Capítulo um: A rainha das rainhas
O casamento para muitas mulheres – e homens – é a coisa mais importante, o momento mais feliz de suas vidas, cheios de sonhos, ideais e fantasias, e a principio realmente o é, mas com o passar dos anos essa fantasia se desfaz, os defeitos se sobressaem e o amor pode não suportar, mesmo não sendo essencialmente minha área, uma amiga que domina esse campo sempre me disse, "não amamos por que, mas apesar de", mas esse "apesar de" por vezes pode chegar a um limite. Dificilmente percebemos quando nos encontramos em um relacionamento abusivo, pior, quando nos tornamos por tabela abusivos para extravasar toda essa raiva, dor e frustração. Demorou, mas eu finalmente tomei a minha decisão. Quem sou eu? Espero que os sinais sejam óbvios antes de chegarmos ao traste do meu marido.
Eu estava no meu quarto, luxuoso, atemporal, era possível se estar em vários períodos da história, da mesma maneira que poderia ser um quarto palaciano luxuoso da antiguidade, também poderia ser muito bem renascentista, ou até mesmo um muito bem ornado e conservado quarto de um palácio da nobreza europeia no século XXI.
O quarto tinha como cor predominantemente o branco na sua estrutura, paredes e pilastras, contudo, os ornamentos, detalhes e tecidos transitavam entre o verde, azul e dourado, desde menina sempre me senti atraída por essas cores, me fazia sentir viva. Lá eu tinha uma cama de casal extremamente elegante com detalhes ricamente posicionados lembrando águias e pavões, divãs, closet com roupas de todas as épocas da história, fazer o que, eu sou apegada a todas as minhas roupas.
Eu estava em uma penteadeira dourada com pavões e vacas douradas entalhadas, e usando um belo vestido branco drapeado ao estilo grego clássico com os ombros nus e as mangas caídas com um xale entre os ombros, uma figura feminina estonteante e belíssima, uma beleza difícil de não se gabar, e não só pela minha aparência, mas pelo meu porte, minha imponência e meu olhar penetrante que transmitia um ar de uma mulher vivida e forte. Acreditem, quando conhecerem minha história vão concordar.
Estava me ornando, colocando brincos dourados com pedraria de safira e esmeralda, uma tiara com mesmo padrão de gemas preciosas, alguns anéis, e na cintura um cinturão feminino de elos dourados. Eu tinha cabelos acastanhados, olhos castanhos com tons de avelã, pele branca quase leitosa, me levantava e me olhava no espelho da penteadeira analisando a roupa que estava usando, observando, refletindo.
– Sinceramente, eu sinto muita falta desse tempo... Nem tanto, mas... Foi um tempo bom, apesar de tudo, mas considerando o que eu estou precisando, melhor eu ser uma versão mais atual de mim. – Eu disse enquanto me olhando no espelho e apreciando a roupa.
Estralei meus dedos e minhas roupas mudaram, minhas roupas que lembravam uma rainha grega agora se transformaram em algo mais moderno, mas sem perder a imponência. Eu usava agora uma calça negra justa, uma blusa chiffon verde água, blazer negro feminino com um brasão de pavão no peito, usava um salto alto esverdeado muito belo, já meus acessórios ainda eram os mesmos.
– Está na hora! – Disse eu que respirava fundo e me enchia de coragem, medo era a última coisa que eu consiga sentir.
Eu então saí do quarto e fui para o corredor do palácio, ele transmitia a mesma sintonia do quarto, poderia estar situado em qualquer período da história, mas com alguns aparatos tecnológicos e arcaicos, a decoração alva com tons de metais preciosos, quadros e estátuas que pareciam representar momentos épicos e lendários que lembravam muitos momentos de glória helênica, eu sorria ao ver os quadros, alguns de nostalgia, outros com raiva e outros ainda com tristeza. Passei rapidamente por alguns outros residentes do palácio que tinham por mim com certeza muito respeito, intimidade, mas de maneira respeitosa. Um deles era um homem muito atlético, porte de um militar, cabelos castanhos como os meus, cortados curtos como um militar, ele usava um conjunto esportivo que parecia ser da Nike, seus olhos eram castanhos bem avermelhados.
– Mãe, aonde vai toda arrumada assim! – Disse o homem atlético.
– Resolver algo que já deveria ter feito há muito tempo, seu pai está na sala dele? – Disse eu sem perder o foco e sem ser ríspida com meu filho.
– Está lá desde ontem, por favor, pense bem mãe, você sabe como ele é. – Disse meu filho preocupado comigo e de alguma forma com o pai.
– Você sabe muito bem que eu nunca tive medo dele. – Disse eu que não tremia e me mantinha firme, ao menos fisicamente, pois meus sentimentos estavam a mil.
– Eu sei, é pelo bem dele que eu estou preocupado. – Disse meu filho que aparentava estar acostumado com esse ar beligerante.
– Meu querido Ares, filho amado, apenas não se preocupe, deixa isso comigo. – Disse eu que em seguida dei um beijo na testa do meu filho.
Sai dali em direção do meu destino final, e enquanto saía os outros pareciam conversar tensos, meu filho se aproximou de uma bela mulher, de longos e ondulados cabelos castanhos dourados, de olhos glaucos e uma pele bronzeada, ela usava uma calça justa com uma blusa social feminina azul enquanto analisava algumas plantas de construção.
– "Tena", o que será de nós, eles sempre brigam, mas nunca chegou a tanto. – Disse Ares preocupado, ele sempre foi um menino sensível, pena que só enxerguem seu lado brutamontes.
– Realmente, o pai e a sua mãe sempre brigaram, mas também sempre se amaram, contudo, ela está calma, ela refletiu muito, em geral ela é muito mais explosiva, explode e depois perdoa ele. – Disse a moça de olhos glaucos, era realmente uma menina muito inteligente, uma enteada que ganhou meu respeito ao longo dos anos de convivência.
Entre eles um jovem de cabelos brancos, mas jovial, apareceu, esguio e com um rosto traquina – e põem traquina e fofoqueiro nisso –, seus olhos azuis e pele clara, era realmente uma versão mais magricela e fofoqueira de seu pai, meu marido, mas não meu filho.
– Sério que vocês vão perder o barraco do ano, década, século, do biênio... Eu sei que vocês querem ouvir atrás da porta. – Disse o rapaz de cabelos brancos.
– Eles vão nos matar se nos pegarem lá! – Disse uma garota com cabelos prateados e pele alva que parecia estar cuidando do seu arco, e realmente, ela tinha razão, não era uma boa ideia ficar no meio de nossas brigas.
– Eu não perco esse barraco por nada, desmarquei meus corres tudo de hoje depois que vi ela passando aqui desse jeito. – Disse um rapaz muito parecido com a garota prateada, mas seus cabelos eram muito loiros, puxando quase que para um dourado, e um porte atlético, já me fez muita raiva esse pestinha, eu adoraria dizer que me sinto triste por ele ter colocado a sua jockstrap atoa, mas não estou, isso é o mínimo pra começar a descontar minha raiva por tudo que ele aprontou, mas ao mesmo tempo sei que errei com ele.
– Vocês não deveriam estar rindo ou achando engraçado seus cretinos, vocês não entendem... Isso pode significar o fim de tudo, se o casamento deles acabar, se o casamento dela, sendo quem ela é, acabar, que esperança qualquer casal pode ter? Eu sei que eu e ela nos antagonizamos por muito tempo, mas sempre admirei a força de vontade dela, sua nobreza... Eu sinceramente vou perder a fé no amor. – Disse a minha amiga, que por muito tempo fora rival, ruiva, olhos verdes e sardas, linda em seu vestido vermelho, ela era muito emotiva, era uma mestra no que se referia aos sentimentos. Minha amiga estava realmente chorando e preocupada comigo, ela era realmente um doce.
– Calma meu amor... Nós passamos por tudo que passamos e voltamos a ficar juntos, eu acho que eles podem se acertar ou se não, já sabemos a quem vamos apoiar. – Disse meu outro filho, um rapagão forte, bronzeado, resistente, bonito, peludo, mas era manco de uma das pernas, culpa de um acesso de fúria de meu marido contra ele quando ele era pequeno.
– Vamos, admitam, todos vocês querem ouvir o barraco, vamos logo. – Disse o meu enteado esguio e fofoqueiro.
– Tudo bem Hermes, mas se fomos pegos, a culpa vai ser toda sua. Disse a ruiva.
– Cola em mim que é sucesso "fro-fro". – Disse Hermes.
– Então vamos gente. – Disse Ares.
– Nossa, não fazemos isso desde que éramos pequenos. – Disse minha enteada de olhos glaucos.
Assim eles esperaram eu já estar bem distante para começarem a me seguir sem eu perceber, parabéns, fizeram um excelente trabalho dessa vez. Eu tinha chegado até um lugar com uma porta dupla enorme com uma águia entalhada, era realmente um dos animais favoritos de meu marido, entrei na sala com calma e leveza.
A sala era arejada e muito bonita, carregada no azul com o dourado, tinha uma biblioteca particular ali, mesas, divãs, poofs, televisões de plasma e uma grande sacada, na sacada estava meu marido, um belo homem de cabelos brancos, barba por fazer, olhos azuis e usava uma roupa esporte fino, um olhar apaixonante e um jeito moleque.
– Então você veio, vamos conversar, amor. – Disse meu marido com seu ar sedutor como de costume.
– Você ainda tem coragem de me chamar assim, depois de ontem? Muita audácia sua, eu não vou mais suportar essa situação... Zeus. – Disse eu para ele com firmeza.
Agora a ficha dever ter caído, né? Sim, eu sou Hera, a rainha dos deuses, esposa de Zeus e a deusa do casamento, e para alguém que é a divindade dos casamentos, eu demorei a perceber que o meu já não existia há muito tempo, ou pelo menos, não um digno de mim.
– Por favor, vamos resolver isso. – Disse Zeus.
– Eu vim para conversarmos Zeus, e será uma longa conversa, mas não pense que será como as outras vezes em que me enrola em suas doces palavras e tudo volta ao normal... Eu mereço ser tratada com respeito! – Eu disse impondo respeito e fechando as portas da sala com meus poderes.
– E não é? A mais honrada dentre os deuses, por vezes até mais cultuada que eu... Aquela que se senta ao meu lado como a régia senhora do universo, mais poderosa que qualquer outro deus ou deusa a exceção talvez de mim... E as coisas têm funcionado bem nos últimos milênios, eu pego a piranha, você se vinga dela e dos bastardos, e inclusive sou muito grato aos que deixou vivo você sabe meu amor. – Disse Zeus como se tudo que ele disse fosse natural.
Os outros deuses guiados por Hermes já estavam escutando por de trás da porta de maneira muito cautelosas. Eu estava furiosa com a fala de Zeus e aquilo me veio como um vulcão.
– Você não entende mesmo seu cabeça de raios... E como você ousa diminuir elas tanto assim? Eu me arrependo de muita coisa Zeus, eu não agi como a deusa das mulheres, eu não agi como a deusa do casamento, eu não agi como a deusa do poder, eu não agi como a deusa da maternidade como eu deveria ter sido por não ter honrado esses títulos ao ter me sujeitado a todas as vergonhas que você me fez passar, por ter punido aquelas pobres garotas e garotos mortais ao invés de punir você por suas infidelidades, por ter matado crianças e mortais inocentes por terem nascido de sua semente, mesmo que eles não tivessem tido escolha, e também por eu não ter me respeitado e ficado em um casamento sem amor, acreditando que eu poderia mudar você... Você não é melhor do que o nosso pai ou o nosso avô. – Bradei, estava furiosa, estava irada, estava soltando tudo de uma vez.
– HERA cuidado com suas palavras, você pode se arrepender delas, eu posso ter os meus defeitos, mas saiba o seu lugar. – Disse ele se levantando furioso e levantado sua mão contra mim, sinceramente eu ri disso.
– Te manca Zeus, nunca tive medo de você, se a verdade dói, o problema não é meu, agora senta ai! – Disse eu com autoridade e com minha telecinese o obriguei a se sentar de novo na cadeira que estava e me sentei na cadeira de frente a ele.
– Você já vinha mudando desde o final do século XVIII, sabia que você ter fomentado o movimento sufragista e depois a emancipação feminina ia dar nisso... Insubordinação e rebeldia, nosso casamento sempre deu certo nesse esquema, eu piso na bola, foi mal, você dá cabo da amante, é a nossa marca. – Disse Zeus com seu tom desprezível.
– O que você chama de insubordinação e rebeldia eu chamo de respeito próprio, e eu tinha que ir fazer alguma coisa, consertar tanta injustiça e opressão que eu acabei permitindo que outras passassem o que eu passei... E você, me dá nojo ver como você fala dessas mulheres e homens que você de maneiras tão elaboradas e complexas seduziu significassem tão pouco... Realmente você é o pai da masculinidade tóxica. – Disse eu com raiva, mas tentando manter o nível.
– Você sabe que eu te amo, que você é a única que eu verdadeiramente amei, todo esse tempo, toda minha vida, eles não passavam de aventuras inconsequentes. – Disse Zeus tentando se justificar.
– Sabe, por muito tempo eu acreditei muito nisso, acreditei com todas as minhas forças, mas acabei por perceber que eu simplesmente preferi me enganar e não aceitar que não deu certo, me prendi as coisas para justificar, nossos filhos, nosso título... E quanto as suas "aventuras inconsequentes", elas resultaram em 5 dos 12 olimpianos e alguns heróis, que diga-se de passagem, só se tornaram heróis por minha causa, por que você nunca se importou muito com eles. – Disse eu que ascendia um cigarro, tinha sido uma invenção humana que eu realmente apreciava, talvez por saber que não teria um câncer de pulmão e que os males da toxina não me afetavam.
– Sinceramente, como você pode duvidar que seja amor? Afrodite mesmo já comprovou que eu te amo, e quer mesmo contradizer a deusa do amor? – Disse Zeus querendo provar alguma coisa.
Do lado de fora Afrodite junto com outros escutando a conversa ficou irritada em ouvir Zeus usando o que ela disse de maneira que ela sabe que estava sendo dita só de maneira parcial.
– Toma vergonha na cara Zeus, deuses erram, eu sou a prova viva disso... Mas considerando que ela não errou, seu amor é um amor que fere, que dói, que humilha, que não respeita o meu amor e não respeitou o meu desejo, sendo que eu respeitei os seus e fiz vista grossa para os seus erros... Você me "ama", mas não ao ponto de manter a porra do seu pau no meio das pernas, pelo menos não nas suas. – Disse eu colocando para fora de maneira racional e verdadeira tudo que me estava entalado há muito tempo.
– Se você já tem sua cabeça formada, o que estamos fazendo aqui? – Disse Zeus que demonstrava medo no olhar como poucas vezes eu vi nos milênios que o conheço.
– Em respeito ao nosso casamento, a nossa história, reconhecendo que eu também nem sempre fui a mais justa e que eu deveria ter lutado mais e não apenas ter me calado implorando pelo sua fidelidade... Então quem sabe haja alguma chance de salvar esse casamento, mas uma coisa eu digo, do jeito que as coisas estão elas não vão ficar... Eu estou sendo fiel a mim mesma, eu fui a que sempre cedi ou estourava em um rompante vingativo. Tenho que ser leal a mim, todas as mulheres têm, e sinto muito que a minha figura e os meus erros tenham sido usados para a construção de uma sociedade que subjugava muitas vezes em um casamento sem amor. – Disse eu que estava sendo o mais sincera possível.
Muitos de vocês podem achar que eu posso estar sendo uma tola, não os culpo, mesmo que por cima devem saber tudo que passei nesse casamento, mas mesmo assim foi um casamento de vários milhares de anos, por mais que tenham tido momentos de muita tristeza e humilhação, eu também estaria sendo muito ingrata e injusta de não reconhecer os momentos bons, o tempo em que ele foi fiel, o tempo em que o casamento fora agradável, e como esquecer os perrengues que passamos juntos na guerra dos titãs, na guerra dos gigantes, com Ixion, afinal eu devia dar uma última chance a ele, mas sem me deixar iludir por falsas promessas.
– Então como vamos fazer Hera, por onde começar essa conversa... Acredite ou não esse casamento é muito importante para mim... Eu já me livrei de esposas antes, mas você, por mais que brigássemos, nunca pensei na minha vida sem você como minha rainha. – Disse Zeus com seus ideais deturpados.
"Filha da Puta... Perdão vó Reia" isso que Atena pensava ao ouvir a fala de Zeus atrás da porta, lembra que sua mãe Themis fora engolida por Zeus por ele temer a profecia do filho que o destronaria.
– Essa conversa poderia começar por muitos lugares isso é verdade... E a razão de eu ter permanecido tanto tempo como rainha tem várias razões realmente, seu senso deturpado e um tanto quanto agressivo de amor e o fato de eu ser uma igual a você em poder. – Disse eu com meu sarcasmo, tenho que admitir, gosto de provocar de vez em quando.
Era inevitável que o clima não estivesse tenso, algum tempo atrás essa briga teria terminado com nós dois na cama resolvendo nossos problemas com reconciliação conjugal, mas dessa vez não, eu estava segura de mim e que não iria fraquejar ou ceder para manter as aparências ou um casamento no qual eu não me sinto bem. Era isso, o casamento mais importante do mundo estava em risco e metade dos olimpianos escondidos atrás da porta ouvindo a discussão, mais uma vez os deuses gregos mostrando por que foram eles que inventaram o drama.