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Warlock The Fey

Is a original work and I hope that could be apreciated.

KuroBastard69 · Fantaisie
Pas assez d’évaluations
1 Chs

Um

Minha cabeça lateja de maneira absurda pouco antes de começar a ouvir o som infame que ameaça minha sanidade.

Sempre começava desse jeito. Primeiro a dor de cabeça e, em seguida, os ruídos de fundo, como se alguém estivesse raspando os talheres em pratos de porcelana. Não ajudava o fato de eu estar na escola, no meio de dezenas de alunos que já me acham esquisito o suficiente sem saber que eu ouço coisas estranhas.

Não bastava ser filho da família enlouquecida, ainda tinha que me tornar um louco também.

             A curiosidade que eu tenho desde que me entendo por gente se refere ao motivo que levaram as pessoas a considerar meu pai um louco pouco depois da internação de minha mãe em uma clínica psiquiátrica na cidade de Simões Filho. Claro, ele era excêntrico, mas nada que pudesse ser considerada loucura poderia ser referida a ele.

           Pelo menos, eu achava isso.

             Bom... meu nome é Pietro, mas meu pai me chama de Leon por causa do meu segundo nome. Pietro Leonardo Farias. Minha mãe odiava o segundo nome que meu pai insistiu em me dar. Segundo ela, colocar dois nomes diferentes em uma criança era coisa de mau gosto e eu concordo com isso, mas eu não podia opinar na época e, com certeza, não o faria agora.

Caminho em direção ao banheiro, me esforçando para ignorar o som irritante e mergulho a cabeça na pia. Precisava de água. Não que ajudasse muito com o som, mas aliviaria um pouco a dor que ainda continuava a me afetar.

             Salvador não era o melhor lugar do mundo para se viver. E essa escola não era o melhor lugar do mundo para ser uma espécie de louco. Era uma escola seleta demais, importante demais para se expor a esse nível. Se meu pai não fosse rico o bastante para pagar as mensalidades, eu estaria bem longe daqui. Ainda assim, aqui estava eu, lutando para me adequar ao lugar mais perfeito que se tinha ciência em todas as partes do mundo. O colégio Anchieta.

O lugar tinha até hino.

             - Você está bem? – uma voz feminina perguntou ao meu lado em tom de riso. Olhei ao redor e não reconheci o banheiro no qual tinha entrado. Era limpo demais e o cheiro era levemente menos desagradável do que o do banheiro masculino.

Eu estava no banheiro das garotas.

             - Sim. – falei sorrindo, ainda ouvindo o som de vidro raspado. – Estou bem.

             - Devo perguntar por que está aqui dentro? – falou mordaz, mas não percebi repressão da parte dela. – Você não tem cara de que iria invadir para ver as garotas em trajes mínimos.

             Eu ri da insinuação. Era para me sentir ofendido com isso, porém. Se eu não tinha cara de que iria querer ver garotas semi-nuas, qual cara eu tinha? Ainda assim, ignorei o comentário e, olhando para cima, na direção dela, falei:

             - Estava de passagem. Estou saindo agora.

             - De passagem?

             - Sim, desculpa. – falei e me levantei, o rosto ainda molhado e pingando, mas o som já tinha se dissipado o suficiente para eu não desmaiar de dor.

             - Espera. – ela disse e pôs a mão em minha testa. – Você parece estar se sentindo mal...

             - Estou bem. – falei de maneira suave demais. Ela me encarou, sabendo que havia algo errado. Precisava atuar melhor se quisesse me livrar de situações parecidas no futuro. – Comi algo indigesto no almoço. Mas vou ficar bem.

             - Indigestão... – disse refletindo. – Você está pálido, seus olhos parecem embaçados e está suando... – Ela colocou a mão em minha testa, Sentindo o fluido viscoso que escorria do meu corpo. – Frio. Acho que indigestão não seria responsável por isso. Olha, talvez deva levá-lo até a enfermaria.

             - Quem é você, o doutor House? – a garota sorriu preocupada, mas começou a me levar para a tão temida enfermaria. Não seria bom ser arrastado por uma garota por toda a escola e ainda por cima entrar na malfadada área de doentes da escola... – Não, estou bem, sério. – falei e me endireitei. O som tinha começado a diminuir o suficiente para não me fazer cair com as mãos nos ouvidos. – Eu me sinto melhor agora.

             - Parece que a cura era sugerir a enfermaria, não é? – ela disse sorrindo e aquilo prendeu minha atenção. O sorriso dela era extremamente cativante, quase hipnótico. Estranho. Nada me fazia ficar focado. Absolutamente nada.

             - É, acho que sim. – eu digo. – Pietro.

             - Liz. – falou a garota. – E esse é meu nome e não um apelido. Meus pais não tinham muita criatividade na época em que nasci.

             - Pelo menos você não tem dois nomes diferentes. – falei olhando para a garota, tentando ver algum tipo de... Sei lá, desdém? Eu não costumava ter atenção de ninguém, a não ser que tivesse a ver com ajuda em atividades. Ou para me insultar. Ou qualquer tipo de coisa desagradável.

             - Tem razão. – disse, me acompanhando para fora do banheiro e continuou: – Mas essa réplica só seria uma coisa válida se você tivesse dois nomes diferentes. Conta.

             - Leonardo. – gemi.

             - Não parece ruim. – ela comentou.

             - Experimenta dizer em voz alta. – sugeri ironizando a mim mesmo. Não sabia que podia ser auto-depreciativo.

O que um cara não faz perto de uma garota bonita?

             - Pietro Leonardo... – ela disse como se experimentasse meu nome e eu fiquei abismado com a forma atraente como a boca dela se mexia. – Tem razão. É mesmo muito pior que Liz.

             - Eu avisei que era.

             Ela me encarou sorrindo por mais alguns segundos antes de ficar séria. Ela parecia estar me analisando, o que seria muito desagradável. Desagradável demais.

             - Tem alguma coisa em você... – Liz falou. Claro, eu sou estranho, queria dizer, mas fiquei quieto. Não queria fazê-la sair gritando de medo. Simplesmente não queria que ela se afastasse, na verdade. – Algo diferente...

             - Esse foi o comentário menos ofensivo que recebi até hoje. – falei surpreso com a escolha de palavras. – Isso é raro.

             - Eu não quis dizer que te acho diferente. – se apressou. – Quis dizer que tem uma coisa diferente em você.

              - Não sei se isso ajudou muito. – digo e o sinal tocou, me dando uma bela de uma deixa. O tempo de almoço acabou. – Tenho que ir. Tenho aula agora.

             - Eu também. – ela disse. – A gente se vê, garoto diferente.

             Eu duvidava disso, mas não disse nada. Seria muita estupidez de minha parte dizer algo daquele tipo para alguém que queria me ajudar. Ela parecia confiante, uma coisa que eu jamais seria considerando o histórico de loucura da minha família. Caminhei até a aula e assisti tudo em suspenso. Estava muito preocupado com as coisas que estavam acontecendo comigo.

Os sons que começaram desde meu aniversario de treze anos estavam ficando mais altos e a dor que os precedia era quase insuportável. Eu me perguntei se isso era um sintoma de uma doença, sei lá. Precisava dar um jeito nisso logo.

             Depois da aula, peguei a condução que me levaria até minha casa e subi os dez andares pelo elevador de serviço. Odiava seguir em meio aos esnobes que viviam no prédio. Além do mais, perto deles o som era bem mais desagradável do que perto da dona Clara, por exemplo. Perto dela eu ouvia algo como sinos. Sinos. Desde quando sinos são agradáveis, você poderia perguntar, mas é isso ou metal raspando vidro...

Escolhe aí, sabidão.

             - Leon. – ela disse. – Você não deveria usar esse elevador...

             - Gosto dele. – falei olhando para o carrinho de roupa suja que ela empurrava para dentro no andar anterior. O fedor era desagradável, mas nada que eu não suportasse. Além disso, sentir que meus sentidos ainda eram capazes de funcionar mesmo em meio aos ruídos e à dor era... reconfortante. – Além do mais, gente rica me deixa nervoso.

             - Não só você, pequeno. – falou, simples como sempre. – O que conta de novo? Seu pai deve ter feito outro quadro de milhões.

             - Acho que sim...

             Meu pai é pintor. O que meio que justifica suas maneiras estranhas ao se portar. Socialmente falando, um artista tem que ser um marginal, à parte da sociedade e fora das convenções. Ele é bem sucedido nesse hobbie, mas o grosso de nossa fortuna consiste em uma herança de seu pai, meu avô que não conheci, um industrial da área petrolífera, e sua predisposição a investir em coisas que dão lucro. Muito lucro...

             - Ele anda muito ocupado esses dias. – falei. – Quase sem tempo para respirar. Mas creio que vai sair algo novo disso.

              E era verdade. A nova obsessão do meu pai, depois de muitas obsessões ao longo de sua vida, é a magia. Livros e mais livros de magia foram comprados por ele. Desde livros estupidamente charlatães, até tomos em sânscrito, latim, aramaico e índi. Ele começou a se aventurar com tarô. Loucura por cima de loucura, em minha opinião.

             Depois de mais alguns minutos de conversa sobre a genialidade do meu pai em suas pinturas quase sempre góticas e cheias de significados ocultos por misticismo e dor, eu me despedi e fui para casa. Preparei-me psicologicamente para o que poderia ver naquele dia e abri a porta do apartamento. Para minha surpresa, nada estava fora do lugar e meu pai estava sentado no sofá da sala, assistindo um documentário sobre arte contemporânea.

             - Cheguei! – falei feliz por não o encontrar tentando ascender usando as ervas estranhas que alguns idiotas vendiam a ele.

             - Leon. – ele disse surpreso e aparentando felicidade. Já fazia um tempo que não o via assim. Era quase como se algum peso tivesse saído das costas dele. Ou algo assim. – Você parece bem.

             - Acho que posso dizer o mesmo de você, pai. – eu digo. Procurei por alguma coisa estranha. Livros de ocultismo, ou coisa parecida, mas não achei nada. E isso era estranho. Olhar para o homem de cabelos encaracolados de querubim e olhos verdes me deu uma pontada incomoda. Não tinha ciúmes do meu pai, só o achava muito perfeito, para meu gosto. Era como se ele nunca envelhecesse, mesmo com todas as linhas de expressão em seu rosto...

             Ele ficou nervoso por um segundo e voltou a aparentar a felicidade que tinha mostrado antes. O que estava acontecendo? Por que eu achava que tinha alguma coisa errada?

             - Acho que... – hesitou. Aquilo era sinal de probleminha. – Precisamos conversar.

             - Sobre... o quê, pai?

             Ele se calou e olhou em direção a um folheto em cima da mesa de centro, ignorando o fato de eu tê-lo chamado pelo nome. Na verdade, era só um informativo comum sobre uma escola para garotos dotados. E isso era estranho. Meu pai nunca se calava. Ele sempre quis me colocar à par de suas loucuras mágicas, quase sempre tentando me fazer jogar num tabuleiro de ouija ou coisa do tipo.

Eu fiquei me perguntando sobre o que "dotados" queriam dizer. Quer dizer, da última vez em que medi, eu era de média normal. Quer dizer, para alguém de catorze anos eu tinha até me superado um pouco, mas "dotado" não era o que seria usado para me descrever. Acima da média, talvez.

             - Chama-se Aedicula ab Merlin. – ele falou enquanto pego o folheto e começo a ler.

- Santuário de Merlin. – traduzo irritado, percebendo do se trata o tal folheto. – O que diabos é isso?

             - Uma escola. – diz simplesmente. – Apenas uma escola.

             - Com um nome assim? – perguntei mordaz. – O que eles ensinam? Clarividência? Leitura de xícaras de chá? Trato das criaturas mágicas? Quer dizer que agora você decidiu apelar para instituições de magia?

             - Filho...

             - Agora você decidiu que alguém deveria te ensinar a fazer o que não estava conseguindo fazer sozinho? – eu disse irritado. Podia sentir meus sentidos se expandindo, mas ignorei. – Não bastava agir como um louco em casa, vai fazer isso numa instituição? O que vou fazer sem você, pai? Vai me colocar num orfanato até que essa loucura passe?

             - Você vai para a escola, Leon. – ele disse ainda calmo demais para meu gosto. – Não eu.

             - O quê?!

             - Você vai para a escola, filho...

             - Como assim? – perguntei assustado. – Por que eu tenho que ir para esse lugar? Por quê?

             - Filho, você acha que sou idiota? Sei das dores. E dos sons... Eu sei o que você sente. – ele disse me surpreendendo. Como ele poderia saber disso? – As coisas vão piorar se não souber como controlar isso...

             - Eu não sei do que está falando e não vou a lugar algum. – Disse, mentindo, irritado com tudo isso. – Eu não sinto nada.

             - Se você quer assim. – ele disse se levantando. Toda a vitalidade que parecia emanar dele minutos atrás tinha se esvaído. – Vou para meu quarto. Pede comida, certo? Anette não vai vir hoje.

             E ele seguiu em direção ao quarto. Eu poderia mudar de ideia e dizer que queria ir para essa escola maluca. De acordo com o folheto era um lugar licenciado pelo governo, o que tornava tudo ainda mais estranho. Por que o governo iria permitir uma escola com esse nome? Santuário de Merlin! Parecia nome de uma seita. Loucura!

             Fui até meu quarto e comecei a me despir para um banho. Sempre tomava banho depois que chegava da escola por que gostava de sentir a água fria na cabeça, apagando a dor de cabeça e o calor latente que ficava depois de um dia cheio de ruídos. Minha cabeça agradecia a essas sessões de banho diário. Muito. 

             Mas eu estava muito curioso para saber como meu pai sabia de certas coisas. Quer dizer, como ele sabia que eu tinha essas dores de cabeça? E os sons? Eu não contei a ninguém sobre isso. Ninguém mesmo. Ele tinha dito que iria ficar pior. Pior quanto? E se piorar, será que eu iria ficar louco como minha mãe? Será que minha mãe era como eu? Será que ela tinha essas coisas estranhas que eu tinha? Isso era um prenúncio do que aconteceria comigo em longo prazo?

             E isso me deixava muito assustado. Se bem que respondia muitas das minhas dúvidas. Minha mãe e eu nunca nos vimos antes e todas as vezes em que perguntava sobre ela, meu pai disfarçava e dizia que não podíamos vê-la por causa de alguma coisa. E se ele soubesse tudo aquilo por que eram sintomas da doença dela? Eu poderia terminar tão louco quanto. Tão louco que meu pai fingiria que eu não existia assim como fez com minha mãe ao longo de todos esses anos.

             Eu esperava que não.

             - Você deveria reconsiderar. – meu pai diz depois que eu acabo o banho e estou deitado em minha cama confortável demais. – Acho que pode perceber que seus julgamentos são...

             - Não são julgamentos. – digo suspirando. Estava cansado daquela conversa. Será que ele não entendia o quão doentio soava? – Isso é loucura, pai. Escola para "dotados" deveria ser algo relacionado com inteligência e não com dores de cabeça e ruídos de fundo.

             - Talvez esteja falando de magia...

             - Pai. – falei alto para chamar sua atenção. – Será que você poderia parar de falar isso? Você está parecendo um maluco. Um doido varrido que está me enlouquecendo com você porque não suporta a ideia de ser insano sozinho.

             A expressão de dor em seu rosto não foi suficiente para me fazer sentir culpa pelo que eu disse. Meu pai assentiu cabisbaixo e saiu do quarto com os ombros curvados tremendo levemente. Eu sabia que isso iria machucá-lo, mas não esperava que machucasse tanto.

             Eu poderia ser mais indulgente com ele, mas não conseguia. Tudo o que queria fazer era dormir e esquecer.

             No dia seguinte, acordei com dores horríveis em minha cabeça. Era diferente do que costumava me acontecer pouco antes de começar a ouvir os sons insuportáveis. A dor era mais intensa, mais constante, como se ela fizesse parte de mim. Aquela sensação deveria ser melhor do que se considera normal, porque a constância deveria ser capaz de me adequar à dor, mas não. A coisa só parecia me deixar mais e mais tonto, como se a cada minuto em que o som não fosse ouvido, um martelo fosse batido em um gongo dentro de minha cabeça.

             Fui ao banheiro e entrei no chuveiro ainda de roupa. Eu precisava lavar a dor antes de ir para a escola, mas nada do que eu fizesse conseguia me deixar menos sujeito a ela. Rangi os dentes e saí da água. Depois de me vestir, pegar minha mochila e dinheiro pro almoço, saí de casa e fui para escola. Era algo meio estúpido, ir para a escola naquelas condições, mas não poderia simplesmente fingir que a coisa não tinha acontecido quando na verdade a coisa ainda estava acontecendo.

             O balanço da condução que me transportava todos os dias estava me deixando ainda pior. Muito pior.

             Chegar ao colégio Anchieta foi bem mais difícil do que poderia aguentar e cambaleei para dentro sem notar nada ao meu redor. Corri, ou tentei correr, em direção ao banheiro, o masculino dessa vez, e comecei o processo de lavar a cabeça na pia. Não ajudou em nada.

 

             - Senhor Farias, você poderia resolver essa equação ou prefere continuar no mundo da lua? – a pergunta do professor de matemática, perto demais, me deixou assustado com a minha capacidade de ignorar os outros e fez a maioria das pessoas ao redor rir. Olhei para o quadro e vislumbrei uma equação do segundo grau que terminava em um numero imaginário.

             - Claro, senhor Santana. – me levantei e fui em direção ao quadro branco. Precisava mesmo de algo para me distrair. Quando estava em frente ao quadro, perguntei: – Qual das equações devo resolver?

             - A única que ainda não está resolvida, é claro. – ele retorquiu, claramente tentando me deixar mal na fita. Mais mal do que já era normalmente.

             - Claro. – comecei a escrever seguindo o passo a passo para chegar ao resultado. Matemática sempre foi mais fácil para mim do que para a maioria das pessoas, por algum motivo. Conseguia guardar as formulas mais rápido do que a maioria das pessoas e fazer cálculos longos usando a cabeça, mas não tinha segredo. Não podia nem ser considerado inteligente considerando todas as outras matérias em que eu levava bomba, como português, biologia, filosofia... Todas as matérias que não se pareciam com matemática.

             As coisas pioraram um pouco quando cheguei a formula de báskara por que delta era um número negativo. Eu poderia parar ali, deixando tudo como vazio, mas continuei o calculo usando os números complexos. Depois de nove segundos cheguei ao resultado esperado e sorri.

             - Devo admitir que não sabia o nível de sua sapiência com relação à matemática. – o professor disse, mordaz demais para eu tomar aquilo como um elogio. – Ainda assim, como não demos esse assunto, no qual o senhor parece ser um expert, deveria ter parado onde o proposto se fazia necessário.

             - Sinto muito, senhor. –  digo. A dor tinha passado depois de uma hora e eu não tinha ouvido nada de diferente até o momento. Por que quando ele começou a falar daquele jeito, o som se fez presente? Era diferente dessa vez. Parecia mais nítido, mais... Destrutivo do que o normal. Quase parecia que a coisa aguda, sem sentido, estava começando a parecer com algo... Real? Perceptível?

             - O senhor ouviu? – a voz do professor se fez ouvir em meio ao barulho e eu me assustei mais uma vez com sua proximidade. Ele estava em minha frente e começou a ficar vermelho, de raiva, acho.

             - Desculpa, senhor, eu... – o que estava acontecendo comigo? – Acho que... O senhor pode repetir?

             Aquilo gerou um burburinho da sala. Eles não riram porque previam o mesmo que eu. O professor iria ter uma sincope e morrer se eles o envergonhassem mais. Caramba, eu nunca, na minha vida, tive tanto medo de alguma coisa como a morte de alguém que me desprezava ardentemente como ele.

             - Eu disse: "Se tentar bancar o prodígio de novo vai ter um zero em seu boletim". Entendeu ou precisa que eu repita?

             - Entendi sim, senhor. – falei, a voz apenas um sussurro baixo. Eu costumava falar alto quando ficava tomado pelo som que me envolvia de vez em quando. Tomei cuidado para isso não acontecer naquele momento. – Não vai se repetir.

             - Assim espero.

             Depois da minha humilhação, voltei ao banheiro. A dor tinha sumido, mas o calor que se seguia ainda parecia estar infiltrado em meu corpo de maneira pouco agradável. Esses sintomas eram esquisitos. Precisava dar um jeito neles logo, ou daria adeus à sanidade. Saí do banheiro e fui em direção à sala de informática. Precisava me informar e esses sintomas podiam ser alguma coisa séria, como câncer, ou um aneurisma cerebral.

             O primeiro site que me chamou atenção foi um que dizia: "Ouvir vozes que não existem não é algo tão incomum quanto você pensa". Era uma coisa boa, saber que não era incomum, mas ainda tinha as dores de cabeça que precediam os ruídos e isso poderia ser ruim. Dor nunca é bom, independente de qualquer coisa.

             As coisas estavam ainda mais estranhas ao longo da leitura. Nada do que eu li ajudou. Eu não ouvia vozes, só ruídos. Malditos ruídos sem significado algum. Merda. Fui para outro site, mas todos diziam a mesma coisa. Ouvir vozes não era algo ruim ou era muito ruim, era tratável em curto prazo ou em longo prazo.

             Nada do que aquilo parecia sugerir era bom para mim. Nunca seria, eu desconfiava.

             - Ouvir vozes? – uma voz feminina disse, me pegando desprevenido de novo. Eu precisava prestar mais atenção ao meu redor, porque desse jeito não dava pra ficar. Eu me virei assustado para dar de cara com um rosto bonito, sorrindo para mim. – Esse é seu segredo?

             - Segredo? – falei ainda mais assustado, fechando o navegador sem que ela percebesse. A última coisa de que precisava era alguém saber dos meus problemas psicológicos graves. – Eu não tenho segredo nenhum... Eu só estava fazendo uma pesquisa sobre... O cérebro. Pra aula de ciências, sabe. O professor pediu pra escolher um órgão, o que considerávamos mais importante. Eu escolhi o cérebro porque... bem, porque ele é o mais importante. Não é?

             - Sei.

             - É sério. – falei. – Ele disse que deveríamos pesquisar sobre esse órgão e... escolher alguma coisa sobre ele. Eu decidi... fazer uma...  pesquisa. Sobre... ah... Pesquisa sobre como o cérebro pode nos pregar peças de vez em quando. O que, por sinal, aconteceu com você nesse momento.

             Eu podia ver que estava sendo tratado com descrença pela forma oblíqua com que ela me encarava. Eu nunca tinha sido um bom mentiroso de todo o jeito. Pelo menos achei isso até que notei a confusão em seu rosto. Ela tinha acreditado em mim? Ela estava em dúvida, como se estivesse se esforçando para não acreditar em mim. Ela parecia estar vencendo a batalha interna.

             Ela teve mesmo dúvidas? Talvez eu fosse melhor mentiroso do que imaginei que seria.

Cocei minha cabeça, contrito, e esperei pela reação dela. Era estranho. A garota, Liz, não parecia estar assustada com aquilo, então eu disse:

             - Certo, eu ouço ruídos de vez em quando, não vozes. – admitir aquilo em voz alta não era algo muito... Constrangedor. Mas também era libertador. Alguém saber de algo sobre mim que deveria ser segredo... bem, alivio não deveria ser o sentimento que deveria sentir, certo? – E é só.

             - Certo. – ela falou e sentou em minha frente depois de arrastar uma cadeira. – Vamos falar sobre isso.

             - Olha, não tem nada para falar. – eu disse olhando em volta para ver se tinha mais alguém na sala. – De acordo com os sites, é normal...

             - Para. – ela pediu com autoridade demais para eu ignorar. Era uma ordem. Aqui estava eu, obedecendo uma garota que eu mal conhecia apenas porque ela tinha o tom de voz certo que me fazia ficar de joelhos. – Você já tentou prestar atenção?

             - Espera... O quê?

             - Quando ouve essas coisas... – ela hesitou e se aproximou mais de mim. – Você já tentou prestar atenção? Sabe, no que elas dizem pra você? Talvez estejam tentando se comunicar, ou algo assim...

             - Okay, isso soou estranho demais. Até pra mim.

             - Apenas responde, está bem?

             Na verdade, não. Mas ela não precisava saber disso, precisava?

             - Como assim prestar atenção?

             - Já tentou ouvir o que o som estava dizendo? O que a coisa que ouve quer dizer? – ela repetiu como se eu fosse burro, o que talvez eu fosse, sei lá. Nunca fui muito brilhante em qualquer que seja a coisa.

             - Isso é...

             - É importante. – ela afirmou com veemência demais. Seria uma daquelas pessoas que acreditam em fantasmas? Ou talvez uma daquelas que gostam de se dizer videntes. Bem, ela não era normal pra estar falando comigo depois de saber sobre os sons e ainda me fazer perguntas estranhas como as que estava fazendo agora. – Se você está lutando contra o que é...

             - Como assim? Lutando contra o que sou? – perguntei indignado. reparei que estava usando muito o inicio de frase: "como assim..." , mas ei, eu não estava lidando com coisas normais aqui. – E o que eu sou? Um maluco? Acho que lutar contra a insanidade é algo louvável, mas é só uma opinião. Algumas pessoas podem pensar o contrário...

             - Não. – Ela respondeu calmamente demais para meu gosto. – Você não é maluco.

             E então ela se aproximou. Próximo demais. Demais. E eu estava quase achando que receberia um beijo. Quero dizer, o último que recebi foi em... na verdade, já fazia uns dois anos e na época eu estava bem menos afetado pela dor do que agora. O que significa que eu não era um maldito estranho que ouve coisas.

             O que estava acontecendo? Por que, de repente, eu era atraente pra ela? Sem perceber, os ruídos voltaram, mas não eram desagradáveis. Eram bons de ouvir. Quase como uma orquestra de violinos. Mas sem os violinos. O instrumento que parecia estar sendo tocado não devia pertencer a esse mundo. O som doce parecia ser capaz de me hipnotizar.

             - O que está ouvindo agora? – ela perguntou me tirando do estupor. E me deixando irritado o suficiente para querer fugir. Por que todas as pessoas que eu conheço tinham que ser loucas?

             - Não ouço nada. – menti e, me levantando, fui embora daquele lugar como se estivesse fugindo do inferno.

             Pensar na garota me deixou assustado demais. Quer dizer, quando eu podia imaginar que Liz era igual ao meu pai, pensando em coisas estranhas como magia e essas coisas? Na verdade, eu sempre soube que havia algo de estranho com relação a mim. Quer dizer, aos treze anos eu comecei a ter essas dores, mas não eram as únicas coisas esquisitas que aconteceram comigo.

Eram coisas bem estranhas, como pensar em coisas... Como musicas que nunca tinham sido tocadas em nenhuma rádio e cantá-las antes de qualquer pessoa. Até mesmo as internacionais, mesmo eu sabendo muito pouco de inglês e cantando mal pra caralho. Era como se eu pudesse ouvir todas elas antes de qualquer pessoa. Por exemplo, blank space da Taylor Swift. Eu a ouvi antes de todo mundo e cantarolava sempre, mesmo não sabendo o que significava. Claro que isso não era a única coisa errada comigo. Eu podia dizer quando as pessoas eram boas ou más, se eu devia sair pra determinado show e etc, e ainda poderia pensar em diversas coisas estranhas sobre diversas coisas estranhas. Ou pensar ainda em coisas como: "amanhã vai chover" e assim que amanhecia a chuva caía forte como o esperado, como se eu fosse uma espécie de vidente.

             Mas nada disso me caracterizava como um ser mágico, certo? Magia era coisa de loucos. Quer dizer, Harry Potter? Sério? Pelo amor de Deus!

             Fui para casa naquele dia pensando em quantos lunáticos existiam no mundo e em como eu poderia evitá-los quando encontrei a dona Clara.

             - Pequeno Leon. – ela disse sorrindo. Era uma das poucas pessoas que não parecia sentir aversão por mim logo de cara. – Como vai?

             - Assustado com a forma maluca de certas pessoas. – eu disse simpaticamente. Ela sempre era gentil e o som era diferente perto dela, mais... limpo. – E a senhora?

             - Ah, você sabe, na mesma. – ela deu de ombros e seguimos para o elevador de serviço. – Eu fiz aniversário ontem. Sessenta e três anos de vida muito bem aproveitados.

             - Parabéns. – felicitei. – Deveria ter me dito antes, sabe? Dar presente atrasado traz azar.

             Ela me encarou com ceticismo e eu me perguntei por que acreditava nessa estupidez de azar, mas duvidava do meu pai.

             - Você é bem crédulo, não é? – ela pergunta sorrindo. – Minha vó dizia isso pra mim e eu sempre pensei que fosse desculpa pra não me dar nada. Mas nunca soube de um jovem falando sobre isso.

Cara, era até contraditório, mas nada conseguia me demover daquela ideia. Quer dizer, não dava para mensurar como eu poderia ser confuso.

             - Na verdade, não sou crédulo. – eu digo rindo. – É só uma sensação.

             - Tipo um sentimento? – ela pergunta. – Ou uma premonição? Ou talvez um palpite, sei lá...

             - É bobagem. – falei quando o elevador chegou ao meu andar e eu saí em direção a minha casa. Precisava parar de ser tão estranho se quisesse manter a amizade da velha senhora. Era ruim o suficiente só ter uma amiga velha, não poderia piorar minha situação não tendo amigo nenhum. – A gente se vê.

             - Sim, pequeno.

            

- Leon... – meu pai entrou em meu quarto. – Precisamos conversar.

             - Sobre o que? – perguntei pressentindo que seria algo que já tínhamos discutido antes.

             - Sua mãe é uma bruxa. – ele falou. – E ela não está internada.