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07. Família e outras pessoas.

LIZ

39 dias para o baile de inverno.

Maya não me procurou e nem eu a procurei. Passamos o final de semana sem nos falar.

Trabalhei no sábado e no domingo no pub da Tia Gal, já que na sexta tirei minha folga para poder ir na praia devido a ameaça de Madelaine. Pelo menos por uns dias a ruiva me deixa em paz, eu acho.

Gal era uma pessoa maravilhosa e tenho como provar. Quando acabei de chegar na escola, junto com meus irmãos: Scoot e Lyra (trago eles todos os dias), tia Gal estava me esperando no portão de entrada perto do estacionamento com meu caderno em mãos. Só me dei conta que o tinha esquecido no pub quando fui arrumar meu material pela manhã.

Gal me deixa fazer as tarefas nas folgas de alguns minutos que tenho toda noite ou quando não tem muito movimento no bar.

— Olá... Esqueceu seu caderno. — Ela falou sorrindo toda boba para o meu lado, o que eu disse ela gosta muito de mim. — Pensei: deve ser importante então vou levar para minha bartender júnior favorita.

— Eu sou a única bartender júnior que você tem, pilantra.

— Você está certa. — Gal ri e me passa o caderno. — Te vejo mais tarde, Lo, boa aula.

— Obrigada, tenha um bom dia, tia Gal. — Agradeci, abraçando-a e ela riu quando fingi estar irritada por ela ter trago o caderno. — Sem você eu não faria exercícios de física.

— Por nada.

Gal é legal e simpática, é bem prática também, assim que falou logo saiu rapidamente.

Ela trabalha durante o dia em uma empresa e à noite ela toma conta do próprio pub, sempre muito elegante. Fico admirada por ela estar ali quase de pijama, pelo menos é o que parece com aquela camiseta folgada e calça de moletom, nunca tinha visto ela dessa forma antes.

Matarazzo é muito legal (e meio doida) de me deixar trabalhar consigo por eu ser menor, minha mãe acha que tia Gal tem algum tipo de licença que me faz poder trabalhar lá, mas a verdade é que eu levo minha identidade falsa e não trabalho com carteira assinada obviamente porque não tem como ter uma carteira assinada tendo identidade falsa, talvez se fosse muito boa a identidade, daquelas dignas de filmes.

Apesar do ato gentil de Gal Matarazzo ainda era uma merda de segunda. Não vi Maya e também não sei se queria ver, o que falar com ela? Estamos brigadas, não é?

Vou esperar ela não me procurar, se procurar, não sei se ela quer ver minha cara depois das bobeiras que falei. Não acho que seja muita baboseira, mas Maya é meio sensível com as verdades então a culpa deve ser minha afinal eu só faço merda e nada mais.

Quando entro na sala do Cuspidor esqueço de Maya ou de qualquer coisa que persiste em perturbar a minha cabeça. Depois de abaixar as mangas da minha jaqueta de camurça para me proteger das gotas de saliva (levantei por contas das pequenas ondas de calor que passavam vez outra, pode ser inverno só que ainda é Miami) então foco em achar o papel na parte debaixo da mesa.

Não era o mesmo papel, então por alguns segundos fiquei preocupada e mil coisas passaram na minha cabeça ao mesmo tempo, porém me acalmei quando reconheci a caligrafia desleixada. Parece um pouco mais cuidadosa de alguma forma, mas ainda assim não era a caligrafia de quem não se importava em fazer letras bonitas.

Quando entrei o Sr. Jackson estava de pé perto da própria cadeira parecendo ansioso, agora eu me sinto da mesma forma que ele ao reler mais uma vez o que estava escrito no papel.

"Eu realmente não sei de nada, até porque não te conheço. E talvez se conhecesse poderia não saber da mesma forma, afinal eu não sei de tudo que se passa na vida de ninguém, nem mesmo dos meus amigos mais antigos. Porém estou preocupada e afim de te ajudar se quiser isso, não faço ideia do que se passa com você, mas talvez se tivéssemos uma conversa mais Stela eu poderia ter a oportunidade de ajudar de alguma forma. Não estou pedindo que nos encontremos pessoalmente, a menos que queria isso porque faria sem problemas, mas se quiser me mandar mensagem em algum aplicativo ou rede social para conversarmos melhor eu não me importo. O que achar melhor estarei à disposição, saiba que não é obrigada a nada. Atenciosamente :) "

Se essa pessoa não sabe quem sou mesmo ela (ele) é maravilhosa(o) por tentar me ajudar sem querer algum tipo de status idiota e eu acho que realmente não sabe então isso deixa as coisas ainda mais incríveis.

Não sei o que responder, não vou dar meu número porque a pessoa pode descobrir qual a minha identidade, me encontrar pessoalmente nunca foi uma opção.

Estou quase terminando de escrever, quando paro para pensar um pouco. Logo continuo espremendo minha letra porque quem escreveu antes usou muito espaço e para minha responda caber ali foi quase uma missão impossível.

Sr. Jackson passa por perto falando rápido, algumas gostas de saliva voam e pousam respectivamente no meu rosto, mesa e bilhete que respondi. Faço uma careta e escuto uma risadinha ao longe. Não sei ao certo quem ri mais tenho certeza que Madelaine Becker estava rindo também.

Limpo o rosto e viro para olhar vendo vários pares de olhos me observando, os que mais chamam atenção são os de Ingrid Edwards e Madelaine Becker (como eu imagina), ela gosta mesmo de me olhar.

Quando não vejo ninguém me olhando coloco o bilhete no lugar habitual.

*****

Não vou para o refeitório então vou procurar um banheiro com pouco movimento. Como meu sanduíche no corredor mesmo, em seco porque Maya não está ali com uma garrafinha de água como todos os dias, antes de chegar ao banheiro porque comer lá dentro nem se eu fosse uma perdedora de mão cheia (e olhe que estou quase lá).

Não quis ir para o refeitório porque não ia sentar com Maya se não estávamos conversando, ficar sozinha ia chamar muita atenção e sentar com as garotas da torcida não era uma opção no momento.

Encontro com alguns rostos familiares no corredor e aceno tentando ser simpática, não sei se funcionou. Não me sinto bem, só espero que pelo menos saiba mentir de forma convincente.

Fico na cabine do banheiro até o sinal bater, só saio de lá para ir a aula.

Faltando 3 períodos para o fim das aulas peço para ir à enfermaria, com minha cara de desânimo não é muito difícil convencer a professora. A enfermeira me libera quando digo que estou com uma cólica de matar, não é a primeira vez que falo isso para ir embora e funciona.

Deixo mensagem para meus irmãos dizendo para eles voltarem de ônibus, não vão morrer de andar também se não conseguirem pegar o ônibus, nossa casa é bem perto.

Chegando em casa abro a porta com a chave que fica no vasinho de peônias perto da entrada. Entro soltando um suspiro, estar em casa é um pouco melhor, pelo menos estou sozinha.

Vou ao meu quarto, na parte de cima da casa, e deixo minha mochila lá, tiro meu casaco pendurando-o ao lado da porta no suporte. Tiro meu uniforme da torcida que visto nos dias de treino (todas as segundas, quartas e quintas) e visto apenas uma camiseta enorme, não tem ninguém em casa mesmo.

Me deito por um tempo indeterminado debaixo do meu cobertor macio, chego a cochilar por algum tempo e acordo com sede.

Desço para ir na cozinha, mas na sala dou de cara com minha mãe, Stela Rodriguez, bebendo uma taça de vinho enquanto assiste televisão (acho que é um programa fofoca).

— O que faz em casa?

— Oi? — Minha mãe fala entre um cumprimento e uma pergunta, ela não solta o copo de vinho para conversar comigo e quase posso dizer que prefere olhar para o apresentador do programa. — Lhe pergunto o mesmo, Lo.

— Não estou me sentindo bem. — Respondo e mamãe não parece nem por um segundo duvidar, se fosse com meus irmãos seria outra coisa, sei disso porque ela me acha responsável (realmente sou) e acredita que sou sempre honesta contigo. — Qual a sua desculpa?

— Hoje tenho menos períodos.

Stela é professora numa universidade local, ela não reclama do salário também nunca tive curiosidade de perguntar se era um ruim ou não. Meu pai, Percy, trabalha vendendo carros. Ele fala de veículos o dia todo, eu não entendo nada, mas sorrio sempre concordando com a cabeça.

— Legal. — Falo e logo tento seguir ao meu rumo inicial, a cozinha.

— Você vai trabalhar hoje?

Mamãe parece querer me manter por perto para conversar, talvez seja o vinho que fez isso, porque nunca ficamos muito juntas. Meus irmãos tem uma relação melhor com meus pais, então não pareço fazer muita diferença na vida deles.

— Vou.

— Se não estiver bem para trabalhar posso conversar com a Gal por você.

Mamãe acha que tenho vergonha de pedir favores, ela está certa, mas quando é necessário eu peço e esqueço a vergonha de lado.

— Não precisa. — Respondo e sigo meu caminho.

— Tudo bem, mas se... — Mamãe fala algo só que estou andando e não escuto tudo.

Vou a cozinha pego alguns biscoitos e a água que inicialmente me tirou da casa, volto para quarto e no meio do caminho vejo mamãe olhando para o nada pensativa, seu copo de vinho cheio (ela colocou mais) e a garrafa na mesinha de centro.

Será que ela está com algum problema? Só isso explica estar bebendo no meio do dia. Ou comemorando, mas a cara não muito boa não dá a entender essa opção.

*****

— Está bem, princesa? — Papai me pergunta tentando ser doce como sempre.

Gal tinha me ligado mais cedo falando que era para eu ir mais tarde, deve ser coisa da minha mãe. Não costumo jantar em casa, preparo minha comida e como no trabalho no tempo de folga que tenho.

Quando papai me chama de princesa sempre penso numa princesa feliz com um príncipe e em como não sou esse tipo de princesa. Quão ele e minha família vão ficar decepcionados quando eu contar que não curto garotos? Merda, não quero nem pensar.

— Estou, papá. — Respondi sentando no meu lugar de sempre, sozinha de frente para meus irmãos. — E o senhor como está?

— Muito bem, tive um dia maravilhoso! — Papai responde todo animado passando uma das mãos na barriga saliente, ele está parado de pé perto da porta que vai para sala, alguns minutos antes ele estava nos chamando para o jantar.

Nossa mesa onde estou não é muito grande (mesmo que tenha seis lugares) por isso fica na cozinha mesmo, não temos uma sala de jantar. Mas no lado de fora tem uma mesa enorme no quintal onde sempre temos refeições nos finais de semana (que não estão frios demais para nós que estamos acostumados com calor) ou em datas especiais.

Papai tinha ajudado mamãe a colocar a comida na mesa, porque ele é o tipo de homem que ao menos tenta agradar a esposa vez ou outra. Comida de cubana por sinal, acho bom estranho porque não temos nada a comemorar e no geral só temos comidas diferentes em dadas especiais.

— Enfim chegaram. — Mamãe fala, saindo de trás do balcão da cozinha quando meus irmãos entram na cozinha se empurrando.

— Temos uma notícia! — Papai está animado demais para se conter, é quase engraçado porque ele é um homem gordinho que tem cara de comediante nato.

— Que não seja mais um irmão!

Lyra berra fingindo rezar em seguida, o pior que ela não sabe rezar já não vai a igreja porque tem preguiça. Por tanto toda vez que temos algum evento aqui tem discurso dos nossos avos por deixarem ela à vontade demais.

— Já chega de gente nessa casa! Logo agora que tenho um quarto.

Esse é Chris reclamando, ele é um bobo na maior parte do tempo. Ele fala de quarto porque antes dividia um com Lyra, mas agora dorme no porão depois que vez papai reformar o lugar, é um folgado.

— Nos podemos falar? — Mamãe pergunta parecendo entediada. — Não vão ter um irmão, ok.

— Ainda bem!

— Ufa!

Eu não me expresso, mas ainda bem que não é mais um irmão, já bastam os dois que tenho. Acabou que não era nada demais o que tinham para falar, apenas que nossos parentes cubanos viriam para as festas de fim de ano.

Que legal mais parentes aqui para encher o saco, não basta os que estão nesse país?

*****

Não tem quase ninguém no pub, até dava para eu fazer meu dever de casa, por ser segunda é assim mesmo. As pessoas ainda estão se recuperando da ressaca no final de semana até na terça, então a partir de quarta que o movimento aumenta.

O sininho da porta entrega que alguém está chegando me chamando atenção, olho e me surpreendo com quem eu vejo ali. Gal aparece do meu lado do nada, sorridente, como sempre. Estou surpresa e ela me pergunta:

— Você está bem, querida?

— Si-sim. — Fecho minha lição de química e guardo o caderno nos fundos do bar, no estoque. — Vou ver se a cliente quer alguma coisa.

Apontei para a garota e Gal concordou, ela estava atendendo outro cliente.

— Senti sua falta, Liz!

Tem algum tempo que ela me abraçou, para ser mais exata desde que foi embora da cidade.

— Rafa?! O que faz aqui?

Quando me afasto meio atordoada Lucia Chávez sorri. Ela é linda quando sorri, não tem outra palavra para definir.

— Eu queria passar uns dias com você se estiver tudo bem...

— Oh... Ok. — Concordo. Confesso que não estava pensando direto no momento, mas não tinha muito o que fazer depois do que foi dito.