu irmão de David, e meio que desejou que o príncipe não o segurasse pelo colarinho e Simon tivesse batido com a cara na parede.
— E então? Ele não é um espião? — Questinou Ethan, igualmente aborrecido.
— Por hora, dar uma chance para o Roberto… — Disse David, passando a mão pelo cabelo, em um gesto frustado. — E ficar alertas...
— Não se preocupem tanto, Roberto não é um espião! Além disso… — Simon também se jogou no chão, cansado, mas bem humorado. — David está aqui para nos proteger, não é?
Algo como um clique soou na cabeça de David, e embora Simon estivesse apenas jogando sua responsabilidade para o colo do amigo, o Príncipe não deixou de pensar: como é que eu vou deixar Arbor sem eles?
Nenhum barulho soou na caverna, mas Aled entrou silenciosamente no ponto de encontro, estava feliz em anunciar que o plano estava começando a ser iniciado, mas não conseguiu dizer isso de maneira pacífica.
— Pesoal eu…
Angel gritou, seguida de Ethan e Simon. Ainda estavam se recuperando do susto de encontrar Caron, momentos atrás, então levaram um susto com a voz animada.
O pânico fez Aled se assustar e deixar cair a bomba caseira criada por Ethan que estava em suas mãos. No segundo seguinte, estava prestes a se jogar em cima da bomba, ao perceber seu erro.
David foi mais rápido e usou a escuridão para jogar o objeto para cima. Sequer percebeu quando Mike surgiu, carregando Angel e Ethan nos braços e Simon se jogando as suas costas.
Mike começou a correr pelo corredor que Aled veio no momento em que David foi jogado nas costas de Jin.
Sem se preocupar com Aled, Jin cobriu as chamas com sua escuridão, as tornando negras e maleáveis, o que os ajudou em sua fuga. Não demorou muito para o desmoronamento começar, antes que o previsto.
— O que aconteceu lá dentro? — A voz de Mike estava tensa e preocupada, mas ainda não parecia cansado para alguém que corria com duas crianças de doze e uma quatorze.
David estava prestes a responder, mas viu Mike jorrar sangue de seus ferimentos. E, de repente, foi a vez de David gritar.